Lula imperdoável, por Sergio Saraiva
Uma ponderação que me chamou a atenção no depoimento de Lula ao juiz Moro foi a em que ele descreveu a armadilha em que a mídia se colocou. Após tantos anos acusando Lula, não é mais possível aceitar que ele seja inocente.
Doentio. Obsessão.
Não é mais uma questão de justiça, é uma questão de coerência. É necessário que Lula seja condenado, talvez preso, para que, a partir desse estabelecimento da coerência narrativa, possa a imprensa começar a avaliar objetivamente os fatos.
E talvez, a partir daí, reconhecer que Lula é inocente. Por paradoxal que pareça.
Até lá, atos falhos repetidos nos mostram o quão adoentada está nossa imprensa.
Vejamos o editorial da folha de 12 de maio de 2014, ”Sem xeque-mate”. Cuida do resultado do depoimento.
Parece tratar do fato de a Lava-Jato não ter enquadrado Lula. Realmente, Lula entrou cardeal e saiu papa.
Mas, não, ao contrário. Pelo editorial, Lula é não teria alcançado um xeque-mate. Lula saiu de Curitiba sem provar a sua inocência. O jogo continua. Nada está perdido, Lula ainda será preso.
Para que argumentar que não cabe ao réu provar nada? Que o ônus cabe a quem acusa. Que a dúvida inocenta o réu. Que a presunção de inocência é condição basilar da civilidade.
Com pessoas sãs, tais argumentos seriam desnecessários; com insanos são inúteis. Não se argumenta com insanos.
Não é necessário mais que o primeiro e o último parágrafos para notar-se o grau de fixação com a ideia da culpabilidade de Lula:
“O depoimento de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao juiz Sergio Moro pouco acrescentou, ao longo de suas quase cinco horas, à linha de raciocínio adotada pelos advogados de defesa do ex-presidente”.
Lula não provou sua inocência.
“A credibilidade do ex-presidente da República não se fortalece, por suposto, com essa linha de defesa; bem pesados os fatos, é, entretanto, a única que lhe resta antes de a Justiça pronunciar seu veredito”.
O veredito já está dado – Lula é culpado.
De um editorial espera se coerência com os fatos e com a lógica. De um obcecado, não.
Obsessão, paranoia. Quanto a perseguição a Lula custou em sanidade à nossa imprensa? A prisão de Lula é a terapia de choque necessária para que ela recupere a coerência narrativa e possa enfim aceitar Lula como inocente.
Paradoxal? Não, doentio.
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