Cada qual segure seus radicais


por Carlos Chagas
No olho do furacão da tentativa de abertura promovida pelo então presidente Ernesto Geisel, com agentes do próprio governo jogando bombas e queimando bancas de jornais e livrarias, enquanto a oposição denunciava torturas, o chefe do Gabinete Civil, Golbery do Couto, chamou o secretário-geral  do MDB, Thales Ramalho, fazendo um apelo: “vocês seguram os seus radicais e nós seguramos os nossos”.
                                              
Deu certo, apesar dos obstáculos e dificuldades que se projetaram no governo seguinte, do general João Figueiredo.
                                              
Por que se lembra o episódio? Porque a hora seria de aplicação da mesma receita, na tertúlia verificada entre militares e o governo em torno da  Comissão da Verdade.  Fora disso a temperatura subirá. Depois do manifesto dos presidentes dos três clubes militares contra duas ministras do governo e  de sua retirada do site por determinação de Dilma Rousseff, em seguida ao aparecimento de um novo manifesto assinado por 96 oficiais, entre eles 13 generais, protestando e até agredindo as ministras e a própria presidente, surge novo capítulo explosivo: a entrevista do general (da reserva) Rocha Paiva ao Globo de ontem. Se ainda não foi, o militar está para ser punido por insubordinação, já que sugere a convocação da própria Dilma para explicar sua participação como integrante da VAR-Palmares no atentado a um quartel de São Paulo, quando foi assassinado o sentinela Mário Kosel .
                                              
Daí para diante, se não houver o refluxo dos radicais, virá o imponderável. Não se imagine o confronto restrito aos militares da reserva. O mesmo sentimento é partilhado pelo pessoal da ativa, preservado da publicidade  por conta dos regulamentos castrenses. Como estarão analisando a situação os comandantes das três forças, ainda que obrigados a advertir seus próprios camaradas? Suportarão até que ponto esse instável equilíbrio, mesmo até agora engolindo sapos em posição de sentido.
                                              
Algumas premissas devem ser lembradas. Houve tortura, barbaridades foram praticadas pelos agentes da lei, durante a ditadura militar? Sem dúvida, assim como do outro  lado registraram-se assassinatos, seqüestros, assaltos e justiçamentos.
                                              
Só havia uma solução para o conflito: a anistia, afinal aprovada pelo Congresso, significando imenso sacrifício para as duas partes em choque, mas única em condições de promover a volta à democracia. Esquecer, ninguém esquece o passado, mas faz-se de conta,  em prol do futuro. 
                                              
Justa, mas perigosa, foi a criação da Comissão da Verdade, agora, pelo Legislativo. Sua finalidade é a identificação dos envolvidos nos montes de crimes perpetrados à sombra do poder público nos anos de chumbo. Do outro lado também, porque qualquer denunciado fundamentará sua defesa  citando exemplos da ação adversária. 
                                              
Agora, rever a Lei da Anistia e abrir processos de punição aos culpados de décadas atrás  equivalerá a um suicídio nacional. Nessa hora é que os radicais de lá  e de cá devem ser contidos. Desde o general que sugere a convocação da presidente Dilma à Comissão da Verdade para explicar o atentado promovido pela  organização clandestina a que pertencia, até o promotor  da Justiça Militar, Octávio Bravo, que defende a suspensão da Anistia e a condenação  dos implicados na tortura e no desaparecimento dos corpos de Rubem Paiva, Mário Alves, Stuart Angel Jones, Carlos Alberto Soares de Freitas e quantos mais?
                                                       
Continuando as coisas como vão, ninguém deve duvidar até da possibilidade de a situação passar da retórica a ações de outro tipo. Por tudo, vale o conselho antigo: cada lado que segure os seus radicais...

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