[...] madrinhas não existem
Vive-se um momento em que todo mundo parece satisfeito com o governo Dilma. As pesquisas iniciais assim indicam, tanto quanto, mais do que os números, sopra no ar uma espécie de tranqüila expectativa. Só que nada como o tempo para passar e reverter sentimentos. Cada categoria, cada classe, cada agrupamento social, político e econômico manifestam na aprovação do governo a esperança de melhoria de suas condições e a realização de seus anseios. Por isso fazem fé na presidente da República, aguardando que sua administração venha a satisfazer-lhes desejos e necessidades.
Aqui as coisas podem enrolar, primeiro por conta dessa ilusão de que tudo depende de um único fator ou de uma só pessoa. Não existem fórmulas mágicas, como também não existem mágicos. Nem fadas madrinhas.
Logo as elites financeiras darão demonstrações de que aguardavam mais, já que a prometida desoneração das folhas de pagamento das empresas continua na gaveta, além de crescerem as suposições a respeito da maior taxação dos ganhos de capital e do aumento já praticado do Imposto de Operações Financeiras. O Custo Brasil permanece o mesmo. Se vicejar a má vontade registrada no governo a respeito do excessivo lucro nos bancos, muito do apoio do andar de cima começará a arrefecer. Em especial se a Receita Federal começar a movimentar-se em ritmo mais veloz, como já lhe foi determinado.
Passando ao oposto, o povão que Fernando Henrique repudiou espera iniciativas tão rápidas quanto profundas. O ínfimo reajuste do salário mínimo conseguiu ser ofuscado pela ilusão do aumento dos índices de emprego, mas as estatísticas não chegam à massa de miseráveis nem entram no barraco de cada um. É natural que esperem mais, tanto no dia-a-dia quanto nas políticas públicas, pois os transportes coletivos continuam um horror, o atendimento no SUS, lamentável, e, por falta de sorte, as escolas viraram campo de extermínio. O andar de baixo é egoísta, exigente e mal-agradecido. Caso não receba novas benesses, adotará no mínimo aquela postura de dar de ombros, ante-sala dos resmungos, amuos e protestos.
Entre os dois extremos, a classe média, agora cortejada por um tucano anacrônico e isolado, mas com raro potencial de reação a tudo o que se passa à sua volta. Ou não se passa. Sucessivos aumentos no custo de vida atingem o cidadão comum na moleira, tanto os que já integravam esse patamar quanto os recém-chegados, egressos do milagre-Lula. Votaram, em maioria, em Dilma Rousseff, contrariando as previsões e as esperanças do sociólogo. Não será por conta da bola-fora de FHC que poderão demonstrar frustração diante do atual governo, mas pela falta do cumprimento de promessas que não foram prometidas, ainda que imaginadas. Diminuição da carga de impostos, crédito pessoal mais fácil, juros menos abusivos, salários descongelados – tudo conduz a classe média a anseios irreais e ao vácuo capaz de ser preenchido pela desilusão.
Em suma, deve cuidar-se dona Dilma. O céu parece de brigadeiro, mas as nuvens de tempestade poderão estar em gestação no horizonte, caso nenhuma dessas três categorias básicas venha a ter seu ego inflado. E com a necessidade de não esquecer de que exageros para um dos ângulos do triângulo desagradará os outros.
Carlos Chagas
Carlos Chagas
Nenhum comentário:
Postar um comentário