Papo de homem

Conhece aquela?...
"Ele é tão lesado que se cuidasse de uma tartaruga ela fugiria"...Então?




"É por causa do Barrichelo". Foi assim que me apresentaram o Rubens, uma tartaruga que foi encontrada perto do trabalho há pouco mais de um mês. Ela parecia perdida caminhando assustada na calçada e, com medo de ela ser atropelada, rapidamente o amigo Rodrigo a trouxe para a casinha aqui do PapodeHomem. 
Muito mais rápido que isso, logo virou piada. Quem diabos perderia uma tartaruga? Aquela velha máxima de que "ele é tão lerdo que deixaria a tartaruga fugir se cuidasse de uma" poderia existir de fato?
O Rubens foi a atração da casa, o alívio cômico do final de tarde. Pesquisando, descobriram que ele, na verdade, era um jabuti do sexo masculino e que gostava de comer mamão, mesmo que a iguaria soltasse seu intestino. Acompanhei tudo meio à distância, era muita gente em cima do bicho, imaginei que ele fosse um cara mais discreto, um verdadeiro outsider
Sabe, aquela coisa de querer ficar meio só, de conhecer o mundo com as próprias patas? Acho que essa era a do jovem Rubens, uma descoberta de si mesmo no urbanismo selvagem da zona oeste de São Paulo. Teve um dia que me vi a sós com ele. Fui lá fora pensar numas palavras chiques e me deparei com sua desenvoltura meio estúpida pelo quintal. Me sentei e passei a reparar nele. Ele parou e me olhou. Ficamos nesse jogo de mente alguns minutos. Provavelmente ele me contou um pouco de sua vida, seu desejo de chegar ao Alasca, a saturação que ele estava sentindo da cidade grande, da falsidade das pessoas, do escárnio pela condição natural de lerdeza que ele carregaria para o resto da vida. 
Preconceito, liberdade, o direito de ir e vir de todos. Acho que tivemos um papo incrivelmente produtivo sem trocar uma única palavra. Era hora de libertar o Rubens.
Batendo de porta em porta, descobriram o dono do Rubens e seu verdadeiro nome: Leopoldo. Morava há uns dois quarteirões dali, em uma casa que estava em reforma. Os pedreiros deixaram o portão aberto e foi a brecha que o Rubens, digo, Leopoldo queria. Seu dono, um senhor de pouco mais de 50 anos contou que o jabuti ficara na casa quando o pai dele se mudou. Logo, o bicho tinha mais de 50 anos. O nosso aventureiro gosta de longas caminhadas pelo bairro, sempre na companhia de seu dono.
Ao levar o Leopoldo de volta para casa, o Rodrigo - que foi quem encontrou e o batizou de Rubens - começou a trocar uma boa conversa com o dono, saber mais sobre o passado do bairro, saber mais sobre a família do cara. No meio do papo, o pai do cara chegou da rua, um velho de mais de 70 anos chegando em sua moto, estiloso de tudo, descolado. Os três, encantados uns com os outros e com a deliciosa conversa sobre a vida, descobriram coisas em comum, falaram da paixão pelas motocicletas, sobre velocidade, sobre esperteza e lucidez e já passava mais de meia hora desde que se encontraram pelo motivo da entrega do jabuti.
E aí se deram conta. Onde estava o Jabuti? Lá se foi mais uma hora até encontrarem novamente o Leopoldo.
Vi depois, em meu celular, quatro ligações não atendidas. Não foi dessa vez, Rubens. Não foi dessa vez.

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É escritor e editor do Papo de Homem. Lançou, nesse ano, seu primeiro livro de contos, o Ela Prefere as Uvas Verdes e outras histórias de perdas e encontros.

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