Luis Nassif - as semelhanças entre 1964 e 2014

Santos Vahlis, hoje em dia, é mais conhecido pelos edifícios que deixou no Rio de Janeiro e pelas festas que proporcionou nos anos 50. Foi um dos grandes construtores do bairro de Copacabana.
Venezuelano, mudou-se para o Brasil, trabalhou com a importação de gasolina e tentou se engatar nas concessões de refinarias no governo Dutra. Foi derrotado pela maior influência dos grupos cariocas já estabelecidos.
Nos anos seguintes, foi um dos financiadores da campanha do general Estillac Leal para a presidência do Clube Militar, em torno da bandeira do monopólio estatal. Torna-se amigo de Leonel Brizola, defensor de Jango.
Provavelmente graças ao fato de ser bom cliente dos jornais, com seus anúncios imobiliários, tinha uma coluna no Correio da Manhã, cujo ghost writer era o grande Franklin de Oliveira.
Tentou adquirir o jornal “A Noite” para fortalecer a imprensa pró-Jango. Foi atropelado pelo pessoal do IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) que, em vez de comprar o jornal, comprou sua opinião por Cr$ 5 milhões. A CPI que investigou a transação teve como integrante o deputado Ruben Paiva.
Por sua atuação, Vahlis sofreu ataques de toda ordem. Contra ele, levantaram a história de que teria feito uma naturalização ilegal. Em 1961 foi preso e jogado nu em uma cela de cadeia,  em pleno inverno, a ponto do detetive que o prendeu temer por sua vida.
Como era possível a perseguição implacável dos IPMs (Inquéritos Policial Militares), de delegados e dos Ministérios Públicos estaduais, contra aliados do próprio governo?
Esse mesmo fenômeno observou-se nos últimos anos, com os abusos cometidos no julgamento da AP 470, envolvendo não um ou dois Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), mas cinco, seis deles, endossando arbitrariedades que escandalizaram juristas conservadores.

O mercado de opinião

Para tentar entender o fenômeno, andei trabalhando em um estudo que pretendo apresentar no evento “50 anos da ditadura”, que ocorrerá a partir da semana que vem no Recife.
Aqui, um pequeno quadro esquemático que explica porque 2014 é tão semelhante a 1964 – embora torçamos por um desfecho diferente.

O Carnaval do cocoruto

cocoruto1
Dali, dava pra ver o cocuruto de todo mundo. Beleza. Era só esperar e mirar direitinho, no momento certo. Eu manjava do negócio. A manha era calcular a velocidade do escarro, atrasar a queda do cuspe segurando com aquela parte da baba que é mais grossa e fica presa na boca enquanto a gente quer. Daí era soltar meu míssil bem no topo da cabeça dos otários que passassem lá embaixo. Lance de mestre.
Sou o ninja do cuspe, o Messi da escarrada. E o cororuto dos meus colegas é a goleira.
Meu campo de ataque é aquela sacada pra dentro do salão do clube, que adulto chama de mezanino. Eles têm cada palavra difícil…
Pena que os nerds, fantasiados de super-heróis, tavam bem longe, juntos num grupinho, fingindo que não se importavam com o bailinho de carnaval da escola. Eles faziam de conta que era mais divertido ficar encostados na parede, contando piadas sem graça. Se estivessem mais perto, levavam cusparada também. Inclusive o Bucho, aquele traíra. Eram todos losers, não tinham coragem de chegar nas minas.
Uma coisa necessária de falar é que eu não tenho medo de chegar em mina, ok? O problema é que a única menina que eu planejava pegar naquela festinha tava de mãos dadas outro. A Nêssa é a mulher da minha vida, cara. Só tá faltando ela saber disso. Por enquanto, ela prefere o otário do Josias, que tava fantasiado de Naruto.
O bosta do Josias era meu alvo principal. Uma hora ou outra, ele ia chegar perto de mim, só que lá embaixo, porque o casalzinho pulava por todo lado no salão.
Aí ele ia ver. Bem no cocuruto.
Pera! Lá vinha o Tavinho, fantasiado de vampiro, dançando com aquela namorada dele da sétima série, fantasiada de princesa. Se tinha algum culpado por aquela festa de panaca, era o Tavinho.
Foi o pai dele quem convenceu os outros velhos a fazerem aquele baile de carnaval no fim de semana antes do feriadão, aproveitando que as aulas tinham começado no meio de fevereiro. Já notaram que as aulas tão começando cada vez mais cedo? Daqui uns anos, vão começar dia 25 de dezembro. Saco.
O pai do Tavinho era um psicólogo famoso, aparecia na TV às vezes e gostava de posar de importantão. Ele levou na conversa os outros pais durante uma reunião na escola, disse que era “para promover a integração” dos colegas “por meio de um festejo da cultura brasileira”. Papo furado. Sei o que ele falou porque minha tia, que cuida de mim, chegou em casa reclamando e arremedando o pai do Tavinho.
“Não vou comprar fantasia nenhuma, viu? Se vira!”, minha tia gritou pra mim, irritada com aquela cara de que ia me bater, como se eu tivesse culpa do baile. Uma escrota.

Lá vem a Rússia

Na época de reunificação da Alemanha, fato contra o qual se bateu, Margaret Thatcher deixou escapar um desabafo numa reunião de líderes mundiais: “Lá vêm os alemães.”

Pois é.

Lá vêm os russos, como o caso da Crimeia mostra claramente.

Uns gostam dos russos, outros detestam, alguns ignoram, mas o que é claro que o mundo precisa de um anteparo ao poder unilateral dos Estados Unidos.

É uma necessidade, um imperativo geopolítico.

O que se viu depois da desintegração da União Soviética foi uma única superpotência abusar da paciência do mundo.

A Guerra do Iraque – feita com premissas mentirosas e não questionadas – é o maior exemplo disso, e está longe de ser o único.

Na Era da Informação, ficou difícil para os americanos sustentar a pose de campeões da liberdade. Não existe um único caso de um país que você possa dizer que melhorou depois de uma intervenção militar americana.

No mundo menos imperfeito, você não precisaria de contraponto aos Estados Unidos, mas este mundo em que vivemos é absurdamente imperfeito.

É admissível que o horror do Iraque não tivesse ocorrido com uma Rússia forte freando a agressividade destruidora dos Estados Unidos.

Putin, aparentemente, entende que a obra de sua vida é devolver grandeza global à Rússia. Haverá nisso mais ganho que perda, embora a Rússia não seja a Madre Teresa de Calcutá.

A Rússia tem a única coisa que os Estados Unidos verdadeiramente respeitam nas relações internacionais: bombas. Muitas bombas. São armas capazes de destruir várias vezes os Estados Unidos.

O outro possível contraponto ao poder americano, a China, tem uma economia fabulosa, mas sem armas acaba tendo escasso poder intimidatório para Washington.

Devemos ler com algum cuidado o noticiário nacional e internacional sobre a Rússia e Putin, pois a tendência é demonizar ambos.

Mas uma coisa é certa: com todos os defeitos da Rússia, é melhor um mundo com ela do que um mundo sem ela – ao menos enquanto os Estados Unidos estiverem tão dispostos a fazer uso de seus armamentos.

Sobre o Autor

O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

AP 470 - começar de novo

Se o Supremo Tribunal Federal pretende recuperar sua respeitabilidade, só há uma saída: refazer, do começo ao fim, o julgamento do chamado mensalão petista. A admissão, pelo presidente do STF, de que penas foram aumentadas artificialmente em prejuízo dos réus fez transbordar o copo de irregularidades da Ação Penal 470.

Relembrando algumas: a obrigatoriedade de foro privilegiado para acusados com direito a percorrer várias instâncias da Justiça; a adoção do princípio de que todos são culpados até prova em contrário, cerne da teoria do "domínio do fato"; o fatiamento de sentenças conforme conveniências da relatoria. E, talvez a mais espantosa das ilegalidades, a ocultação deliberada de investigações.

A jabuticaba jurídica tem nome e número: inquérito 2474, conduzido paralelamente à investigação que originou a AP 470.

Não é um documento qualquer. Por intermédio dos 78 volumes do inquérito 2474, repleto de laudos oficiais e baseado em investigações da Polícia Federal, réus poderiam rebater argumentos decisivos para sua condenação.

A negativa do acesso ao inquérito foi justificada da seguinte forma: "razões de ordem prática demonstram que a manutenção, nos presente autos, das diligências relativas à continuidade das investigações [...], em relação aos fatos não constantes da denúncia oferecida, pode gerar confusão e ser prejudicial ao regular desenvolvimento das investigações." O autor do despacho, de outubro de 2006, foi ele mesmo, Joaquim Barbosa.

Imagine a situação: o sujeito é acusado de homicídio, o julgamento do réu começa e, durante os trabalhos da corte, antes mesmo de qualquer decisão do júri, a suposta vítima aparece vivinha da silva. "Ah, mas outra investigação afirma que ele estava morto", argumenta o promotor. "Isto vai criar confusão". O julgamento continua. O vivo respira, mas nos autos está morto. E o réu, que não matou ninguém, é condenado por assassinato.

O paralelo parece absurdo, mas absurdo é o que fez o STF. A existência do inquérito 2474 tornou-se pública em 2012, em reportagem desta Folha sobre o caso de um executivo do Banco do Brasil, Cláudio de Castro Vasconcelos.

A conexão com a AP 470 era evidente, pois focava o mesmo Visanet apontado como irrigador do mensalão. O processo havia sido aberto seis anos antes, em 2006, portanto em tempo mais do que hábil para ser examinado.

Nenhum desses fatos é propriamente novidade. Eles ressurgiram em janeiro deste ano, quando o ministro Ricardo Lewandovski liberou a papelada aos advogados de Henrique Pizzolato. Estranhamente, ou convenientemente, o assunto passou quase despercebido.

É hora de acender a luz. O comportamento ao mesmo tempo espalhafatoso e indecoroso do presidente do STF tende a concentrar as atenções no desfecho da AP 470. Neste momento, por razões diversas, pode ser confortável jogar nas costas de Joaquim Barbosa o ônus, ou o bônus, do julgamento. É claro que seu papel é inapagável, mas ele tem razão ao lembrar que o fundamental foi decidido em plenário.

No final das contas, há gente condenada e presa num processo que tem tudo para ser contestado. O país continua sem saber realmente se houve e, se houve, o que foi realmente o chamado mensalão.

Conformar-se, ou não, com o veredicto da inexistência de formação de quadrilha é muito pouco diante das excentricidades jurídicas, para dizer o menos, que cercaram o julgamento e têm orientado a execução das penas.

Embora desperte curiosidade justificada, o que menos importa é o futuro de Barbosa. Quem está na berlinda é o STF como um todo: importa saber se o país possui uma instância jurídica com credibilidade para fazer valer suas decisões.

Ricardo Melo, 58, é jornalista. Na Folha, foi editor de 'Opinião', editor da 'Primeira Página', editor-adjunto de 'Mundo', secretário-assistente de Redação e produtor-executivo do 'TV Folha', entre outras funções. Também foi chefe de Redação do SBT (Sistema Brasileiro de Televisão), editor-chefe do 'Diário de S. Paulo', do 'Jornal da Band' e do 'Jornal da Globo'. Na juventude, foi um dos principais dirigentes do movimento estudantil 'Liberdade e Luta' ('Libelu'), de orientação trotskista.

AP 470 - começar de novo

Se o Supremo Tribunal Federal pretende recuperar sua respeitabilidade, só há uma saída: refazer, do começo ao fim, o julgamento do chamado mensalão petista. A admissão, pelo presidente do STF, de que penas foram aumentadas artificialmente em prejuízo dos réus fez transbordar o copo de irregularidades da Ação Penal 470.

Relembrando algumas: a obrigatoriedade de foro privilegiado para acusados com direito a percorrer várias instâncias da Justiça; a adoção do princípio de que todos são culpados até prova em contrário, cerne da teoria do "domínio do fato"; o fatiamento de sentenças conforme conveniências da relatoria. E, talvez a mais espantosa das ilegalidades, a ocultação deliberada de investigações.

A jabuticaba jurídica tem nome e número: inquérito 2474, conduzido paralelamente à investigação que originou a AP 470.

Não é um documento qualquer. Por intermédio dos 78 volumes do inquérito 2474, repleto de laudos oficiais e baseado em investigações da Polícia Federal, réus poderiam rebater argumentos decisivos para sua condenação.

A negativa do acesso ao inquérito foi justificada da seguinte forma: "razões de ordem prática demonstram que a manutenção, nos presente autos, das diligências relativas à continuidade das investigações [...], em relação aos fatos não constantes da denúncia oferecida, pode gerar confusão e ser prejudicial ao regular desenvolvimento das investigações." O autor do despacho, de outubro de 2006, foi ele mesmo, Joaquim Barbosa.

Imagine a situação: o sujeito é acusado de homicídio, o julgamento do réu começa e, durante os trabalhos da corte, antes mesmo de qualquer decisão do júri, a suposta vítima aparece vivinha da silva. "Ah, mas outra investigação afirma que ele estava morto", argumenta o promotor. "Isto vai criar confusão". O julgamento continua. O vivo respira, mas nos autos está morto. E o réu, que não matou ninguém, é condenado por assassinato.

O paralelo parece absurdo, mas absurdo é o que fez o STF. A existência do inquérito 2474 tornou-se pública em 2012, em reportagem desta Folha sobre o caso de um executivo do Banco do Brasil, Cláudio de Castro Vasconcelos.

A conexão com a AP 470 era evidente, pois focava o mesmo Visanet apontado como irrigador do mensalão. O processo havia sido aberto seis anos antes, em 2006, portanto em tempo mais do que hábil para ser examinado.

Nenhum desses fatos é propriamente novidade. Eles ressurgiram em janeiro deste ano, quando o ministro Ricardo Lewandovski liberou a papelada aos advogados de Henrique Pizzolato. Estranhamente, ou convenientemente, o assunto passou quase despercebido.

É hora de acender a luz. O comportamento ao mesmo tempo espalhafatoso e indecoroso do presidente do STF tende a concentrar as atenções no desfecho da AP 470. Neste momento, por razões diversas, pode ser confortável jogar nas costas de Joaquim Barbosa o ônus, ou o bônus, do julgamento. É claro que seu papel é inapagável, mas ele tem razão ao lembrar que o fundamental foi decidido em plenário.

No final das contas, há gente condenada e presa num processo que tem tudo para ser contestado. O país continua sem saber realmente se houve e, se houve, o que foi realmente o chamado mensalão.

Conformar-se, ou não, com o veredicto da inexistência de formação de quadrilha é muito pouco diante das excentricidades jurídicas, para dizer o menos, que cercaram o julgamento e têm orientado a execução das penas.

Embora desperte curiosidade justificada, o que menos importa é o futuro de Barbosa. Quem está na berlinda é o STF como um todo: importa saber se o país possui uma instância jurídica com credibilidade para fazer valer suas decisões.

Ricardo Melo, 58, é jornalista. Na Folha, foi editor de 'Opinião', editor da 'Primeira Página', editor-adjunto de 'Mundo', secretário-assistente de Redação e produtor-executivo do 'TV Folha', entre outras funções. Também foi chefe de Redação do SBT (Sistema Brasileiro de Televisão), editor-chefe do 'Diário de S. Paulo', do 'Jornal da Band' e do 'Jornal da Globo'. Na juventude, foi um dos principais dirigentes do movimento estudantil 'Liberdade e Luta' ('Libelu'), de orientação trotskista.

Meu coração bate assim

Lu
Tu
Te
Amo

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Tu
Te
Amo