Uma previsão sobre o julgamento de Lula, por Márcio Paixão
- Introdução
A ação penal contra Lula, no que toca à acusação envolvendo o apartamento tríplex, possui interessantíssimos contornos quanto à dogmática penal e processual penal, o que me provocou a estudá-lo e a registrar algumas palavras sobre o que li.
Não fazem parte deste pequeno estudo as questões sobre matéria processual (como, por exemplo, a temática envolvendo competência jurisdicional) nem a integralidade das imputações lançadas contra Lula na ação penal; trato, aqui, somente do fato que ensejou a condenação, referente ao suposto recebimento, pelo ex-presidente, de um apartamento tríplex. Não constituem objeto do artigo as outras acusações contra Lula nessa mesma ação, em relação às quais ou foi inocentado (caso do custeio, pela OAS, das despesas decorrentes do armazenamento do acervo presidencial) ou a sentença não se manifestou devidamente, em seu dispositivo (caso das imputações de corrupção relativas a valores repassados pela OAS à tesouraria do partido do ex-presidente).
2 – Pretérito incontroverso
A ex-primeira-dama, Marisa Letícia, assim como inúmeras pessoas, integrava uma cooperativa habitacional na condição de cooperada. Cooperativas habitacionais consistem em associações de pessoas regidas pela Lei Federal nº. 5.764/71 e pelo Código Civil, constituídas com o propósito de que os cooperados, conjuntamente e por suas próprias expensas, construam os empreendimentos imobiliários para que, ao final, integrem em seu patrimônio uma das unidades imobiliárias erigidas. A vantagem desse sistema está na aquisição de imóveis por preços muito mais baixos do que os praticados pelo mercado – afinal, os custos de construção reduzem-se à medida que menos sujeitos participam do processo produtivo (dentre os quais as sociedades empresárias que visam ao lucro, tais como as empreiteiras).
Em abril de 2005, Marisa Letícia assinou os documentos pertinentes ao negócio e, na condição de cooperada, adquiriu uma cota-parte (um percentual) de um empreendimento que viria a ser construído pela cooperativa (Bancoop); referida cota-parte lhe assegurava o direito de transformar-se em proprietária de determinada unidade (apartamento-tipo nº. 141, do Edifício Návia, no empreendimento Mar Cantábrico, no Guarujá) – depois, é claro, que os cooperados pagassem todos os custos de construção e o empreendimento efetivamente estivesse erguido. A ex-primeira dama permaneceu regularmente pagando, até setembro de 2009, os boletos que a Bancoop mensalmente lhe enviava – o que totalizou, até aquele mês, o dispêndio de R$209.119,73, sem correção monetária (dados constantes da denúncia, item 181).