A crise no Senado é uma corrida entre fatos assombrosos numa raia e explicações assombrosas na outra. Difícil é saber quem vai ganhar. Você achava que já tinha visto de tudo? Pois a profusão de atos secretos (esqueci, eles não são secretos: só não foram divulgados) para nomear apaniguados é a prova de que mesmo os mais veteranos no jornalismo sempre têm algo inteiramente novo para descobrir.
Se os fatos levam a vantagem da materialidade, as explicações têm o charme do humorismo.
O senador José Sarney (PMDB-AP), por exemplo, nunca soube que determinadas decisões não eram publicadas. Não ficou sabendo nem quando foi para nomear ou demitir pessoas próximas dele. Próximas mesmo. Tem muita gente distraída em volta do presidente Sarney, inclusive ele próprio. Ou talvez falte a Sarney experiência administrativa.
Quem já andou pelo serviço público sabe a importância dada à publicação de nomeações e demissões. Mas a turma de Sarney, pelo jeito, não estava nem aí para essas bobagens.
Até porque os servidores decidiam tudo por conta própria. Você é um graduado funcionário do Senado Federal e cai na sua mesa um ofício nomeando Fulano, ligado ao senador Sicrano, para um cargo. Por que importunar o senador com questiúnculas? Você mesmo decide se publica ou não, se manda para a gráfica ou se guarda na gaveta.
E o incrível é que nunca nenhum senador reclamou de não ter visto publicados atos do interesse dele!
Isso mesmo. Foram mais de seiscentas medidas ocultadas, mas não se conhece um único caso de senador que na época tenha se preocupado com o porquê da não publicação. Contem outra. Senadores e deputados costumam acompanhar essas coisas (nomeações, demissões) com lupa. É uma parte vital da função política, pois funciona como medida de poder. Mas aqui foi diferente. Ninguém quis saber. Será?
É graças a essas (e outras) que não cola tentar limitar a crise do Senado à esfera administrativa. O problema não é administrativo. É político. Convém aos senadores a versão de que eles, distraídos, não perceberam a bagunça que rolava nos subterrâneos da Casa. Só que a versão fica frágil quando se olha para um ato secreto e se nota nele a marca do interesse de sua excelência.
Daí que deva ser vista com reserva a proposta do PT e do PSDB de instalar uma comissão de “alto nível” para conduzir as providências gerenciais no Senado. Aliás, está na hora de descartar essa separação entre políticos de diferentes níveis. Todas as figuras senatoriais metidas na confusão são titulares, detentores de sólida carreira política e acostumados a receber belas votações.
Tem muito suplente no Senado? Tem. Mas eles não mandam. Chega de fazer o suplente de boi de piranha. Enquanto ele é roído pelos jornalistas, a boiada dos espertos titulares atravessa sorridente sem ser importunada.
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