O papel de José Dirceu entre o Brasil, Washington e Wal Street

A verdadeira história da aproximação de Lula e Bush 


Livro a ser lançado pelo professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas Mathias Spektor, relata o crucial período da transição dos Governos FHC e Lula, entre 2002 e 2003 e como foram pavimentadas as relações entre Washington e Brasília para garantir ao Brasil, com mercados em pânico, a solvência do Real naquele momento dependente de um aval de credibilidade internacional vista com suspeita pela ascensão de um Presidente de esquerda. O Real era uma moeda criada pela direita neoliberal, o que seria do Real com Lula? Washinton, aí incluindo a Casa Branca, o Departamento de Estado, o Partido Republicano e o FMI queriam saber.
Spektor traça um quadro dos bastidores dos reconhecimentos e tratativas entre os Governo Lula, ainda a tomar posse e o Governo Bush, um curioso movimento entre dois governos antípodas ideológicos mas que se entenderam por razões egoístas de cada lado e pela boa história contada pelos artífices dessa aliança necessária.
Papel central nessas demarches foi do então presidente do PT, José Dirceu, que de tal forma deu conta desse papel que passou a ser o "maestro" das relações entre o Brasil e os Estados Unidos até mesmo depois de sua queda em 2005, interlocutor maior do PT com os EUA, onde tinha o codinome de "Cardinal", por conta do Cardeal Richelieu.
Mathias Spektor traça minuciosamente os caminhos, as impressões mútuas, a intersecção entre governo e mercados que ao fim do dia consolidaram a força do Real, fazendo a cotação recuar de 4 Reais por dólar para a metade, medindo o barômetro de confiança na solidez institucional do novo governo antes visto como suspeito.
O desenho das relações internacionais do Brasil estava dado a partir desses dias cruciais: as relações Brasil-EUA passaram a ter como interlocutor privilegiado o então Ministro da Casa Civil José Dirceu, as relações com a América Latina com o Assessor Internacional da Presidência, prof. Marco Aurélio Garcia, as relações com Europa e Ásia com o Ministro das Relações Exteriores Celso Amorim e as relações com a África com o Presidente Lula.
Esse desenho que rompe todos os organogramas sempre foi comum nas relações internacionais, depende de circunstâncias especiais que a dinâmica da política fixa, no Governo Roosevelt as relações com o Brasil estavam nas mãos de Nelson Rockefeller, chefe do Escritório de Assuntos Pan Americanos, que não fazia parte do Departamento de Estado, mas Roosevelt achava o Brasil o país-chave da América Latina e passou por cima da diplomacia oficial para ter um pessoa de grande estatura e de sua confiança para operar o canal Washington-Rio de Janeiro no período decisivo da guerra. No próprio Brasil, a engrenagem operacional em certas relações especiais com capitais como Caracas, La Paz, Quito, Assunção não passa "para valer" pela Chancelaria e sim pelo gabinete palaciano do Prof. Garcia, o que é tambem um arranjo atípico tolerado pelo Itamaraty, o Assessor não é só assessor, é também operador diplomático do mais alto nível, que falava com Chávez sem esperar na ante-sala.
No lado de Washington o interlocutor de José Dirceu era Otto Reich, do grupo íntimo do Presidente Bush Jr., desde do tempo de Bush pai quando Otto era um dos principais operadores da então Presidência George Bush, foi escudeiro do então Presidente na famosa operação Irã-Contras. Nesses dias da virada 2002-2003, Reich era o Subsecretário de Estado para o Hemisfério Ocidental, que englobava a América Latina e o Canadá, com acesso direto a Bush e não tinha dificuldade de interlocução com Dirceu, Reich é cubano de nascimento e sua língua materna é o espanhol.
Em julho de 2005, já depois de sua queda da Casa Civil, a então Secretaria de Estado Condolezza Rice esteve em Brasília em viagem oficial, na manhã do dia de sua chegada pediu para almoçar com Dirceu que estava em Caracas. O ex-Ministro conseguiu voar no mesmo dia para Brasília a tempo de almoçar com Condolezza antes dos compromissos oficiais da Secretaria de Estado, uma demonstração da enorme credibilidade do ex-Ministro.
Hoje, surpreendentemente, O GLOBO e  FOLHA DE S.PAULO dedicam grande espaço ao livro de Mathias Spektor, que a meu ver dá uma ênfase exagerada ao papel de FHC em Washington para facilitar a transição para Lula.
Os Republicanos da Presidência Bush Jr. nunca tiveram intimidade com os tucanos. Esse grupo de neocons tem horror a intelectuais de esquerda na política, espécie da qual FHC é um expoente. Os tucanos sempre tiveram boa ligação com os Democratas, que são afins ideologicamente com os tucanos mas nunca com os Republicanos.
Reich depois de ter completas informações sobre o perfil de Lula vendeu ao Presidente Bush um personagem que é parte do sonho americano, o "self made man", o homem sem herança que veio de baixo e venceu na vida, algo não só completamente palatável aos americanos mas, mais do que isso, um ídolo que representa o ideal  americano.
Reich, provavelmente o diplomata mais odiado por Fidel Castro e pelo finado Hugo Chávez (Reich era Embaixador em Caracas quando Chávez assumiu o poder) atestou a Bush Jr. que Lula nunca foi comunista, não era um político com ideologia na alma e sim um líder das classes mais pobres que visava melhorar a vida de seus eleitores sem desmontar o sistema de economia de mercado, o Subsecretário sendo latino deu aval ideológico ao novo Presidente do Brasil.
Então esse inflar do papel de FHC me parece excessivo no livro de Spektor, FHC era amigo intímo de Bill Clinton, poucas pessoas eram mais detestadas pelo círculo de Bush Jr, do que Clinton, FHC amigo de Clinton não seria o melhor padrinho de Lula perante os Republicanos, o livro escorrega nesse ponto, respeite-se o autor, mas minha opinião é diferente nesse ponto, escolher FHC como patrono não ajudaria muito na corte de Bush Jr.
Trata-se, porém, de obra importante e cobre um periodo pouco conhecido da nossa história recente, ainda não disponível nos arquivos oficiais, mesmo porque foram em grande parte ações de bastidores, o PT ainda não estava no poder e os americanos costumam ter cuidado para não se enredar em políticas internas em outros países.

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