O Estado policial de Bolsonaro, por Rogério Dultra
- Pior que muitos se iludem com a falsa segurança que esse Estado policial garante. Mas o que fazer? Tem gente que sente prazer em se enganar -
A substituição do Estado de bem-estar social pelo controle penal da população é relativamente recente nas democracias ocidentais. O sociólogo francês Löic Wacqüant denominou o fenômeno de Estado Penal. Suas características foram primeiramente observadas nos EUA, após o boom do sistema carcerário na passagem dos anos 1980. Após a liberação das privatizações, a população carcerária saltou de algo em torno a 300 mil para mais de 2 milhões em menos de duas décadas. A população negra e pobre, antes monitorada por serviços de assistência social e beneficiadas por programas e direitos, passou a ser criminalizada e controlada majoritariamente por mecanismos repressivos.
Esse fenômeno de larga implicação social – hoje 65 milhões de norte-americanos têm ficha criminal – deu origem a um sem número de estudos analíticos, bases de dados e pesquisas empíricas. Eles fazem ver um movimento coordenado de controle social, econômico e político da população estadunidense a partir do sistema penal, com largo apoio dos meios de comunicação de massa.
A implantação “oficial” de um Estado Penal e de uma cultura do controle passa, portanto, pela legalização, pela incorporação ao sistema jurídico da violência de Estado que sempre operou às claras no país, mas sempre encontrou o inconveniente de ter que fazê-lo ao arrepio da Constituição e da lei. Mesmo sob a Ditadura Empresarial-Militar de 1964, o sistema jurídico teve que operar dentro de determinados critérios. Ele foi forçado a respeitar procedimentos, como os da defesa jurídica, realizada por advogados imbuídos de suas prerrogativas, mesmo em casos mais extremos.
A introdução de um novo paradigma penal e processual penal, capaz de eliminar direitos e legalizar a violência de Estado, não se deu de uma hora para outra. Desde os anos 1990 o país tem, aqui e ali, aprovado um tipo específico de legislação extravagante. Aquela que restringe direitos, afronta cláusulas pétreas, retira o processo penal da esfera do controle público e o canaliza para decisões privadas, como a famigerada negociação da culpa.
Este longo processo de reformas legislativas nos legou uma ampliação sensível do sistema carcerário, sem que isto significasse a diminuição da criminalidade. Entre 1995 e 2014, enquanto a população brasileira cresceu de 155 milhões para 203 milhões (21,74%), a população carcerária aumentou de 148 mil para 622 mil (418,25%). Hoje se percebe que com o aumento exponencial de pessoas presas no Brasil, amplificaram-se as organizações criminosas e os dados da violência urbana. Criminalização e violência crescem juntas, apesar do discurso oposto: quanto maior a repressão, mais aumenta a criminalidade no país. A alternativa óbvia, alargar a rede de proteção cidadã, não emplacou nas últimas eleições.
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