Imagino que a gripe de Celso Mello possa inspirar reflexões mais sagazes sobre o ato final do mensalão – o destino dos parlamentares condenados. Não há dúvida que eles irão cumprir a pena que lhes foi designada, por mais injusta que lhes pareça.
Só é feio insistir que sejam conduzidos para prisão imediata, sem que o processo tenha transitado em julgado e todos os recursos venham a ser examinados e considerados.
Mas eu acho ainda mais espantoso que se possa ter dúvida sobre a cassação de mandatos.
O artigo 55 da Constituição diz quem deve cassar o mandato de um parlamentar. Será a Câmara, se ele for deputado. O Senado, se for um senador. Está lá escrito, de maneira explícita, de forma coerente com o artigo 1, que explica que todo poder será exercido em nome do povo, “através de seus representantes eleitos ou na forma da lei,” como lembrou muito bem Rosa Weber, num voto histórico.
Não há duvida.
Há vontade de criar uma dúvida. Alega-se que é incongruente um parlamentar ser condenado à pena de prisão e manter o mandato. Calma lá. Do ponto de vista da Constituição, estamos apressando o debate.
Há uma etapa anterior que ainda não foi cumprida.
O artigo 55 diz que o Congresso é que tem palavra final sobre o mandato. Isso não é uma formalidade. A cassação deve ser submetida a voto secreto, e só será aprovada por maioria absoluta. Aí, o sujeito perde o mandato.
Só teremos uma situação incoerente entre o Supremo e o Congresso se acontecerem dois eventos:
a) os condenados forem julgados pelo congresso; b) se forem absolvidos.
Caso venham a ser condenados, não há problema algum.
Se forem absolvidos pelo Congresso e tiverem de cumprir pena, teremos uma situação transitória, que irá durar, no máximo, alguns meses: deputados com mandato e ao mesmo tempo na cadeia.
Pode ser estranho, inesperado, imprevisto.
Mas pense na alternativa. É passar por cima de um artigo da Constituição.
Pergunto o que é mesmo grave. O que representa riscos para a democracia?
O problema real, que não se quer confessar, é o seguinte. Tem gente querendo criar um poder moderador, acima da Constituição.
Explico. Depois de condenar os réus do mensalão, não se admite sequer a hipótese de que os deputados possam ser absolvidos pelo Congresso. Compreendo essa visão.
Tenho certeza de que muitos brasileiros pensam assim.
Mas o artigo 55 diz que são os representantes eleitos pelo povo que tem o poder de extinguir o mandato de outro representante eleito. Não há outra interpretação.
Muita gente diz e escreve que o deputado Marco Maia “está criando problemas” quando afirma que o Congresso “não abre mão”de seus direitos. Quem está criando problema não é o deputado, porém. É quem não quer respeitar o artigo 55.
Se há um poder supremo, nesta matéria, é o Congresso. Quem está criando caso é quem não quer cumprir essa determinação, descrita com todas as letras, vírgulas, pontos, parágrafos, no artigo 55. (Na dúvida, consulte o Google ou notas anteriores deste blogue).
Muitas pessoas falam no Supremo como se ele fosse um poder “supremo.” Mas isso havia na Carta de 1824, imposta por Pedro I, que criava o Poder Moderador. Não era a Justiça. Era o próprio imperador.
Nem é preciso lembrar que era um regime que não separava a Igreja do Estado, onde o voto era limitado às pessoas de posse.
Convém não esquecer: conforme esta Constituição, os cidadãos estavam divididos em dois tipos. Aqueles que eram humanos. E aqueles que eram coisas. Os primeiros eram brancos. Os outros, os escravos.
Felizmente, vieram outras Constituições, que criaram homens com direitos iguais, que nem sempre são cumpridos. Mas vamos chegar lá. A de 1988, que refletiu as dores de uma ditadura que cassou deputados e também mandou que o Supremo submetido fizesse o serviço, deixou a questão para o Congresso. Convém respeitá-la.
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