Os porteiros
Os porteiros de cinema da minha adolescência foram os últimos exemplos de intransigência moral da nossa história. “Proibido até 18 anos”, sinal de que no filme — invariavelmente francês ou italiano — aparecia um seio nu, com sorte até dois, era proibido até 18 e não tinha conversa. Menores de 18 anos não podiam ver um seio nu na tela, sob pena de se costumarem e saírem a reivindicar seios nus na vida real.
Entre os 13 anos, quando tive minha primeira experiência sexual digna desse nome — com começo, meio, fim e, acima de tudo, parceira —, e os 18, vi exatamente 23 seios nus, contabilizados aí dez pares completos e três avulsos vistos fortuitamente (decote descuidado, etc.) que registrei como brindes.
Eram seios reais, vivos e palpitantes, não impressos, pintados, esculpidos, projetados numa tela ou sonhados. Desses 23 devo ter tocado nuns 14 (preciso consultar minhas anotações). Mas não adiantaria usar esta argumentação com o porteiro do cinema. Sustentar que os seios da Martinne Carol não teriam nada de novo para me dizer, pois não podiam ser tão diferentes assim dos da Ivani, não colaria.
Com menos de 18 anos não entrava e pronto. Pela lei, eu não tinha idade para ver seios. Se tivesse visto algum por minha conta, não era responsabilidade do porteiro.
Já porteiro de baile era mais, por assim dizer, conversável. O truque para convencê-lo a deixar você entrar no salão do clube sem convite era escolher um argumento — por exemplo “preciso entrar e dizer pra minha irmã que nossa mãe foi pro hospital” — e insistir, insistir sempre.
Oferecer propina não adiantava e, mesmo, quem tinha dinheiro?
Uma boa história podia despertar compaixão, ou pelo menos admiração pelo seu valor literário, no porteiro. Ou então o porteiro simplesmente cedia para livrar-se da insistência do postulante. “Entra, vai.”
Existia, no meu tempo de ir a bailes, um conversador de porteiro legendário. Especialista em entrar sem pagar ou sem convite que encarava cada porteiro como um desafio à sua criatividade e poder de persuasão, e que raramente falhava. Mas às vezes encontrava um porteiro que já o conhecia de outras tentativas. Certa vez ocorreu o seguinte diálogo:
— Você de novo?
— Desta vez é sério. Eu preciso entrar.
— Não.
— É uma questão de vida ou morte.
— Não.
— Minha namorada está aí dentro. Meu maior rival, um canalha, está aí dentro. Os dois podem estar dançando juntos neste momento. Tive uma briga com a namorada e preciso dizer pra ela que me arrependo. Que podemos voltar ao que era antes. Que ela não caia na conversa do canalha.
— Fale com ela amanhã.
— Não posso. Estou com uma doença terminal. Talvez não passe desta noite. Me deixa entrar?
— Não.
— Mas eu...
— Não.
— Está bem. Tome.
E tirou do bolso um convite, que deu para o porteiro. Tinha convite, mas entrar em baile sem precisar conversar o porteiro era contra os seus princípios.
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