Lula foi condenado em mais um dos processos montados contra ele, o do sítio de Atibaia. Não há nada aqui que fuja do script; tanto quanto no caso do apartamento do Guarujá, o veredito já estava determinado de antemão. A sentença da juíza Gabriela Hardt passa à história ao lado da anterior, de seu mentor Sérgio Moro, como um monumento do desprezo ao direito e da impudência que grassa no Judiciário brasileiro. Não é indicado ato de ofício que justifique a condenação, que aliás se dá por motivo diverso do apresentado na acusação, e volta o argumento bizarro de que a ausência de evidências é indício de crime. O toque pessoal de Hardt foi apresentar, entre seus argumentos, a coincidência substantiva nos depoimentos de duas testemunhas-chave do caso, José Adelmário e Léo Pinheiro. Seu trabalho foi tão bem feito, tão atento, que ela não percebeu que são a mesma pessoa: Léo é o apelido de José Adelmário.
Tamanha lambança vai causar alguma comoção nas instâncias superiores? Certamente não. O TRF-4 já mostrou a quem serve ao garantir, a jato – a Lava Jato? –, a inelegibilidade de Lula. E o STF, presidido pelo pigmeu moral Dias Toffoli, é bem mais sensível aos sussurros, cada vez menos discretos, dos generais do que aos gemidos da Constituição agredida.
Dias antes da nova condenação, Lula foi impedido de assistir ao funeral de seu irmão Vavá, em um dos episódios mais consternadores da perseguição judicial contra ele. Foi-lhe negado um direito claramente consignado na lei, com base em justificativas bisonhas. Ao final, Dias Toffoli, sempre ele, acrescentou a cereja do bolo com a vexatória autorização para o comparecimento ao enterro, dada minutos antes do corpo descer ao túmulo e sob condições draconianas: o morto deveria ser transportado para alguma Guantánamo tupiniquim, celulares seriam proibidos, só os familiares mais próximos seriam admitidos e, o mais importante, Lula não poderia fazer nenhuma declaração pública. Sob a alegação, claro, de proteger sua segurança.
Por que motivo esse homem de 73 anos causa tanto medo? Impedir que Lula apareça, impedir que Lula fale, tentar impedir que Lula seja lembrado – é a obsessão dos donos do poder no Brasil.
O legado do lulismo ainda é objeto de discussão na esquerda – e certamente assim continuará, por longo tempo. Para muitos, o ex-presidente é um exemplo da virtù maquiaveliana, navegando em circunstâncias muito adversas e, assim mesmo, conseguindo promover políticas de inclusão social que mudaram a vida de milhões de brasileiros. Para outros, ao optar por um programa de infinita timidez e autocontenção, abandonando a perspectiva classista e também os esforços para mudar a correlação de forças no país, ele trocou um horizonte de transformações profundas por mudanças pontuais e carentes de solidez. O golpe de 2016 e a opção da classe dominante pelo bolsonarismo parecem ter liquidado qualquer esperança de ressurreição do projeto lulista.
Pouco importa. Com seus equívocos e com seus acertos, com suas ambiguidades e suas vacilações, Lula, por um lado, representa a possibilidade de um Estado que olhe para os mais pobres e, por outro, é a imagem de um povo brasileiro que rompe seu complexo de inferioridade e passa a ter orgulho de si mesmo. Para além de todo o espírito de conciliação, acomodação e moderação, esses dois elementos de alto potencial subversivo estão sempre presentes. É por isso que, para os que mandam no Brasil, Lula é o inimigo público nº 1.
Publicado originalmente por Luiz Felipe Miguel no Blog da Boitempo
Vida que segue...
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