Vergonha nacional
No início da semana, uma notícia inusual ganhou os jornais. Quatro policiais de uma delegacia de Botafogo, no Rio, foram presos sob acusação de tortura.
Os detidos haviam espremido o pênis de um homem de 42 anos com alicate, para arrancar dele a confissão de um delito que não cometera.
Todo mundo sabe que há tortura nas delegacias e prisões brasileiras. Mas esse tipo de suplício só chocava quando as vítimas eram militantes de esquerda.
No Brasil pós-redemocratização, o torturado é tido por cidadão obsoleto, de segunda classe, degredado, exilado dentro do próprio país.
Há no Brasil dois tipos de brasileiros: nós e eles. Ambos têm pernas, braços, coração, etc.. A diferença é que eles são invisíveis. Ninguém quer vê-los.
Daí o inusitado da notícia. Brasileiro invisível ganhando súbita visibilidade não é coisa corriqueira. Nós toleramos o suplício praticado contra eles como parte do modelo.
O repórter Cássio Bruno tonifica o insólito ao recordar: quase 26 anos depois do fim da ditadura militar, a tortura insiste em sobreviver no Brasil.
Nos primeros meses deste 2011, a Pastoral Carcerária da CNBB já recebeu 25 denúncias de violências praticadas contra presos comuns.
No ano passado, a pastoral recebera 70 notificações. Entre 1997 e 2009, houve 211 denúncias de tortura praticada em cadeias e presídios brasileiros.
Pouco, muito pouco, pouquíssimo. Num país com 500 mil presos, sabe-se que a violência contra presos é regra, não exceção. Porém...
...Porém, quando praticada contra eles, a brutalidade é tolerada. Punição de torturadores? Só de raro em raro. Denunciar pra quê?
O normal é que agressores saiam impunes, admite Aldo Zaidan, coordenador-geral de Combate à Tortura da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência:
“Uma forma de reparação da tortura do passado é o combate à tortura do presente. Todo dia tem tortura no Brasil. Ela é um costume, um ato histórico bárbaro”.
O Ministério da Justiça não possui estatísticas sobre tortura. A secretaria de Zaidan tampouco coleciona dados. As ouvidorias do sistema penitenciário muito menos.
Uma corrente de omissão mantém livres os violadores de direitos. Funcionário de um governo presidido por uma ex-torturada, Zaidan ensaia uma mudança de rota:
“Estamos estruturando a rede para notificar este crime. Não existem estatísticas nem condenações”.
Aqui e aqui, detalhes levantados pelo repórter em uma semana de apuração. Na falta de punição de torturadores, os dados ao menos evidenciam o delito dos torturados.
Além de obsoletos, eles se tornaram infratores compulsivos. Cometem o crime hediondo de continuar se reproduzindo. Entulham os presídios de seres invisíveis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário