por Paulo Moreira Leite
Após a votação do Supremo, na segunda-feira, fiquei com diversas dúvidas sobre os quatro votos que condenaram o deputado João Paulo Cunha por corrupção passiva.
Gosto de admitir – algumas pessoas preferem esconder – a extrema modéstia de meus conhecimentos jurídicos. Mas, esforçado espectador do julgamento, reparo no seguinte:
- Os debates mostraram que é difícil sustentar com isenção a tese da acusação de que João Paulo negociou um contrato fajuto de R$ 10 milhões com as agências de Marcos Valério. Ricardo Lewandovski mostrou, na 6a. Feira, que o contrato era verdadeiro, implicou em despesas reais, a maior parte delas – R$ 7 milhões — assumidas pelos grandes veículos de comunicação do país. Se a tese de contrato falso for mantida, essas empresas teriam de devolver o dinheiro recebido, como o próprio Lewandovski lembrou. Houve desvio na parte restante? Onde? Como? Também não se demonstrou. Podemos até suspeitar, imaginar, lembrar que essas concorrências são esquisitas mas…
- Se os contratos eram reais, cadê a corrupção? Se os fornecedores fizeram sua parte, e receberam por ela, e isso se demonstra com notas fiscais, a impressão é que foi feito um contrato padrão entre um órgão público e empresas prestadoras de serviço. A menos, claro, que se demonstre que tenha havido superfaturamento. Não se fez isso, pelo menos até agora.
- Sobrou, então, o pagamento de R$ 50 000 que a mulher de João Paulo foi buscar no Banco Real, deixando nome e sobrenome. Equivale a 0,5% do valor do contrato. A ministra Carmen Lúcia acha que a mulher de João Paulo foi ao banco porque tinha certeza da própria impunidade. É claro que o pressuposto desta visão é que a mulher do deputado era culpada, sabia disso e não se preocupava. Toffoli, que votou pela absolvição de João Paulo, acha que isso prova o contrário. Se fosse dinheiro de propina, argumenta, João Paulo não enviaria a própria mulher apanhá-lo. O pressuposto de Toffoli, claro, é que se trata de uma pessoa inocente. Os dois argumentos devem ser considerados. A discussão é longa e me parece subjetiva demais para uma conclusão.
4. João Paulo Cunha fez o papel de Henrique Pizzolato, ontem. Para quem chegou agora: Pizzolato foi o dirigente do PT condenado por desvio de verbas do Visanet. João Paulo Cunha pegou a mesma condenação na Câmara. Mas são situações iguais? Acho que não. Na acusação contra Pizzolato, até a gerente de publicidade confirma o desvio, dá detalhes, diz que um assessor de Valério admitiu que as campanhas contratadas e pagas não seriam veiculadas. Estamos falando de um crime claro e bem caracterizado. Nada disso apareceu na Câmara. Não há essa testemunha, os documentos conferem. Mesmo assim, João Paulo foi condenado. Por que?
5. Talvez por uma razão que não tem a ver diretamente com as provas. João Paulo mentiu quando os R$ 50 000 foram descobertos e é isso que pode estar sendo usado contra ele. Não se fala mais do caráter fajuto do contrato, mais complicado de sustentar. Não se fala em desvios, porque não há testemunhas. O que se sabe – e isso ninguém nega – é que João Paulo disse que sua mulher fora ao banco pagar uma conta da NET. Depois, voltou atrás e disse que era dinheiro de campanha, pago por Delúbio Soares. Trouxe testemunhas e notas fiscais que dão sustentação a essa versão.
6. O problema é que é a mentira tanto pode servir para encobrir o que seria uma propina paga por Valério – como querem os ministros alinhados com a acusação – como também é coerente com a a história de caixa 2, de quem se alinha com a defesa. Nenhum sujeito apanhado com dinheiro de caixa 2 sái por aí dizendo que recebeu por fora, que está sonegando imposto e assim por diante. Tenta, sempre, contar uma história falsa, para se livrar de novas implicações.
7. Admitindo que João Paulo mentiu – não há dúvida – pode-se até julgar seu caráter. Mas tenho dúvidas se isso define crime de corrupção passiva.
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