Na África pode
Alvo da desconfiança do ambientalismo quando “mãe do PAC” e, depois, candidata ao Palácio do Planalto, agora Dilma Rousseff recolhe no campo político verde um apoio conveniente em momentos de turbulência.
Nada de estranho, ou novo, em que governos e governantes flutuem ao sabor das conveniências. Belo Monte, Código Florestal. Fica o registro.
Noutra frente, o Brasil disputa a cabeça da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). O candidato é José Graziano da Silva, hoje representante da FAO para América Latina e Caribe.
Graziano é acadêmico respeitado e foi ministro do Fome Zero no começo do governo Luiz Inácio Lula da Silva.
O Fome Zero acabou virando Bolsa Família e Graziano deixou o governo, mas ninguém tira dele o papel na aceleração do combate à pobreza no Brasil.
E ninguém questiona a autoridade dele em agricultura, especialmente na modalidade familiar. Graziano tem legitimidade para desejar o cargo.
Em fevereiro deste ano Graziano publicou no jornal Valor Econômico quase uma plataforma eleitoral voltada para os africanos.
Sob o título de “África, última fronteira agrícola”, percorre as dificuldades e os potenciais da agricultura daquele continente.
Entre as dificuldades, os sempre criticados -pelo Terceiro Mundo- subsídios europeus e norteamericanos. Que rebaixam preços e bloqueiam o fluxo de renda para a periferia do sistema.
No algodão, exemplifica Graziano, os subsídios aos produtores nos Estados Unidos, uns US$ 25 bilhões desde 1995, vem comprimindo com força as cotações do produto.
“Quase 10 milhões de produtores africanos tiveram prejuízos devastadores no Benin, em Burkina Faso e no Mali", denuncia.
Se americanos e europeus removessem ao menos parcialmente os subsídios estimulariam a agricultura dos países pobres a produzir e exportar mais, com geração de renda onde é mais necessária.
Mas como preencher a demanda crescente? Graziano diz que seria também pela expansão da área plantada. “Estamos falando de um continente que utiliza apenas 14% dos 184 nilhões de hectares de terras agricultáveis de que dispõe.”
Graziano é candidato a um órgão da ONU que cuida de combater a fome. Então não vê problema quando sugere remover a vegetação nativa para dar lugar a plantações.
Mas a coisa vai além. Graziano lança o olhar ambicioso -uma ambição saudável e atruísta- para 400 milhões de hectares da savana africana, “que corta 25 países e guarda profundas semelhanças com o cerrado brasileiro”.
E conta orgulhosamente como a Embrapa “já identificou 35 projetos de cooperação em 18 países africanos e poderá aportar US$ 12,8 milhões em parcerias para transferência de variedades de cultivares, bem como de tecnologias adequadas à agricultura tropical”.
É isso mesmo que você leu. O candidato do Brasil a dirigir a FAO propõe que se amplie o mercado para a agricultura africana, e que esta ocupe agressivamente a savana/cerrado para dar conta da demanda. É a proposta dele para combater a fome e a pobreza ali.
Está tudo certinho, apenas com um detalhe. Vai completamente na contramão de como o governo brasileiro encaminha o debate do Código Florestal.
Na África a virtude oficial está em propor o avanço da agricultura sobre a savana/cerrado para produzir valor a partir do uso
agropecuário da terra. No Brasil está em evitar qualquer expansão da fronteira agrícola, em nome da luta ambiental planetária.
Aliás, cadê o Ministério do Desenvolvimento Agrário no debate sobre o código? O governo brasileiro, por conveniência, transformou o assunto em monopólio do Ministério do Meio Ambiente. O da Agricultura vem sob coação, ameaçado de corte de cabeças. E o MDA anda quieto. Talvez porque alguém mandou ficar quieto.
Se o governo brasileiro tem clarividência e coragem para defender os legítimos interesses dos países e povos da África, que use essas qualidades para guardar e proteger também os interesses do Brasil.
por Alon Feuerwerker
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