Pelo menos em tese — e, na prática, num número considerável de países considerados civilizados —, o policial é um defensor da paz, da ordem e, principalmente, da vida e da segurança da população.
Em princípio, portanto, os agentes da lei não só podem como devem socorrer cidadãos vítimas de crimes. E têm a mesma obrigação em relação a criminosos feridos em confrontos com agentes da lei. O policial tem a missão de impedir crimes e deter criminosos — mas não de puni-los.
A omissão de socorro é inadmissível em qualquer circunstância. Não importa se o ferido é cidadão pacífico ou detestável assaltante de velhinhos ou espancador de criancinhas. Policial não é juiz. E a deliberada ausência de socorro é uma forma de julgamento. Pode ser, em muitos casos, uma condenação à morte. No fim das contas, na prática a tese não funciona.
Por isso mesmo, está certo o governo de São Paulo, ao decidir que não cabe aos policiais socorrer (ou decidir se dão ou não socorro) vítimas de crimes ou criminosos feridos em duelos com policiais. Os números a respeito justificam a medida: no ano passado, mais de 1.300 cidadãos foram mortos em confrontos com policiais.
Até agora, o registro oficial dessas mortes usa linguagem pouco precisa: falam em “auto de resistência” ou “resistência seguida de morte”. Isso vai mudar em São Paulo: os boletins oficiais registrarão “lesão corporal (ou morte) decorrente de intervenção policial”.
Mudar a linguagem, obviamente, não garante mudança no comportamento. Mas é um bom começo. Como se dizia antigamente, é sempre importante dar o nome aos bois.
Simultaneamente — e é o mais importante — foi decidido que policiais paulistas não poderão mais socorrer vítimas de crimes ou criminosos feridos em duelos com a polícia. Obviamente, o objetivo é duplo: tanto garantir melhor atendimento como evitar versões falsas dos episódios.