Naiana Oscar, – O Estado de S.Paulo
Aos 12 anos de idade, Rubens vendeu uma vaca, presente do pai, e investiu o dinheiro em dólar e ouro. Aos 19, estagiário de engenharia numa construtora de Belo Horizonte, descia o carro na banguela para economizar gasolina. Aos 23, apostou com o chefe um jantar à base de camarão se conseguisse construir uma casa a um custo abaixo do estimado. O imóvel está lá, na Rua dos Maçaricos, zona norte da capital mineira, como pedra fundamental do que é hoje a MRV – maior construtora do País voltada para a baixa renda e também a que mais fatura com o programa Minha Casa, Minha Vida do governo federal, segundo dados de mercado.
O jeito austero com que Rubens Menin, de 54 anos, tratou suas contas desde a infância está impresso na empresa criada em 1979, em sociedade com dois primos. “Somos espartanos”, gosta de dizer. Cortar custos é a alma do seu negócio. Foi assim que ele fez da MRV uma máquina de construir ? na semana passada, com valor de mercado de R$ 5,7 bilhões. Ela disputa com a PDG Realty o posto de segunda empresa imobiliária mais valiosa da Bovespa, atrás da Cyrela.
No ano passado, a MRV produziu 13 mil casas e apartamentos e vendeu 23 mil, faturando R$ 2,8 bilhões. No prazo máximo de cinco anos, Rubens quer tornar a MRV um fenômeno mundial, com uma média de 70 mil unidades construídas por ano. A mexicana Homex, hoje a que mais constrói, coloca em pé 53 mil casas. No Brasil, só a Encol, que foi a maior do País e faliu em 1997, chegou tão perto. “É um objetivo ousado, mas não chega a ser impróprio, desde que haja escala”, diz o professor de Real Estate da USP, João da Rocha Lima Jr.
Isso significa instituir uma produção em série na companhia, coisa que a MRV já faz, mas precisa aperfeiçoar. Originalidade não é uma palavra que se costuma pronunciar nos corredores da empresa, nos canteiros e nos plantões de venda. Menin se orgulha disso. Abre um sorriso quando avista a fachada padrão de seus imóveis. “Reconhece?”, costuma perguntar. “É nosso.” Todos os apartamentos são iguais nas 75 cidades onde está presente. O piso salmão da sala é o mesmo em São Paulo e em Porto Alegre. As 135 mil janelas encomendadas para este ano não diferem em nada umas das outras. Para ter escala, a MRV tenta aumentar ao máximo o número de unidades por canteiro de obra, sem ter de multiplicar o número de empreendimentos.
As novas metas de Menin começaram a ser delineadas em um fim de tarde de dezembro de 2008. “A Dilma está no telefone e quer falar com o senhor”, avisou a secretária. Era a Rousseff, convidando-o para uma reunião em Brasília. Além dele, outros seis empresários da construção se sentaram à mesa para discutir o programa. O plano chegou meio torto: as construtoras teriam participação secundária e dependeriam das terras do poder público para construir. As empresas ajudaram a reformular o programa. “No dia do anúncio, fomos morrendo de medo para Brasília. Não sabíamos o que nos esperava”, lembra Menin. “Acabou saindo melhor do que a encomenda.” Todas as propostas das construtoras foram aceitas e o governo ainda decidiu subsidiar parte dos imóveis.
Assim que o Minha Casa, Minha Vida engrenou, a MRV refez as metas. O crescimento, estimado no início do ano em 15% em relação a 2008, foi ampliado para 50%. As vendas quase dobraram. O programa, criado para facilitar a compra de imóveis por famílias de baixa renda, caiu como uma luva para a construtora, com uma experiência de três décadas nesse segmento.
Trator. Menin, que já era uma máquina no trabalho, virou um trator. Ele viaja duas vezes por semana, num avião particular, para visitar obras, terrenos e concorrentes. O jato sai de Belo Horizonte impreterivelmente às 5h55. Quem atrasa fica para trás. “Corremos contra o pôr-do-sol porque no escuro não dá para ver obras.” Nas cidades que ele levava no máximo 1h30 para percorrer, hoje precisa de quase cinco horas, porque as paradas se multiplicaram. Há duas semanas, numa quinta-feira, Rubens esteve em São José do Rio Preto, Araçatuba, Sorocaba e Itu, no interior de São Paulo ? Estado que concentra um terço do negócio. O recorde foram 12 municípios em um dia.
Naquela quinta, de calça cáqui, sapato social, camisa Lacoste e uma bolsa preta a tiracolo, Menin esteve em 22 canteiros, 20 terrenos e em cinco concorrentes no período de 12 horas. Uma comitiva, formada por diretores regionais e corretores, esperava por ele em cada um dos destinos com um mapa da cidade e imagens de satélite dos terrenos. Menin acompanha todos os trajetos no mapa e fica aflito se não consegue identificar em que rua está passando. “Você não disse que esse terreno estava em área urbanizada, Tonhão?”, perguntou a um dos diretores e amigo de faculdade. “Isso aqui está no meio de um clarão. Não tem nada perto.”
O empresário diz que revolucionou o mercado de baixa renda ao mostrar que é possível construir condomínios baratos dentro da cidade. Por isso, o sucesso de um empreendimento depende da escolha do terreno. Todos são visitados por Menin e passam por sua aprovação. “Ele sempre quer saber se tem padaria perto”, diz um dos corretores. “Eu e o Elie Horn (da Cyrela) somos os que mais rodamos”, conta Menin. “Às vezes me ligam para dizer que ele acabou de passar por uma obra nossa. E ligam para o Elie para contar que me viram numa obra deles.”
Na visita aos canteiros, ele circula entre os operários e entra em pelo menos um imóvel do empreendimento. Depois de um tapinha nas costas do engenheiro responsável, dispara uma série de perguntas-padrão: prazo, número de funcionários, unidades concluídas, custo, nada escapa. “Essa é a sua pior obra em produtividade, não é?”, perguntou a um dos supervisores, que em resposta deu um sorriso sem graça. Na saída, Rubens sacou o gravador: “Parque Alba, 350 homens, 30 apartamentos, produtividade baixa.”
Cobrança. São até 100 gravações por viagem. Entre uma cidade e outra, Menin liga para a secretária, em Belo Horizonte, e “descarrega” o que gravou. Ela envia as mensagens para os gestores responsáveis por cada área. Na viagem que o Estado acompanhou, um dos diretores recebeu três e-mails enquanto dividia o mesmo carro que o chefe.
A cobrança por resultados é aplicada aos 18 mil funcionários. O cumprimento das metas é recompensado com bônus, prêmios, participação nos lucros e ações da empresa. Hoje, R$ 420 milhões ? 7,1% do capital ? estão nas mãos de executivos e conselheiros. Menin tem 34,6% das ações. A maioria dos executivos é formada por amigos pessoais. “O Rubão liga o tempo todo, até no fim de semana, para tratar de negócios, sugerir um vinho ou saber os resultados de um exame médico”, conta Lucas Cabaleiro, diretor de desenvolvimento imobiliário.
Desde janeiro, Cabaleiro disputa o primeiro lugar no ranking dos diretores que mais compram terreno e mais conseguem fazer permuta (oferta de imóveis como parte do pagamento). Se atingir a meta, pode ser recompensado com até 12 salários. Engenheiros que reduzem prazos e custos podem ganhar até oito. Este ano, os supervisores de obra passaram a ser motivados por um concurso próprio, com prêmios que variam de R$ 10 mil a R$ 50 mil.
O comprometimento com a redução de custos é alvo de programas específicos, com bônus próprios. Em 2008, no auge da crise, a construtora lançou a “brigada de custos”. Cada um dos diretores ficou responsável por reduzir os gastos numa área que não é a sua. A meta de Menin, por exemplo, é diminuir a conta de telefone. Fazer economia pode significar até 30% a mais na participação dos lucros no fim do ano. Desde o início da brigada, a empresa economizou R$ 42 milhões ? dinheiro suficiente para construir 800 unidades.
Em casa, nem a fatura dos cartões de crédito dos três filhos casados escapa à calculadora de Menin. “É incrível como ele consegue cuidar da empresa e das nossas despesas ao mesmo tempo”, disse a filha Maria Fernanda, 30 anos, promovida no mês passado ao cargo de diretora-jurídica da empresa. Só o filho mais novo, João Vitor, 28 anos, não está na MRV. Rafael, de 29, também foi promovido recentemente, com a reestruturação do organograma. A mudança está diretamente ligada a uma futura sucessão de Menin, mas ele não fala em aposentadoria. “Se parar, embota.” Disposição ele tem. Na viagem que o Estado acompanhou, iniciada quando o sol ainda não tinha nascido, Rubens só ameaçou o primeiro bocejo às 18h58.
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