Marina, Churchil e o demotucano

A noite abafada prometia um domingo quente na fronteira oriental da Polônia. Mas o próprio inferno escancarou-se às 3h15 da madrugada de 22 de junho de 1941, quando nove exércitos, 225 divisões, 10 mil tanques, 4 mil caças e bombardeiros, 750 mil cavalos e 4,5 milhões de homens — a maior operação militar da história — começaram a invasão nazista da União Soviética sob uma barragem de artilharia que clareou a escuridão com fogo e pólvora.

Horas antes, no sábado, alarmado pelas informações da inteligência britânica sobre a concentração de tropas alemãs na fronteira, o primeiro-ministro Winston Churchill comentou em Londres com seu secretário particular: “Se Hitler invadisse o inferno, eu faria ao menos uma referência favorável ao demônio no Parlamento”.
O comunista Stálin era o maior inimigo ideológico do líder conservador da Inglaterra. Mas Churchill sabia que, acima de suas fundas diferenças políticas, estava o diabólico inimigo do III Reich. Naquele grave momento, não cabia equidistância ou neutralidade.
A historiadora e pedagoga ambientalista Maria Osmarina Silva Vaz de Lima, 52 anos, discorda de Churchill e ficaria neutro entre o comunista e o nazista. Sob o codinome político de Marina Silva do PV, ela arrebatou mais de 19 milhões surpreendentes votos, 19% da votação válida no país, e provocou o impasse do segundo turno nas eleições brasileira, disputadas entre a esquerda de Dilma Rousseff (PT) e a direita de José Serra (PSDB).
Faltaram menos de quatro pontos percentuais, cinco vezes menos do que a votação de Marina, para que a eleição presidencial brasileira fosse liquidada ainda no primeiro turno. Agora, a líder do PV, que pode definir de vez a eleição com a autoridade de sua palavra, insinua: “Para manter a coerência, só me resta a opção pelo voto nulo”. Os principais conselheiros de Marina explicam que, após 90 dias de campanha condenando um lado e outro, seria ‘hipocrisia’ fazer uma opção por qualquer facção.
Se Churchill tivesse a mesma e ingênua visão do processo político e histórico, lavaria as mãos na esperança de que Stálin e Hitler se destruíssem mutuamente. Mas o estadista inglês que Marina deveria conhecer e reconhecer tinha a clara noção de que havia dramáticas nuances entre um e outro sistema ideológico. O nazi-fascismo, por todas as razões, era o perigo maior que justificava até elogios ao satanás.
José Serra e sua trupe tucademo, que preenche o vazio do não candidato-FHC com a sua cômica ausência de idéias, curiosamente reduzem o eleitorado brasileiro ao conflito do bem contra o mal, do azul contra o vermelho, das forças cristãs contra as hordas do demônio. “Candidata Dilma, a senhora é comunista e não acredita em Deus. A senhora é favorável ao aborto?” Espalhou nas igrejas e redes sociais José Serra, o candidato-esposo de FHC, com a inocência e a candura do santo que revela aos fiéis os graves pecados dos adversários.
Neste ideário balofo que mistura populismo, indigência vernacular, reacionarismo, ignorância, atraso e fundamentismo religioso, o folclórico ‘Casal 20’ do clã tucademo tenta retornar seu mando eleitoral no Brasil. 
Dizendo-se coerente, num quadro desses, Marina do PV insinua que votará nulo, como se fosse possível ficar neutro ou equidistante diante de um regressista projeto político que deixaria o próprio Lúcifer com cara de vítima.
Diante do risco iminente de uma nova invasão das hordas tucademos, pelas fronteiras da farsa eleitoral, do fanatismo da fé e do clientelismo político, a candidata do PV alega imparcialidade. No primeiro turno, esta inaceitável ‘contradição em termos’ da política foi desfraldada, no sul do país, pelo candidato a governador José Fogaça.
Abertas as urnas, contou-se a mais fragorosa derrota da história do vigoroso PMDB do Rio Grande do Sul, que conquistou apenas um de cada quatro eleitores gaúchos (24%). Diante da “imparcialidade ativa” de Fogaça, o petista Tarso Genro liquidou a fatura ainda no primeiro turno, com 54% dos votos, um fato inédito no Estado que se orgulha das posições claras que sempre adotou na história, na politica, até no futebol. Na pátria do clássico Gre-Nal, ninguém é imparcial.
A eleição, como sabe agora Fogaça e saberá Marina, é o momento da decisão, da escolha, da opção clara e objetiva entre uma proposta e outra — para ganhar ou até para perder. Um líder político que prega o voto nulo ou a imparcialidade é a própria negação da política e de sua principal função: a definição de caminhos que evitam o atraso ou permitem o avanço.
Se o exemplo do conservador Churchill não serve a progressista Marina Silva, pode servir a lição do comunista Luiz Carlos Prestes.
Preso e torturado pela polícia de Filinto Muller no Estado Novo getulista, no final da década de 1930, o líder histórico do Partido Comunista viu sua mulher grávida de sete meses, a alemã e judia Olga Benário, ser entregue à Gestapo de Hitler. Ela morreu na câmara de gás do campo de concentração de Bernburg, na Alemanha, em fevereiro de 1942 — oito meses após a invasão da União Soviética, cinco anos após o nascimento na prisão de Anita Leocádia.
Apesar disso tudo, em novembro de 1947, quando o nazismo já estava derrotado e o Brasil redemocratizado, Prestes dividiu o palanque com seu ex-algoz Getúlio Vargas num comício no vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo.
Prestes certamente tinha então razões bem mais sérias, feridas bem mais fundas, do que Maria teria hoje para se declarar nula, imparcial e equidistante.
A Marina Silva do PV tem a chance, agora, de crescer e se mostrar merecedora dos votos que recebeu.
Ou, como ensinou Churchill, chegou a hora de fazer uma referência favorável ao demônio. Ou, dito de outra forma, contra ele.
 "Brigulino é o autor desta paródia, inspirada num texto de Luiz Cláudio Cunha ('Toninho, Churchill e o demônio'), publicado no Blog do Noblat". 
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