O 'fascismo do bem'
Imaginem a seguinte cena:
em campanha eleitoral, o deputado Jair Bolsonaro está no estúdio de uma emissora de televisão na cidade de Pelotas. Enquanto espera a vez de entrar no ar, ajeita a gravata de um amigo. Eles não sabem que estão sendo filmados. Bolsonaro diz: "Pelotas é um pólo exportador, não é? Pólo exportador de veados..." E ri.
A cena existiu, mas com outros personagens. O autor da piada boçal foi Lula, e o amigo da gravata torta, Fernando Marroni, ex-prefeito de Pelotas. Agora, imaginem a gritaria dos linchadores "do bem", da patrulha dos "progressistas", da turma dos que recortam a liberdade em nome de outro mundo possível... Mas era Lula!
Então muita gente o defendeu para negar munição à direita. Assim estamos: não importa o que se pensa, o que se diz e o que se faz, mas quem pensa, quem diz e quem faz. Décadas de ditaduras e governos autoritários atrasaram o enraizamento de uma genuína cultura de liberdade e democracia entre nós.
Nosso apego à liberdade e à democracia e nosso entendimento sobre o que significam liberdade e democracia são duramente postos à prova quando nos deparamos com a intolerância. Nossa capacidade de tolerar os intolerantes é que dá a medida do nosso comprometimento para valer com a liberdade e a democracia.
Linchar Bolsonaro é fácil. Ele é um símbolo, uma síntese do mal e do feio. É um Judas para ser malhado. Difícil é, discordando radicalmente de cada palavra dele, defender seu direito de pensar e de dizer as maiores barbaridades.
A patrulha estridente do politicamente correto é opressiva, autoritária, antidemocrática. Em nome da liberdade, da igualdade e da tolerância, recorta a liberdade, afirma a desigualdade e incita a intolerância. Bolsonaro é contra cotas raciais, o projeto de lei da homofobia, a união civil de homossexuais e a adoção de crianças por casais gays.
Ora, sou a favor de tudo isso - e para defender meu direito de ser a favor é que defendo o direito dele de ser contra. Porque se o direito de ser contra for negado a Bolsonaro hoje, o direito de ser a favor pode ser negado a mim amanhã de acordo com a ideologia dos que estiverem no poder.
Se minha reação a Bolsonaro for igual e contrária à dele me torno igual a ele - eu, um intolerante "do bem"; ele, um intolerante "do mal". Dois intolerantes, no fim das contas. Quanto mais intolerante for Bolsonaro, mais tolerante devo ser, porque penso o contrário dele, mas também quero ser o contrário dele.
O mais curioso é que muitos dos líderes do "Cassa e cala Bolsonaro" se insurgiram contra a censura, a falta de liberdade e de democracia durante o regime militar. Nós que sentimos na pele a mão pesada da opressão não deveríamos ser os mais convictamente libertários? Ou processar, cassar, calar em nome do “bem” pode?
Quando Lula apontou os "louros de olhos azuis" como responsáveis pela crise econômica mundial não estava manifestando um preconceito? Sempre que se associam malfeitorias a um grupo a partir de suas características físicas, de cor ou de origem, é claro que se está disseminando preconceito, racismo, xenofobia.
Bolsonaro deve ser criticado tanto quanto qualquer um que pense e diga o contrário dele. Se alguém ou algum grupo sentir-se ofendido, que o processe por injúria, calúnia, difamação. E que peça na justiça indenização por danos morais. Foi o que fizeram contra mim o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Mas daí a querer cassar o mandato de Bolsonaro vai uma grande distância.
Se a questão for de falta de decoro, sugiro revermos nossa capacidade seletiva de tolerância. Falta de decoro maior é roubar, corromper ou dilapidar o patrimônio público. No entanto, somos um dos povos mais tolerantes com ladrões e corruptos. Preferimos exercitar nossa intolerância contra quem pensa e diz coisas execráveis.
E tudo em nome da liberdade e da democracia...
Sua comparação é infeliz. Uma coisa é um homem público ser gravado sem saber contando uma infeliz tentativa de piada sobre gays. Outra é um homem público dizer ligar os negros à promiscuidade e agredir verbalmente os homossexuais.
ResponderExcluirAntes "lula nao sabia"
ResponderExcluirAgora, "lula brincou"
Ele tem que comecar a responder por seus atos.
E quando falou em "culpa dos loiros de olhos azuis", na frente de outros chefes de Estado, estava fazendo o que?
Essa genta... e' daquelas que quando o filho e' punido pelo professor vai `a escola tirar satisfacoes com ele.
No meu tempo o castigo era aplicado em dobro. Na escola e em casa.
Eis a diferenca.
Minha familia nunca apoiou bandidagens.
Parabéns, A esquerda esqueceu Voltaire: "Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até o fim o direito de o dizeres"...
ResponderExcluirNão concordo com o pensamento bolsonariano, mas ele disse o que muita gente pensa e não tem coragem de dizer.
ResponderExcluirSempre discordei do estilo do Bolsonaro, mas é direito dele expressar o que pensa. Asssim como é legítima a gritaria dos que se julgam atingidos pelo que disse o Deputado. Isso faz parte da democracia.
ResponderExcluirAgora, cá pra nós, classificar o que ele disse de racismo, é confundir as nádegas com o fundilho das calças.
Lula ofendeu não só uma cidade, mas um estado inteiro e ficou por isso mesmo. Algum fascista do mal ousou levantar-se contra a intolerância do então Presidente da República?
Para os fascistas do bem, a Constituição e as leis em geral existem para serem aplicadas aos outros. Para eles, tudo pode. Basta fazer um passeio entre os comentários deste post para chegar-se a essa conclusão.
Parabéns pela seu texto, Noblat. A gritaria dos ofendidos
também é legítima, por mais hilariante que seja. Faz parte da democracia.
A manifestação do Bolsonaro contra os homossexuais é tão descabida quanto a propagando que a turma ora no poder faz do homossexualismo para ganhar votos.
ResponderExcluirPois é,
ResponderExcluirQuando a ministra da Igualdade Racial de Lula, Matilde Ribeiro(acho que é esse o nome dela) disse, com todas as letras a seguinte frase: "Não vejo crime em o negro se insurgir contra os brancos...." ficou por isso mesmo.
Lula - que em matéria de escândalo em seu governo dizia que não sabia de nada e que quando discrimina homossexuais é apenas uma piadinha - não tomou nenhuma atitude contra sua ministra.
Mas, ora, negro se insurgir contra branco; Pelotas exportar ve... ou crises financeiras serem culpa de gente loiras de olhos azuis pode. Sendo dita ou defendita pela turma do pt, não é preconceito e muito menos crime.