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Nutrólogo Mauro Fisberg analisa o aumento da obesidade infantil e afirma que a atuação da escola é importante para combater este mal
Os brasileiros estão mais gordinhos. Nos últimos 30 anos, o índice de crianças de 5 a 9 anos acima do peso praticamente triplicou. Nos Estados Unidos, a campanha contra a obesidade infantil engajou até a primeira-dama Michelle Obama, que lançou o programa Let’s Move (Vamos nos Mexer). Lá, uma em cada três crianças está acima do peso. Aqui, pesquisa realizada em parceria entre o IBGE e o Ministério da Saúde revelou estatísticas semelhantes. Hoje, cerca de 33,5% das crianças estão com o peso acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Na década de 70, o índice era de 10,7% para os meninos e 8,6% para as meninas.
A engorda nas estatísticas está ligada a maus hábitos alimentares e, principalmente, a uma rotina cada vez mais sedentária. Professor do Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente na Unifesp, o pediatra e nutrólogo Mauro Fisberg afirma que a escola é uma das principais influências no comportamento alimentar das crianças. Na entrevista, ele explica que um bom ambiente escolar precisa oferecer alimentos adequados, ensinar atividade física, orientar e controlar a alimentação de seus alunos. Também não pode deixar de lado aqueles que já exibem sobrepeso. Tudo isso sem esquecer que o prazer de comer também faz parte do cardápio.
Carta Fundamental: A que se deve o aumento impressionante nos índices de obesidade na sociedade ocidental nas últimas décadas?
Mauro Fisberg: Primeiro, é preciso lembrar que o aumento da obesidade é universal, não apenas da civilização ocidental. No Oriente, especialmente países que tiveram influência americana ou de dominação inglesa, sofreram rapidamente um incremento de peso. Isso leva a pensar que o que mudou nos últimos 50 anos não foi só o padrão alimentar. Mudou muito mais o padrão de atividade física. Porque o ser humano é feito para ter uma alimentação abundante e rica, uma alimentação muito variável, uma vez que nós precisamos de várias fontes para conseguir todos os nutrientes. Só que fomos feitos também para gastar essa energia desde o início da vida, quando éramos caçadores ou plantadores. Posteriormente, tanto no meio rural quanto no urbano, todo mundo trabalhava de forma braçal, com alto dispêndio de energia. Nós, preparados que somos para gastar, se não gastamos, armazenamos. E é essa a equação que faz com que tenhamos um desbalanceamento da situação nos últimos anos.
CF: Quais as consequências, a longo prazo, de uma dieta mal balanceada?
MF: Algumas coisas mudam no corpo quando há deficiência nutricional. A primeira delas é a alteração no crescimento. Se eu tiver falta de proteína, carboidratos e gorduras, a chance de ter um baixo crescimento é grande. O segundo aspecto são as carências que cada um dos nutrientes pode determinar: anemia, imunidade deficiente, alterações no desenvolvimento intelectual, alterações cognitivas e retardo no desenvolvimento do aprendizado. No adulto, algumas dessas condições podem se refletir em um maior cansaço, aumento de infecções, desatenção e até mais acidentes de trabalho. Então, acaba havendo somatória de efeitos clínicos e comportamentais. E, claro, o excesso de peso, que acompanha hipertensão, diabetes, alterações, cardiovasculares, infarto, derrame e alteração nas gorduras.
CF: Estudos relacionam o aumento da obesidade com o aumento do consumo de itens congelados. Congelados fazem mal?
MF: Não acho que os congelados sejam problema. Diz-se que há uma tendência da industrialização da comida, que começou de forma maciça a partir do século XIX, e nós conseguimos nos manter sem grandes aumentos da obesidade até mais da metade do século XX. Então, teoricamente, não foi a industrialização que levou ao aumento da obesidade. Mas, com certeza, a praticidade que a industrialização gerou na comida ocasionou maior acesso a alimentos. Outra coisa que a industrialização gerou é o aumento da produção de itens mais saborosos, com maior poder de chamar consumo, como doces, guloseimas, alimentos ricos em massa ou molho. Mas não se pode dizer que a industrialização da comida foi ruim.
CF: Que sugestões o senhor dá para fazer com que as crianças gostem de alimentos mais saudáveis, como frutas e legumes?
MF: A criança aprende pelo exemplo desde o nascimento. Se a mãe amamentou pelo maior tempo possível e fez a introdução da alimentação de forma correta, já previne uma alimentação inadequada. A mudança do hábito alimentar, principalmente no primeiro ano de vida, se feita corretamente,- também é uma prevenção para os problemas alimentares. Hoje, um dos grandes problemas é a criança que não come ou que só come um determinado tipo de alimento – tão ruim quanto comer muito. Não temos como quantificar isso, mas o número de crianças que come mal talvez seja maior do que o número de crianças que come demais. E os pais são os primeiros modelos nisso.
CF: A escola é também um modelo?
MF: A escola que faz uma oferta de alimentos adequada ensina atividade física, orienta a alimentação e tem controle sobre a alimentação é um bom modelo. A partir daí, a criança vai tirando seu padrão de comportamento. Infelizmente, esse padrão é formado nos primeiros anos de vida. Então, quanto mais demorar, muito mais difícil será dar a correção.
CF: É mais difícil para um adolescente mudar o hábito alimentar?
MF: Muito mais difícil. Porque o adolescente, além de vir com hábitos inadequados, ainda sofre outras intercorrências. Ele sofre ação do grupo, dos ídolos, de formadores de opinião que nem sempre são boas opiniões. E o grupo, pode formar a ideia do vegetarianismo, de não comer determinadas coisas.
CF:O senhor vê o vegetarianismo como uma coisa negativa?
MF: Pode ser negativa e pode ser positiva. O vegetarianismo radical é um fator negativo porque existem dezenas de trabalhos que mostram que ele leva a uma série de carências nutricionais, justamente porque nascemos para ser onívoros. Um ovolactovegetariano ainda consegue ter a proteína animal de outras fontes que não a carne vermelha. Já o vegetariano radical não consegue cálcio, ferro, zinco, proteínas de boa qualidade e com isso acaba tendo alterações no crescimento e desenvolvimento.
CF: Como a escola e o professor podem ajudar quando trabalham com alunos obesos?
MF: Primeiro, evitando o bullying. A escola é essencial para corrigir desvios de comportamento do grupo. Se a escola tem comida, tem que se tentar que o ambiente alimentar seja um ambiente de educação. É preciso vigiar o que e a quantidade do que estou oferecendo,- além da forma como as crianças comem. Há escolas com merenda de excelente qualidade em que as crianças correm para o fundo da quadra e, quando a gente foi ver o que era, tinha uma janelinha por onde um vizinho vendia pastel. Durante o período escolar, precisa ter um horário adequado, condições adequadas para comer. Já vi colégios em que as crianças comem de pé, porque não há cadeiras, ou comem alimentos que são inadequados para a idade. Hoje, a maior parte dos estados tem um sistema de controle da merenda. Mas nós temos discrepâncias gigantescas e a cantina escolar ainda é um problema, porque pode ser um local de excepcional aprendizado ou uma catástrofe total. E o cantineiro não é o culpado, porque ele vende o que acha que vai ser comprado.
CF: Uma criança obesa pode praticar qualquer esporte?
MF: Depende do grau. Se ela for muito obesa, precisa de uma avaliação prévia para determinar o tipo de exercício. O que a gente não pode fazer é, só porque ela tem excesso de peso, descartá-la da atividade física, que é o que acontece muitas vezes. Cabe ao professor trabalhar com as minorias também e não com o melhor atleta.
CF: Tem algum alimento que o senhor não pode restringir, porque pode atrapalhar o crescimento da criança?
MF: Na verdade, a gente orienta para não ter restrição nenhuma. A gordura, que a gente considera vilã, tem de lembrar que nos primeiros anos de vida é importantíssima. Sem gordura você não forma células cerebrais, hormônios e reservas de energia. Açúcares e carboidratos são importantes. Tem de lembrar que prazer também faz parte da alimentação – se eu restringir tudo, só pensando no saudável, não estou fazendo nenhum trabalho adequado, porque comida também tem muita emoção. O prazer também faz parte do cardápio.
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