Se o ocaso da gestão Lula fosse escrito em pauta musical, se aproximaria do allegro agitato do último movimento do Concerto para Piano em Fá, de George Gershwin.

A iminência do fechamento das cortinas leva o ainda presidente a ocupar o que lhe resta de palco em ritmo frenético.
Os derradeiros refletores iluminam uma alma cuja agitação prenuncia o nascimento de um ex-presidente inconformado com o fim do espetáculo.

Bóia na atmosfera que antecede a posse de Dilma Rousseff uma roliça interrogação: até quando Lula conseguirá ficar longe da ribalta?

Na semana passada, no programa É notícia, da Rede TV, Lula foi inquirido sobre 2014. Perguntou-se se descartava a hipótese de re-re-recandidatar-se.

E ele: "Não posso dizer que não porque sou vivo. Sou presidente de honra de um partido, sou um político nato, construí uma relação política extraordinária".

Nesta segunda (27), a cinco dias do adeus, Lula foi reinquirido sobre o tema num café da manhã com os repórteres que cobrem o Planalto. Deu meia-volta:

Declarou que trabalha com “a ideia fixa de que a nossa companheira Dilma será outra vez a candidata à Presidência da Republica do Brasil".

Em que Lula acreditar, no Lula do “talvez” ou no Lula do “não, não, absolutamente”? Na dúvida, convém ao observador fixar-se na lição primeira da política.

Sempre que Lula soar como se dissesse algo absolutamente verdadeiro, o expectador deve se dar conta de que o melhor é não acreditar nesse tipo de afirmativa.

Neste seu penúltimo encontro com os holofotes, Lula revelou-se um ator à procura de uma nova peça. A ideia de repetir o papel não parece desagradá-lo:

"Quebrei tabu porque todo mundo dizia que era difícil governar o Brasil. Não achei difícil, achei até gostoso".

Lula acha que Dilma, uma presidente de sua cota pessoal, não fará feio. Por quê? Ela está familiarizada com o enredo.

"Conhece bem o conjunto da obra que está sendo feita no Brasil, os programas, os atores...” Entre eles, “boa parte dos ministros”, com os quais trabalhou.

Sobre as críticas à qualidade da equipe de sua pupila, disse: "Presidente da República é como técnico se futebol, você convoca quem tem".

Em verdade, Dilma convocou pouca gente. No atacado, escalou os convocados de Lula. No varejo, oficializou os jogadores da várzea partidária que a cerca.

Que técnico, no domínio das faculdades mentais, levaria à seleção da Esplanada Pedro Novais, o “craque” octagenário que o PMDB indicou para o Turismo?

Quanto aos soluços inflacionários que compõem o legado que deixa para sua pupila, Lula oscilou entre o otimismo e a desconversa.

Absteve-se de comentar a possibilidade de o Banco Central elevar os juros no alvorecer do “novo” governo:

"A dosagem do remédio dá quem tiver autoridade para cuidar do paciente". Considerou aceitável a previsão de uma taxa de 5,3% para 2011:

"Se a meta [de inflação anual] é 4,5%, e você pode [admitir uma margem de] dois pontos para mais ou dois para menos, qual é o problema? Estamos na meta".

Defendeu o salário mínimo de R$ 540. As centrais sindicais reivindicam R$ 580. Lula advoga o respeito à fórmula negociada com as mesmas centrais há quatro anos.

Acertou-se que o mínimo seria corrigido anualmente pela inflação, acrescida da variação do PIB. O diabo é que, em 2009, a economia murchou.

Daí a choradeira do sindicalismo. Para Lula, “os companheiros sindicalistas” não podem desejar que o acordo só valha “quando é para ganhar mais”.

No front externo, Lula esculachou Barack Obama, o companheiro que o chamara de “o cara”. Criticou a política dos EUA para a América Latina e o Oriente Médio.

Disse ter aconselhado Obama a modificar o tratamento aos países latinos. Acha que "sempre houve uma relação de império com os países pobres".

Contabilizou em 35 milhões os latino-americanos que vivem nos EUA. A despeito disso, sob Obama "não mudou nada a visão deles para a América Latina".

Quanto ao Oriente Médio, afirmou que os EUA "são parte do conflito". Acha que não haverá avanços enquanto não forem admitidos na mesa novos atores.

Considera inconcebível, por exemplo, que os belicosos Irã e a Síria não participem das negociações de paz.

A propósito, acomodou o malogrado acordo firmado por Brasil e Turquia com o Irã no rol dos grandes feitos de sua gestão. Atribui o malogro aos EUA: “De repente...”

“...Um país do 3º Mundo, como eles sempre consideraram o Brasil, consegue do Irã o que eles nunca conseguiram. Deve ter causado certa inveja, ciumeira, sei lá o quê".

No mais, vergastou a mídia, atribuiu ao acidente da TAM relevo maior que ao mensalão, e reiterou o lero-lero de que vai “desencarnar” da presidência antes de retormar suas atividades políticas.

Reafirmou que fará um instituto e um memorial. Desencarnado, vai "retomar a atividade política, dentro e fora do PT".

Ou seja: até 2014, sua sinceridade e a paciência de Dilma serão submetidas a incontáveis testes.

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por Josias de Souza 

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