Após a aprovação no Congresso, o Ficha Limpa deve enfrentar batalhas judiciais para saber se valerá e como será aplicado


Severino Motta
Depois de aprovado pelo Congresso, o projeto que impede o registro de candidaturas de cidadãos condenados na Justiça por mais de um juiz (no caso, um órgão colegiado), o chamado Ficha Limpa, deve enfrentar batalhas judiciais para poder ser aplicado.
São pelo menos quatro temas controversos que, a depender de decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF), podem reforçar a euforia dos cerca de 1,6 milhão de pessoas que assinaram o projeto de iniciativa popular ou sepultar a matéria que pretende dar mais moralidade ao processo eleitoral.
A polêmica mais recente surgiu com alterações feitas pelo Senado ao texto que foi aprovado na Câmara. Enquanto a primeira versão impedia a candidatura de cidadãos que já tivessem sido condenados, a segunda, feita pelo Senado, traz o termo “que forem condenados”.
A alteração gera a seguinte dúvida: quem foi condenado por órgão colegiado antes do Ficha Limpa ficará livre para disputar eleição, só não podendo se candidatar quem for condenado após a promulgação da lei?
O senador Demóstenes Torres (DEM-GO), relator da matéria na Comissão de Constituição e Justiça, acredita que somente os condenados após a promulgação da lei ficam inelegíveis. Segundo ele, a alteração nos termos foi feita para harmonizar o texto, que tinha artigos com as duas formas. Além disso, ele destaca que as leis não retroagem. Por isso, com ou sem a alteração, a matéria só vale para condenações futuras.
O vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Alberto de Paula Machado, no entanto, tem interpretação diferente. Para ele, a lei não precisa de aplicação retroativa para valer, mas sim aplicação imediata.
O advogado sustenta que, na hora do registro da candidatura, se a lei estiver valendo, é o momento de sua aplicação. Ou seja, se algum candidato já tivesse registrado sua candidatura, o Ficha Limpa não poderia ser aplicado. Mas, como os registros só acontecem em junho, todos estarão sujeitos à nova lei.
Os problemas com a mudança no texto não param por aí. O deputado Flávio Dino (PC do B – MA) diz que diferentemente do que alegou o Senado – que a alteração nos termos foi de redação e não de mérito – uma “inconstitucionalidade formal” pode vir a ser decretada.
“O que foi alterado não é uma mera emenda de redação. Se o texto foi alterado no Senado, ele tem que voltar para a Câmara. Se isso não foi feito, alguém pode alegar uma inconstitucionalidade formal e caberá à Justiça a palavra final, tanto nesse ponto quanto na aplicação para os já condenados ou somente para quem vier a ser condenado após a promulgação”, disse.
Outra dúvida em relação ao projeto é se ele vai valer ou não para as eleições deste ano. Há quem entenda que a matéria não altera o processo eleitoral, somente critérios de inelegibilidade. O TSE, em 1990, permitiu que uma lei complementar valesse para as eleições do mesmo ano. Em 2006, contudo, o STF impediu que a Emenda nº52, que tratava da verticalização das coligações, fosse aplicada naquele ano.
O senador Arthur Virgílio, líder do PSDB no Senado, enviou consulta ao TSE sobre o tema, mas a Corte ainda não se manifestou sobre o assunto.
Há ainda outro ponto que, além dos acima citados, também ser resolvido somente no STF. Diz respeito à presunção de inocência. Como pode alguém que não teve sua sentença condenatória transitado em julgado (decisão final), ter seu direito de candidatura impedido?
O próprio STF, em 2008, indeferiu por nove votos a dois uma ação proposta pela Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) que visava impedir a candidatura dos chamados “fichas sujas”.
À época, o relator da matéria, ministro Celso de Mello, disse que a presunção de inocência é “um valor constitucional tão importante que não vai se esvaziando no transcorrer das diversas fases processuais. O valor da presunção de inocência prevalece íntegro até o momento final do trânsito em julgado”.
O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) argumenta que a presunção de inocência deve valer no âmbito penal, impedindo que alguém seja preso até que a culpa seja definitivamente provada. Mas a regra não deve valer no âmbito eleitoral, quando a moralidade e a vida pregressa dos candidatos têm de ser levada em conta.
O vice-presidente da OAB, Alberto de Paula, acredita que a presunção de inocência foi mantida no Ficha Limpa, uma vez que há dispositivo que permite o registro da candidatura mesmo para os condenados por órgão colegiado.
No caso, quem não puder se candidatar devido a alguma condenação pode ir aos tribunais superiores e pedir o efeito suspensivo das condenações a fim de ter seu registro de candidatura.
“Essa questão ficou resolvida com a possibilidade de uma medida cautelar garantir a candidatura, então a presunção de inocência está garantida”, disse.
Devido a tais dúvidas, o projeto Ficha Limpa, aprovado pelo Congresso, ainda terá de percorrer um longo caminho judicial para mostrar sua eficácia.