Descendo na banguela

Qual é a lógica de indexar todas as aposentadorias e benefícios da Previdência Social ao reajuste do salário mínimo? Como o nome diz, o mínimo é um salário relativamente pequeno. Deve portanto ser objeto de políticas agressivas de recomposição e aumentos reais. Em teoria, pode-se defender que as aposentadorias muito baixas recebam também um tratamento especial. Mas todas? Qual é o sentido?

Os aposentados naturalmente defendem a indexação em linha. Estão no direito deles. Mas, e o governo? Este parece novamente contar em último caso com o patriotismo da oposição. Com honrosas exceções, é flagrante o pânico governista diante do desgaste de impor uma posição antipopular. Daí que o Palácio do Planalto prefira repassar o ônus aos senhores parlamentares. Que preferem um veto presidencial. Óbvio. Coisa de que Luiz Inácio Lula da Silva não quer nem saber. Mais óbvio ainda.

Como a popularidade do presidente é o maior ativo do situacionismo, vão de novo suas excelências congressuais para o sacrifício. Cést la vie. E segue o Congresso Nacional na dança maluca, desde que as medidas provisórias pararam de bloquear a pauta: 1) o governo finge que não é governo, 2) a oposição oscila entre o impulso do “quanto pior, melhor” e o medo de — se ganhar a eleição — receber um abacaxi e tanto lá na frente e 3) o Tesouro, tadinho, fica sem ter quem o defenda.

Discussão séria sobre a Previdência Social? Esqueçam. Pelo menos nestas vésperas de eleição. O governo tem suas razões para fugir do debate como o diabo da cruz. Qualquer passo “construtivo” seria tragado na voragem da luta política. E o estado gelatinoso da base governista — ao menos em pontos doutrinários — não dá margem de segurança para passar o trator.

Um dia o Brasil precisará voltar ao tema. Talvez já no próximo quadriênio. O desenho da Previdência brasileira nada tem a ver com a atual realidade. Dado o aumento exponencial da expectativa de vida, daqui a pouco chegaremos a uma situação em que o sujeito ficará aposentado o mesmo tanto de anos que passou trabalhando. E com uma vantagem: se vingarem as pressões por reajustes em linha vinculados ao salário mínimo, os vencimentos vão convergir para o que ganha o trabalhador da ativa.

É bom? Ótimo, desde que se saiba quem vai pagar a conta. Porque entra governo, sai governo e uma coisa não muda: os políticos enxergam o Tesouro como uma fonte inesgotável de maná, um saco sem fundo de bondades. Daí que, ciclicamente, o governante que dá azar de ser eleito na hora “errada” precise fazer um ajuste daqueles, enfrentando o desgaste alimentado exatamente pelos que criaram o problema.

Solução à vista? Estrutural? Esqueçam. Bem na hora que o Congresso Nacional redescobriu seu poder e o governo só quer saber da sucessão? Quem vier depois que fique com o mico. E que pague a conta. Até lá, o caminhão continuará a descer a ladeira na banguela.

2 comentários:

  1. Essa proposta é uma irresponsabilidade tucana. Querem ver o circo pegar fogo.

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  2. Complementando o comentário anterior: o Governo está recompondo os proventos dos aposentados, sim, mas de maneira gradual. Do contrário, haveria uma quebra de caixa, que é o que os demo-tucanos parecem querer.

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