Livro traz razões para não ter filhos e pretende debater a cobrança da sociedade com relação à formação da família em torno da criança
Casados e sem filhos, Edson Fernandes, doutor em Comunicação, professor universitário e pesquisador, e Margareth Moura Lacerda, psicóloga, pedagoga e filósofa, lançaram o livro “Sem filhos por opção” (Editora nVersos). A obra discute os motivos dos casais para não ter filhos. “Nós gostamos de ler e de arte, por exemplo. O casal com filhos, muitas vezes, passa o fim de semana em programas voltados para as crianças e não para eles”, exemplifica Margareth.
Após anos tendo que explicar suas crenças a respeito da necessidade de ter filhos, ou a falta dela, Edson e Margareth resolveram mergulhar em pesquisas, dados e experiências pessoais para demonstrar que a felicidade é possível mesmo sem ser pai ou mãe. “A sociedade ainda acha que se você não tem filhos não é uma pessoa normal. Fizemos o livro justamente para dar uma resposta à sociedade de que é possível ter uma vida plena sem filhos”, afirma Edson. Leia a entrevista com os autores.
iG: Vocês afirmam que é possível ter uma vida plena e significativa sem filhos. O que isso significa para vocês?
Margareth: É você poder dar atenção aos seus objetivos. Todo mundo tem objetivos, independe de ter filhos ou não. A relação do casal também é importante. A gente pode sair ou viajar sempre que quisermos. Com filhos isso também é possível, mas sem crianças ficamos mais livres. Além disso, financeiramente você tem mais responsabilidades se você tem filhos e acaba não tendo tempo para desenvolver projetos pessoais. Você tem outras prioridades como educação e saúde dos filhos. Também gosto muito de trabalhar. Como não faço isso por necessidade, fica mais prazeroso.
Edson: A mulher percebeu que não é apenas uma procriadora e pode ter outro papel na sociedade. A sociedade ainda acha que se você não tem filhos não é uma pessoa normal. Fizemos o livro justamente para dar uma resposta à sociedade de que é possível ter uma vida plena sem filhos.
iG: É possível eleger uma razão principal para não se ter filhos ou é um conjunto de fatores?
Margareth: Carreira é uma razão. Gosto de poder trabalhar por prazer e não para subsistência apenas. Hoje, eu posso escolher um trabalho que eu goste, se tivéssemos filho não teríamos tanta escolha assim. Também acho que antigamente as pessoas tinham mais condições de ficar com seus filhos, mas hoje as mulheres chegam a trabalhar mais do que os homens. Elas não conseguem curtir as crianças.
Edson: A carreira profissional é um motivo bem contundente. Além disso, precisamos pensar na superpopulação do planeta e nos recursos escassos.
Margareth: Nós gostamos de ler e de arte, por exemplo. O casal com filhos, muitas vezes, passa o fim de semana em programas voltados para as crianças e não para eles. Não estou dizendo que são todos, mas isso é frequente. Eu faço as coisas que gosto sem nenhum impedimento. Administro o meu tempo como quero.
iG: Quais os preconceitos mais comuns que um casal que decide não ter filhos sofre?
Edson: Vivem perguntando se somos inférteis. A mulher é vista como uma ameixa seca ou um relógio que não funciona quando não quer ter filhos. As pessoas não aceitam bem.
Margareth: Muitos te acham ‘fora do padrão’ ou acreditam que seu casamento não anda bem. Outras pessoas acham que você não gosta de criança. Nós convivemos constantemente com crianças de vizinhos, amigos e familiares. Somos extremamente sociais. O fato de não ter filhos não tem nada a ver com ser um casal que socializa apenas com pessoas que não têm filhos, como nós. Também tem quem fale que somos egoístas.
iG: E vocês se consideram egoístas por não querer ter filho?
Margareth: Não defendemos que as pessoas não tenham filhos, mas acho que seria egoísta ter um filho e não cuidar dele. Se você tiver uma visão do futuro, ou mesmo do nosso presente, pode enxergar as condições de vida das crianças hoje. Não podem brincar na rua, há violência e elas nem sempre podem ter a companhia dos pais com frequência, ficando mais com babás e avós. Não posso ter um filho sem pensar no futuro dessa criança no mundo. É exatamente o contrário.
Edson: Egoísta não é ter filhos, e sim abandonar essa criança. Certo dia, fomos a um posto de saúde e vimos uma criança com a mão cortada. Ela estava lá sozinha com o RG do pai. Acreditamos que egoísmo é colocar uma criança no mundo e não saber cuidar dela.
Margareth: Acho que sim porque existe uma pressão grande, até mesmo da própria família do casal. Você precisa se posicionar e ter argumentos.
Edson: Amigos também cobram, dizem que vamos envelhecer sozinhos e não teremos ninguém para cuidar da gente. Ficar só é quando você não está com você mesmo.
Margareth: E como posso colocar alguém no mundo com a função de cuidar de mim? Não é o motivo correto.
iG: No livro vocês abordam com frequência a questão financeira de um casal sem filhos que soma duas fontes de renda e pode comprar mais coisas e viajar mais. Ter filhos e ter uma boa condição financeira são incompatíveis?
Margareth: Quando pensamos em uma classe média, por exemplo, essas pessoas dependem de emprego e a situação econômica do mundo está complicada. Temos amigos que tiveram filhos e estavam bem financeiramente, mas em algum momento se viram desempregados de uma hora para outra. No momento de ter o filho tudo pode estar bem, mas em algum momento algo pode mudar. Não é que defendemos não ter filhos, defendemos é olhar para o momento atual do Brasil e do mundo.
Edson: Os casais dink [denominação dada aos casais de dupla renda sem filhos, ou “double income, no kids” em inglês] movimentam 168 bilhões de reais por ano na economia brasileira. Esses casais têm uma mobilidade social maior, mudam de classe social com mais facilidade. Na verdade, muitas pessoas nem sabem quanto custa uma criança em cada etapa da vida. Conforme vai crescendo, fica mais caro. Criança fica doente, ganha celular, faz viagens, ganha carro. O casal quer trocar o carro, mas o dinheiro não dá. Quer uma casa maior, mas não pode comprar. Isso pode gerar uma frustração. O projeto de vida que sonharam não está mais dando certo. Economicamente, mesmo que você tenha uma boa renda, ter filhos exige uma participação financeira. Você tem que arcar com despesas e obrigações que não eram muito bem o que você sonhava. Ter filho não é só passear empurrando o carrinho do bebê.
Margareth: Abordamos muito a questão financeira para desmistificar o romantismo. Lógico que é gostoso ter filho, mas as obrigações financeiras são muitas. E justamente para ganhar dinheiro, as mães não têm muito tempo com os filhos. Alguns países europeus pagam salários para a mulher ficar em casa com a criança. Mas é outra situação. Nosso livro está baseado na realidade brasileira. Não podemos contar com o governo. Tudo deve ser arcado pelos pais.
iG: A vida sem filhos é melhor?
Margareth: Não sei se consigo responder essa pergunta. Essa é a nossa realidade e ela é boa, mas para outra mulher a vida sem filhos pode ser terrível. Nunca me arrependi e nem vou me arrepender da minha decisão, mas algumas pessoas nasceram para ser pai ou mãe. Depende de cada um. Apenas penso que o casal precisa pensar se tem condições de criar um filho.
Edson: Acredito que isso depende do seu projeto de vida. Se você sonha com filho e consegue ser feliz assim, ótimo. Se você tem dúvidas, pare, leia e pense mais sobre o assunto. Se tem certeza que não vale a pena, não tenha. Nós temos amigos que não têm filhos e são felizes e outros frustrados por não terem. Vai da sua consciência de cada um. O que não pode é ter filho por impulso. Temos que ser mais racionais e mais pé no chão.
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