Foram quatro anos e três meses de ações judiciais e de críticas públicas de numerosos advogados. Enfim reconhecidas, há três dias, com a sentença que proíbe levar alguém à força, tal como um preso, para prestar depoimento.
Nesses 51 meses, ao que verificou o ministro Gilmar Mendes, a Lava Jato executou 227 desses atos de coerção, ou de força, por isso mesmo chamados de "condução coercitiva". Em média, mais de quatro por semana, desde o início da Lava Jato. Mas a proibição à prática irrestrita desses atos, só admissíveis em caso de recusa a prévia intimação, já existia como velho e comum artigo do Código de Processo Penal. Por que repetir a proibição, até com mais abrangência?
Porque o Tribunal Regional Federal do Sul, o TRF-4, aceitou a arbitrariedade de Sergio Moro; o Conselho Nacional de Justiça concedeu impunidade à violação do Código por Sergio Moro; o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal substituíram o direito pela demagogia, a lei pelo agrado à opinião ignara, e o dever pela sujeição. Da segunda à última instância da Justiça, tornaram-se todas confrontadas pelo direito paralelo criado por Moro, Deltan Dalagnol, alguns outros procuradores, e absorvido por parte do TRF-4.
Como a lei é arma de combate à corrupção, violá-la é uma forma de corromper o combate à corrupção. A decisão do Supremo repõe e impõe uma das várias medidas de prevenção a deturpações, mas permanecem algumas não menos antidemocráticas.
A limitação do tema votado não impediu, no entanto, que fosse um bonito julgamento: as ideias de liberdade pessoal e de respeito aos direitos da cidadania tiveram forte presença. O ministro Celso de Mello, entre outros, trouxe ao debate um princípio cujo desconhecimento, pelo direito paralelo da Lava Jato, tem produzido situações deploráveis.
"O ônus da prova é do Estado", disse o decano do Supremo, e como o inquirido "não deve contribuir para sua própria incriminação", ele "não tem obrigação jurídica de cooperar com os agentes da persecução penal".
Pelos quatro anos e três meses, a Lava Jato eximiu-se do ônus da prova. Transferiu-o ao próprio inquirido, exigindo-lhe a autoincriminação, forçada de duas maneiras.
Uma, a prisão protelada até o desespero, método recomendado pelos americanos para uso em terras alheias, não na sua, onde não ousariam adotá-lo. Como complemento, a compra da autoincriminação e da delação, pagas com a liberdade como moeda. Não mais nem menos do que suborno. Feito em nome da moralidade e da justiça.
O ministro Dias Toffoli, por sua vez, formulou o despertar de um sentimento há muito já disseminado no país: "É chegado o momento em que o Supremo (…) impeça interpretações criativas que atentem contra o direito fundamental" de cada ser humano.
O momento não devia ser necessário jamais, já chegou há muito tempo e percebe-se que ainda sensibiliza só seis ministros –é o que indica a vantagem de um só voto, na derrota por 6 a 5 da combinação ilegal de arbitrariedade e coerção em nome da Justiça.