O verdadeiro palanque de Dilma Rousseff

Gilson Caroni Filho

Se na vida pessoal é importante parar para refletir como estamos nos relacionando com nossas ambições e quais são as reais motivações que nos movem, na vida política é preciso atentar para os torneios lingüísticos cheios de subentendidos da oposição brasileira. Nos dois casos, os jogos de aparência não costumam resistir por muito tempo. 

Buscar conhecer bem os percalços, intimidades e armadilhas de discursos que, de tão repetidos, se incorporaram à rotina da pequena política, nos leva a enxergar melhor como a sabotagem institucional é, desde sempre, imperativo de sobrevivência da direita brasileira. 

Quando dirigentes do PSDB e do DEMO anunciam que entrarão com consulta no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ”pedindo que sejam estabelecidos limites para a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em atos políticos junto com a ministra Dilma Rousseff", o motivo não é, como alegam, indignação com campanha antecipada ou uso de máquina pública em favor de uma provável candidatura governista. A questão é mais prosaica e revela apenas o pânico que vai na alma das elites oligárquicas.

Os verdadeiros ”palanques" da ministra não são montados em encontros com prefeitos ou em inaugurações de obras do Plano de Aceleração do Crescimento ( PAC). Com tábuas e ferragens de boa qualidade, suas estruturas não comportam madeiras apodrecidas que podem ameaçar a estrutura. É um serviço de palco com indubitável qualidade de material como demonstra o estudo do professor Marcelo Cortes Neri, intitulado “Crônica de uma crise anunciada – choques externos e a nova classe média”.

Impressiona saber como na mais grave crise do capitalismo internacional, a economia brasileira mantém dinamismo, assegurando, através do Bolsa Família e outros programas sociais, renda aos mais pobres e um invejável quadro de mobilidade social.

Sobre o PAC, Neri é categórico: ”é um plano que talvez não fizesse muito sentido quando ele foi lançado como um plano de aceleração do crescimento, porque a economia estava muito aquecida, e hoje em dia é visto quase como um New Deal americano numa época em que comparações com a grande depressão americana começam a se tornar mais comuns. Então, é meio como se o Brasil criasse um New Deal antes que a depressão fosse anunciada. Aqueles que acham que o Brasil estava com sorte, alguns anos atrás , que sorte temos agora, porque é como se tivéssemos um bilhete de loteria, um seguro que não sabíamos que tínhamos (...)”.

Quadro muito distinto do que vimos nos oito anos do consórcio PSDB/PFL. A política econômica produzia desemprego e subemprego em massa. Salários irrisórios não permitiam que as famílias pudessem ter uma vida decente. Ajoelhado diante dos interesses predominantes do capitalismo central, o bloco de poder aceitava de bom grado um ajustamento passivo às exigências do credo neoliberal. Via com bons olhos a liquidação de boa parte da indústria nacional e incentivava um processo de desnacionalização crescente. Esse era o palanque de Serra, em 2002.

A partir da eleição de Lula, a estratégia de desenvolvimento econômico e social teve outro norte: reorientação dos recursos produtivos para satisfazer as necessidades de um amplo exército de excluídos; uma política de redistribuição de rendas e da riqueza, baseada na elevação do patamar de salários e em projetos nas áreas de educação, saúde, habitação, transporte e meio ambiente que, simultaneamente, melhoraram as condições de vida, proporcionando emprego à população.

Acrescente-se, ainda, políticas industriais e tecnológicas voltadas para a reestruturação do parque produtivo brasileiro, respondendo aos desafios impostos pela conjuntura internacional e às exigências de um sólido mercado doméstico. Apesar de concessões ao agronegócio, não se descuidou de uma política agrícola voltada para o mercado interno.

Dialogando com movimentos sociais, foi rompida a tradição brasileira de definição e encaminhamento das questões políticas de forma elitista, autoritária e paternalista. Os partidos políticos de cunho progressista puderam, como instâncias de mediação de interesses conflitantes, apresentar projetos globais de desenvolvimento social.

Seria interessante perguntar a alguns ministros do STF em que governo o Poder Judiciário gozou de tanta autonomia como neste? Quando, na nossa rala história republicana, o Executivo foi tão pouco prepotente face ao Judiciário e ao Legislativo?

O verdadeiro ”palanque" de Dilma Rousseff tem, portando, dimensão e legitimidade para abrigar muita gente. Pode ser vistoriado por todos os ângulos. No campo dos direitos eleitorais expressa a supressão de todos os obstáculos ao pleno exercício da cidadania. Não cabem recursos de afogadilho. Muito menos petições de uma ética de algibeira.


Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Observatório da Imprensa.


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