PHA - Eu vou conversar agora com o advogado Kakay, um dos signatários da Carta dos Advogados, divulgada hoje, sexta-feira (15). Por que divulgar agora, e não antes?
Kakay - Eu venho falando sobre esse tema, tema central dessa Carta, já há um ano e meio. E sinto há muito tempo que existia uma necessidade de ampliar esse debate. Na verdade, é uma chamada para a reflexão sobre esse momento que estamos vivendo. Escrevi vários artigos sobre isso, inclusive um deles na Folha de SP, recentemente. O título era "Que país queremos?". Nós estamos vivendo um momento punitivo, um país monotemático, onde só se fala em Lava Jato, onde só a acusação tem voz. Eu sempre achei importante que esse debate se ampliasse, principalmente na minha classe, os advogados. Todos nós somos obrigados, até pela definição constitucional, a defender a liberdade e o Estado democrático de Direito, mas deveria vir para o nosso dia a dia.
E quando eu faço essa pergunta - "Que país queremos?" - eu digo o seguinte: eu não dou a ninguém - juiz, Ministério Público, delegado de polícia, a ninguém - o privilégio de ter a necessidade, a vontade, o interesse de fazer um país melhor no combate à corrupção. Todos nós queremos combater. O que eu pergunto é o seguinte: queremos fazer esse combate da forma que fazem parte do Ministério Público, parte da Polícia e do Poder Judiciário? Passando por cima das garantias individuais, fazendo a presunção de inocência ser afastada, a prisão preventiva ser a regra, e não a exceção, como em qualquer país civilizado? Esse tipo de enfrentamento, do meu ponto de vista, fará com que o país saia mais obscurantista do outro lado. Ou então faremos esse mesmo embate, mas com a outra postura, com a postura de garantir os direitos conquistados ao longo do tempo, não só no Brasil, mas em todos os países civilizados, os direitos individuais, as garantias individuais, o devido processo legal, a presunção de inocência. E aí nós teremos condições de sair um país melhor.
Felizmente, os advogados que têm acompanhado como um todo esse debate - e os abusos que têm acontecido na Lava Jato - entendemos que é chegada a hora de colocar isso de uma forma mais ampla, para permitir esse debate que eu acho que interessa a toda a sociedade.
PHA - Kakay, a justiça brasileira tem ratificado as decisões do Ministério Público, da Polícia Federal e do juiz de Curitiba. Como explicar isso?
Kakay - Em alguns pontos, sim, sem sombra de dúvida. Eu acho que nós criamos nesse momento, através da espetacularização que se deu nesse processo - e isso é colocado no manifesto, no meu ponto de vista, de uma forma bastante clara - condições até mesmo de dificuldade para o próprio Poder Judiciário nos poderes superiores. Eu advogo há muitos anos nos tribunais superiores, e tenho acompanhado isso. Quando você tem um juiz, ainda que sério e competente, mas voluntarioso, que toma posições que fazem afago ao Ministério Público e parte da imprensa, depois, nos tribunais, muitas vezes (os juízes) se sentem com dificuldade de fazer o enfrentamento técnico. Essa é a realidade.
Uma das questões que está posta nessa Carta é a necessidade dessa reflexão. Na realidade, nós entendemos que principalmente a questão do excesso das prisões preventivas é uma questão que, mesmo tendo sido em alguns casos aceita em instâncias superiores - ainda que não em última instância, ainda que não no Superior Tribunal Federal -, nós temos que levar a essa reflexão.
PHA - O fato de vocês em boa parte signatários da Carta serem advogados na própria Lava Jato não tira a legitimidade do documento?
Kakay - No meu ponto de vista não. Eu falo como advogado, muito antes de ser advogado especificamente deste ou daquele réu. A defesa dos réus eu procuro fazer no processo. É claro que também é importante que a defesa tenha voz na mídia, no meu social, na sociedade. Mas eu falo também como cidadão. Eu acho que essa reflexão tem que ser feita por todos, porque a Carta não é dirigida especificamente ao Poder Judiciário. Não estamos fazendo uma defesa técnica. Defesa técnica você faz nos autos. Nós estamos fazendo um apelo para que as pessoas façam uma reflexão. Mesmo aqueles que não concordarem conosco, que façam uma reflexão do que nós estamos vendo, primeiro pelo prisma técnico e porque temos uma visão - penso eu, por estar dentro do processo - mais frontal do todo que está acontecendo.