Banco Mundial e agências de risco fazem manipulação explícita, por Paulo Kliass

Acontecimentos recentes apenas confirmam que o FMI - Fundo Monetário Internacional -, BIRD - Banco Mundial - e Agências de rating são todos ele filhos bastardos e não assumidos do mesmo sistema perverso e amoral do financismo internacional. Para tais instituições o importante é perpetuar os interesses dos que lucram com as atividades dentro do mercado financeiro global. Às favas com questões "menores e inferiores" como ética, justiça social, soberania nacional, desigualdade socioeconômica ou igualdade de tratamento.
O ano começou quente, com revelações bastante comprometedoras para algumas das mais importantes instituições que operam como garantidoras da ordem e da credibilidade do complexo mundo do financismo internacional. A gravidade das denúncias, no entanto, parece não abalar em nada a fé cega que os formadores de opinião da ortodoxia mantêm nesses organismos. O essencial é que eles sigam ordenando que seja passada a faca amolada nos direitos e conquistas dos desprotegidos pelo mundo afora. Mas e os efeitos disso tudo? Bem, diriam eles, desses detalhes a gente trata depois. 
A primeira notícia vem da parte do Banco Mundial. Em entrevista concedida ao importante diário do centro financeiro internacional, o “Wall Street Journal”, o economista chefe do órgão multilateral reconheceu que a instituição promoveu sérias e continuadas manipulações em um indicador reconhecido pelo mundo afora. De acordo com o depoimento de Paul Romer, o banco cometeu deslizes na apuração de resultados da pesquisa “Doing business”. Ela pretende ser um instrumento de avaliação da capacidade que os diferentes países apresentam em oferecer um ambiente econômico e institucional mais amigável e favorável para o empreendedorismo e o livre mercado.


O manto de neutralidade e a suposta supremacia dos elementos técnicos nos trabalhos da instituição baseada em Washington sofreram um sério baque a partir do reconhecimento público da desonestidade política e intelectual cometida, tal como admitido no depoimento revelado em 12 de janeiro. De acordo com a alta direção do Banco, o foco da manipulação era a penalização dos resultados obtidos para o Chile. Em particular, buscou-se a deformação das informações relativas aos dois períodos do mandato presidencial de Michele Bachelet, cujo governo oferecia uma visão alternativa aos mandamentos do neoliberalismo mais duro. Manipulação explícita e direto na veia.

Banco Mundial manipula e prejudica o Chile

Os dirigentes do órgão apresentaram um pedido oficial de desculpas ao Chile, aos diferentes representantes de seus governos e ao seu povo. E já se dispuseram a abrir procedimentos para investigações internas para outros países que eventualmente também se sintam prejudicados no ranqueamento apresentado pela instituição. O problema é que esse reconhecimento posterior, ainda que muito importante e relevante, não consegue repor os prejuízos causados pela irresponsabilidade institucional adotada pelo Banco.

O mea culpa do Banco Mundial vem a público em momento bastante sensível também para a sociedade brasileira. Afinal, há poucas semanas foi divulgado um relatório daquela mesma instituição tratando da realidade de nosso país. Na verdade, mais do que um instrumento de análise, o documento “O ajuste justo” surge em um momento que Temer & Meirelles gastam todos os seus cartuchos na tentativa desesperada de aprovar a Reforma da Previdência. O relatório havia sido uma encomenda de Joaquim Levy em 2015, que ocupava a pasta da Fazenda no segundo mandato de Dilma Roussef. Não foi por mera coincidência que, logo depois de sair do governo, o economista conservador foi promovido a vice-presidente do Banco Mundial, com escritório na capital dos Estados Unidos.

O texto, cujo título mais adequado deveria ser “Ajuste Injusto”, apresenta uma coleção de números questionáveis e conclusões equivocadas respeito do nosso problema fiscal. O material concentra sua artilharia pesada na defesa da estratégia do governo de promover cortes, mais cortes e ainda mais cortes. Nenhuma linha a respeito da necessidade de se recorrer ao aumento das receitas para buscar o equilíbrio nas contas públicas.

Ao manter o mesmo sistema de projeções de indicadores para os próximos 50 anos, o Banco Mundial reforça o clima catastrofista para chantagear o Congresso Nacional a aprovar a Reforma da Previdência. A argumentação vai na linha do “ou aprova agora ou virá o caos amanhã!”. Para qualquer leitor mais atento e conhecedor das realidades de áreas como saúde, educação, previdência e outras, fica claro que a equipe responsável pelo estudo usou dados oferecidos pelo próprio governo brasileiro e promoveu graves manipulações para chegar aos resultados previamente desejados.

Banco Mundial manipula contra o Brasil

Assim, a farsa levada a cabo contra o Chile pode muito bem ter sido também objeto de estratégia interna do Banco quanto ao caso brasileiro. O governo atual está bastante desgastado e precisa urgentemente de apoio institucional externo para justificar a ampliação e a profundidade das maldades cometidas aqui dentro. Essa era a intenção da encomenda inicial há 2 anos e da escolha do momento estratégico presente para a divulgação do documento. Na sequência, os grandes meios de comunicação acentuam que instituições “sérias e isentas” como o Banco Mundial também concordam que não existe outra solução que não seja o desmonte do Estado brasileiro. Bingo!

A segunda notícia vem da intensa movimentação recente verificada em torno das chamadas “agências de rating” ou agências de classificação de risco. Tratam-se de instituições do financismo global que se auto-atribuem a missão de zelar pelo bom funcionamento do sistema financeiro internacional. Assim, elas deveriam avaliar com cautela e prudência todas as alternativas e opções de investimento existentes pelo mundo afora e oferecer padrões de orientação para os investidores quanto ao risco envolvido em cada operação. Daí as notas e cotações atribuídas a países, setores e mesmo empresas individualmente.

No caso brasileiro, ao longo dos últimos anos, houve várias reviravoltas nesse quesito. A primeira grande surpresa, carregada de forte dose de ironia, ocorreu quando as agências de risco mais “conceituadas” passaram a atribuir notas mais elogiosas aos ativos brasileiros durante o mandato de Lula. Afinal, foi um período em que a nossa economia cresceu, a rentabilidade das operações aqui foi bastante promissora e as perspectivas de retorno financeiro eram elevadas. 

Em 2008, por exemplo, elas incluíram o Brasil no chamado “grau de investimento” - sinalização clara de uma recomendação segura de aplicação de recursos para os investidores. Alguns anos depois, em 2015, durante o segundo mandato de Dilma, houve um recuo por parte das agências e o Brasil perdeu essa qualificação considerada positiva por sua capacidade de atrair investimentos estrangeiros para cá. O principal fator foi a piora da situação fiscal e as perspectivas menos tranquilas a respeito dos cenários futuros.

Agências de risco manipulam contra a justiça e a democracia

A partir daí, o quadro recessivo se aprofundou com o golpeachment, e o Brasil conheceu a pior fase de estagnação econômica de sua História. Em tal conjuntura, não bastaram os apelos da equipe econômica comandada por dois banqueiros, autênticos defensores dos interesses do financismo dentro do aparelho de Estado. O clima generalizado de antevéspera do apocalipse caso as reformas não fossem aprovadas, como a turma da ortodoxia reivindicava, contaminou todo o ambiente dos formadores de opinião. E agora, na semana passada, nem a vergonhosa peregrinação de Meirelles conseguiu demover a Standard & Poor’s (S&P) de sua decisão de promover novo rebaixamento na classificação do risco soberano do Brasil. 

O ex-presidente internacional do Bank of Boston tentava mendigar um atraso da classificação, ao assegurar que a reforma da previdência seria aprovada agora em fevereiro. Mas os analistas sabem que essa votação, além de incerta no Congresso Nacional, não iria alterar em nada o quadro fiscal da União durante os próximos anos.

Ora, só pode mesmo reclamar de tal atitude da empresa classificadora aqueles que não concordam com esse tipo de método de trabalho. Figuras como a do atual Ministro da Fazenda, pelo contrário, sempre conviveram nesse tipo de ambiente e foram muito importantes como formuladores da importância das agências de rating para o “bom” funcionamento de nossa economia. Agora não têm o menor direito de chorar pelo que consideram como uma injustiça da decisão.

Na verdade, todas essas empresas são fundamentais para a dinâmica do sistema financeiro internacional. E não hesitam em recorrer à manipulação para atender aos seus interesses e à maximização dos ganhos de seus grandes clientes. O jogo é pesadíssimo. Basta lembrarmos, por exemplo, que às vésperas da grande quebradeira de 2008/2009 no mercado de títulos norte-americano, todas elas ofereciam as notas máximas (as famosas “triple A” – AAA) às instituições bancárias e financeiras que viriam a quebrar no dia seguinte. 

Fitch, S&P e Moody’s - entre outras - transitam com a maior tranquilidade entre mascarar situações críticas para não contaminar o ambiente quando lhes interessa ou então jogar pesadamente contra empresas ou países sempre que o interesse maior seja a preservação de seus princípios básicos de defesa dos interesses do establishment financeiro.

Enfim, os acontecimentos recentes só confirmam que o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e as agências de rating são todos eles filhos do mesmo sistema perverso do financismo internacional. Assim, não incorporam nenhum sentimento de culpa ou remorso ao romper critérios de isenção e neutralidade e partir diretamente para a manipulação pura e simples. Para tais instituições o relevante é preservar os interesses dos que lucram com as atividades no interior do mercado financeiro global. Às favas com questões menores como ética, justiça social, soberania nacional, desigualdade socioeconômica ou equidade de tratamento.

Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
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