A lição que vem do Rio Grande do Sul

AYRTON CENTENO
    Enquanto o Brasil se prepara para escolher entre a continuidade do projeto de Lula e a retomada do período FHC, o Rio Grande do Sul conta nos dedos os dias que restam para encerrar sua primeira e notável experiência com o PSDB no poder. Dela, pelo que disseram as urnas, não terá maiores saudades. O que não quer dizer que não tenha sido inesquecível. Começou antes mesmo de que o governo começasse, quando Yeda Crusius assomou à sacada do Palácio Piratini para desfraldar a bandeira do Rio Grande do Sul de cabeça para baixo. Ou também, semanas antes da posse, quando tramou um tarifaço, evitado pela oposição parlamentar com a anuência de parte dos governistas. Entre eles, seu vice, o empresário Paulo Feijó (DEM), que se pintou para a guerra contra seu próprio governo! O espanto foi ainda maior porque a candidata do PSDB, durante a campanha, jurara que não aumentaria impostos. Quando se elegeu com o slogan “O novo jeito de governar” ninguém imaginava que isto significaria fazer o inverso do que prometera.
    Pode-se dizer muitas coisas sobre o, digamos assim, governo de Yeda, mas ninguém poderá se queixar de enfado, tantas foram as emoções. Como a de conhecer caras novas: antes de concluir três anos de mandato a tucana já trocara 29 secretários! Que foram defenestrados nas mais variadas e, muitas vezes, espantosas circunstâncias. Por exemplo, seu antigo chefe da Casa Civil, Cezar Busatto, foi gravado pelo próprio vice de Yeda. No diálogo, Busatto admite que os partidos da base do governo tucano eram financiados por órgãos públicos, como as estatais de energia elétrica e de água e o departamento estadual de trânsito.
    O Detran, alíás, rendeu uma CPI específica e outra genérica, a CPI da Corrupção. As investigações desvendaram porque o estado emitia a carteira de habilitação mais cara do Brasil. Um secretário, dois assessores e o ex-coordenador de campanha de Yeda disseram, em diferentes ocasiões, ter advertido a governadora sofre a fraude e que ela nada fez. O corpo de um deles, Marcelo Cavalcanti, ex-chefe da representação gaúcha em Brasília, apareceu boiando no lago Paranoá em fevereiro do ano passado. Cavalcanti deporia à Polícia Federal naquele mês. Suicídio, concluiu a polícia um ano mais tarde.
    Em agosto de 2009, o Ministério Público Federal denunciou Yeda e seu então marido Carlos Crusius; sua assessora Walna Menezes; o ex-secretário-geral de governo, Delson Martini; o tesoureiro da campanha estadual do PSDB em 2006, Rubens Bordini; mais o deputado federal José Otávio Germano (PP), ex-presidente do Detran; os deputados estaduais Luiz Fernando Zachia (PMDB) e Frederico Antunes (PP) e o presidente do Tribunal de Contas do Estado, João Luiz Vargas. Todos acusados por improbidade administrativa. Depois, por uma questão de foro, Yeda foi retirada da ação que tramita na Justiça Federal.
    Com Yeda nomeando e o MPF, a Polícia Federal e as circunstâncias políticas desnomeando, não haveria mesmo chance para a monotonia. Uma das últimas cargas jogadas ao mar revolto das crises políticas foi o chefe de gabinete Ricardo Lied. Aposta de Yeda, que o levou para o coração do governo, Lied afastou-se em agosto. Ele é suspeito de comandar um sistema de espionagem de adversários políticos. Na relação de personalidades que tiveram seu sigilo violado figuram o governador eleito Tarso Genro (PT), o empresário Jaime Sirotsky, nome de proa da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), um senador, cinco deputados, promotores, policiais, militares, advogados e jornalistas.
    Deve-se a Lied uma das maiores contribuições para a iconografia da Era Yeda. Tornou-se hit instantâneo a foto que postou na internet. Na praia, o homem de confiança da governadora aparece de sunga, de pé sobre uma mesa usada como um pedestal. Entorna uma cerveja no bico, cercado por dezenas de garrafas. Desafortunadamente, por excesso de zelo e carência de jornalismo, a mídia fez olho branco para o flagrante tão impregnado de simbolismo.
    Quando veio a derrota, a governadora interpretou o recado dos eleitores de maneira peculiar, como é do seu feitio.  Na sua análise, o PSDB e seus aliados representaram “a resistência democrática” no estado, seja lá o que isso signifique. Assim, nomeia-os a “única força política organizada” na campanha local de José Serra no segundo turno.
    No seu blog, a par dos voos analíticos sobre Serra, o PSDB e a resistência democrática, Yeda relata sua relação com as corujas que a visitam no seu gabinete – “tenho aprendido das corujas”, confidenciou — e divaga sobre espectros e criaturas mitológicas, caso dos Dementadores, da série Harry Potter. São entidades malignas que sugam almas e enlouquecem as pessoas. Leitora voraz de literatura fantástica, adverte sobre a “evolução dos ciclos” e a eterna luta contra o “lado escuro da força”.
    Tudo isso é de suma utilidade para o eleitor. Ultrapassando o pitoresco das figuras e das situações, não será tempo perdido para quem ainda está indeciso entre Dilma e Serra debruçar-se sobre o que ocorreu no Rio Grande do Sul. Ao contrário, será sumamente educativo.
    Tarso Genro acena com um governo de concertação. Quer o PDT e o PTB na administração e pretende conversar com o PP e o PMDB. Vai ampliar sua base, dialogar com a sociedade e, pela sua capacidade de gestor e articulador, pode tocar um governo interessante. Porém, se comparado com o de sua antecessora, promete ser um tédio só.

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