De ex-grande balcão de negócios, o STF é ex o que, mesmo? por Armando Rodrigues Coelho Neto

Judiciário o mais corrupto dos poderes, quem há de negar?
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Este texto é, em parte, um prosseguimento do que neste espaço discutimos, na semana passada, sobre o viés corporativista das instituições que hoje, supostamente, tentam passar por intermédio da grande mídia a ideia de estarem promovendo as reformas e passando o País a limpo. Ledo engano. No curso daquele texto deixamos claro o voluntarismo e os ímpetos ensimesmados de oficiantes das instituições, impulsionados por seus valores de formação pessoal. Resumidamente, ficou claro que a origem “elitizada” de delegados federais, procuradores da República e juízes parecem ser determinantes para que explorem a fragilidade do povo brasileiro como negócio e lucro corporativo.
Quanto mais se mostram “importantes”, mais barganham corporativamente salários, privilégios, empoderamento. Mais especificamente, entre ministros da ex-Suprema Corte, hoje vergonhosamente apequenada ao extremo, impera a falsa aura de seres de outro planeta. Mas, a bocas miúdas, a notícia é de que lá chegaram fruto de lobbies, recomendações, conchavos políticos, compromissos inconfessáveis. Em qualquer caso, com discursos social e juridicamente palatáveis. Tratados como “ministros de Dilma, Lula, FHC” - são na verdade ministros de si mesmos, apegados às suas histórias de formação “elitizada”; compromisso zero com a democracia; distância quilométrica da questão social. Empatia zero, gravações mostram que Dilma queria conversar com Lewandowski sobre uma saída para o Brasil, mas ele só queria falar de salário...
Eis a radiografia do corporativismo de um país cuja crise muitos pretendem superar armando a população, impondo pena de morte, ração de astronauta ou latas velhas. Encarnam o eixo raivoso antes representado por Aécio Neves. O mesmo Aécio cuja visão decrépita e desmoralizada está simbolizada numa foto de Natália Lambert, veiculada no Diário do Centro do Mundo. Seu obscuro rosto por atrás de uma persiana (que bem poderia ser uma grade) é o documento de uma sociedade refém de sua própria arrogância, hipocrisia, ignorância, contradições. Atrás das grades, digo, persianas, Aécio, a exemplo do País, esperava a pervertida decisão de um Congresso Nacional desmoralizado. O ex-supremo, que em tese daria a última palavra, deu a penúltima.
No mar de contradições, o ex-STF não seria mesmo a última palavra. É o que diz, pelo menos no caso, a Constituição Federal. Mas, quando o quis, o STF ignorou a Carta Magna para prender Delcídio e afastar Cunha ou mesmo quando quis-não-quis-tentou afastar Renan Calheiros. Os obscuros fins justificavam os meios e a legalidade não importava. Afinal, poderia ser revista depois. O importante é que as ilegalidades cumprissem seus efeitos políticos. Servem de exemplos a divulgação criminosa (via Farsa Jato) de gravações de conversa da legítima Presidenta Dilma Rousseff (Fora Temer!). A Corte fez vistas grossas para as gambiarras jurídicas de Curitiba, mas já cumpriram seus efeitos revelados nas eleições passadas.
Mergulhado em corporativismo, hipocrisia e contradições não assimiláveis pelo grande público, o STF frustrou a esperança do povo no judiciário. O STF está e é parte do golpe e sequer tem a desculpa do passado. Na década de 50, causou frisson a fala do ministro do STF Ribeiro Costa: Contra o fatalismo histórico dos pronunciamentos militares não vale o Poder Judiciário nem o Legislativo. "Esta é a verdade que não poder ser obscurecida por aqueles que parecem supor que o Supremo Tribunal, ao invés de um arsenal de livros de direito, disponha de um arsenal de ‘schrapnels’ e de ‘torpedos’...". Agora, confrontada com o Caso Aécio, como explicar sua omissão contra Dilma Rousseff, diante de repetidas notícias de votos comprados para um golpe que o próprio STF ditou as regras. Durante o velório da democracia, Lewandowski mal serviu de vela ou coroa de flores.
Mergulhado nessas reflexões, lembrei que no início do ano, estive em Brasília, onde conheci um experiente advogado, que se declarou cansado da atividade jurídica. Ele tem uma grande causa pendente há anos, aguardando sentença. Seus planos eram (ou são ainda) receber o dinheiro desse trabalho e voltar para sua terra. No desabafo, disse: não aguento mais conversa de juiz, na base do... “Doutor, quanto o senhor vai levar nisso?”. Ora, meritíssimo! Não é de sua conta! Juiz só julga! Claro, que ele não disse isso ao magistrado, mas pensa e confidenciou a esse escrevinhador, lamentando que o “juiz está sentando em cima do processo, não julga, como se estivesse esperando que lhe ofereça algum.”.
Obviamente, minha boa fé leva a crer que o juiz “suspeito de ser suspeito” é minoria. Não há propósito de ofender magistrado algum especificamente, nem de contaminar a imagem do judiciário como todo. O esclarecimento é necessário, já que ofendículos jurídicos podem gerar processos, notificações extra-judiciais e ou pedidos de retratação. Tempos de notas públicas conjuntas de entidades corporativistas. Tempos nos quais juízes não entendem metáforas, coagem blogueiros a indicarem fontes (a pretexto de não ter direito a sigilo, por não ser jornalista da TV Globo). Obviamente, a alusão ao Pravda dos Marinhos é ironia, nessas estranha fase de ativismo jurídico-partidário e cumplicidade do judiciário com a mídia conservadora.
Magistrados acima de suspeitas à parte, o caso acima integra o imaginário da advocacia, onde, a bocas miúdas, a fama do Supremo Tribunal Federal sempre foi de um grande balcão de negócios. Como poderia de uma hora para outra se transformar em guardião da lei e da moralidade? Terá mesmo perdido a má fama? De qualquer modo, mesmo com má fama, aquela corte teve dias mais circunspectos. Em casos rumorosos, um ministro pedia vista nos autos e, “sentados” sobre o processo, figurativamente ou não, o caso era analisado ou não. O fato é que o fazia longe do epicentro dos escândalos, longe de câmeras, microfones, holofotes e da notoriedade.
A TV Justiça criada em 2002 (primeira do mundo) virou “Big Brother” das brigas de Gilmar Mendes com Joaquim Barbosa e troca farpas ao vivo entre togados.  Tudo a sugerir que o ex-STF perdeu a sua aura. No caso Aécio se revelou um judiciário com partido, na mesma linha da subversão jurídica curitibana. Matou a esperança do brasileiro e abre caminho para “gestores”, bolsopatas e latas velhas. Desse modo, de ex-grande balcão de negócios, o STF é ex o que, mesmo?
Armando Rodrigues Coelho Neto - jornalista e advogado, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo