E, aí o bem informado pelos youtubers indicados por Jair Bolsonaro diz que você torce contra o Brasil
Tenho um conhecido fascista que não sabe o que é fascismo, não sabe o que é comunismo, mas pensa que sabe. “Vocês comunistas da esquerda do PT são vítimas do sistema”, diz ele, quando se refere a mim. Nem sei por que me trata no coletivo. É como se, consciente ou inconscientemente, pela empáfia, tentasse agredir mais gente além de mim. Do mesmo modo, não soa consciente seu egoísmo supremo de um evangélico fundamentalista. Acha-se cristão e educou o filho para ir fazer caridade na África, como se às margens do Rio Capibaribe não houvesse miséria.
Como diz minha irmã, como odiar ou sentir desprezo por essa gente digna de pena? O golpe não nasceu ontem, foi uma maquinação muito bem urdida, trabalhada com estrema competência – ex vi dos resultados. Foi quando me lembrei e compreendi a dimensão de uma fala de Lula, quando disse ser preciso compreender o eleitor de Aécio Neves e, conforme o grau de comprometimento do desgaste, “perdoar”. Essa postura democrática e contemporizadora exige grandeza, não é tarefa das mais fáceis, mas é de se admitir: sem entender o mecanismo que precariza a percepção dessa gente, como tentar resgatar essas consciências enfermas que lutam contra si mesmas?
Deixo a pergunta no ar, ainda que o que vem a seguir seja contraditório. Diz respeito às almas pelas quais parece inútil contemporizar, nem praticar com elas a tal política como arte do possível. Gente como um advogado trabalhista que conheço, o qual vive do contencioso laboral, mas defende não só a reforma trabalhista, mas também a previdenciária. É como se ele vendesse guarda-chuva em dia de chuva e apoiasse uma lei proibindo a venda. Há algo de errado em procurador do Trabalho e ou advogado trabalhista (de empregado) apoiando reformas daquele jaez. É como delegado da PF lutando contra suas próprias prerrogativas de função, negro defendendo a escravidão.
Nesse contexto, um graduado servidor do Ministério do Trabalho disse ter visto pela imprensa que “a situação vai melhorar bastante”. Contaminado de Folha, Estadão, Valor, Veja e Globo News, ele admitiu que os servidores públicos estão mesmo ferrados. Mas, pelo menos, o Brasil se livrou do comunismo, tem ladrões na equipe do Coisidente eleito, mas não estão roubando e jamais irão roubar como o PT roubou. Leia-se, o problema não é mais o ato de roubar é uma questão de quanto. E arrematou: acima de tudo, a economia brasileira vai melhorar!
Como é melhor não teorizar sobre os tempos do Brasil comunista que nunca vi, nem sobre a moral relativa que aceita ladrões, melhor trazer a conversa para o bolso ou a conta bancária. A economia vai melhorar pra quem? Os municípios pequenos do Norte, Nordeste, Centro Oeste, tem gente que vive de pensão, de aposentadoria. Alguém consegue imaginar o papel dessa gente nas economias locais? Gente que compra o frango assado, vai à manicure, toma uma cerveja, no boteco, compra quentinha. Gente que com pequenos valores e ou negócios que fervilham a economia local.
Aniquilar essas pequenas economias é reeditar o abandono das terrinhas, migrar pra São Paulo, Brasília, Santa Catarina ou Paraná, se até lá não acabarem com alguma reserva indígena, e nela for montado um garimpo no gênero Serra Pelada. O sujeito vem pra São Paulo e aí, por falta de incentivo ou por guerra fiscal, já não existe General Motors, Ford, Volks. Vamos dizer que elas se juntem pra otimizar mão de obra e baratear custos, por que afinal de contas gente que comprava carro à prestação não vai ter mais grana. Isso seria melhorar a economia para quem?
Não é só isso, pois, com menos arrecadação e a apregoada diminuição de impostos para as empresas, o mais provável é que com menos recursos não vai haver concursos públicos, que certamente terão os serviços piorados. E não tem essa de dizer que com dinheiro economizado em encargos os juros vão baixar. Nunca é demais lembrar que Lula, durante a crise mundial, abriu mão de impostos em carros populares, na linha branca e nada disso virou investimento. Eles transformaram tudo em lucro mesmo.
E aí, você transforma a conversa numa abertura de ferida, e o bem informado pela Globonews diz que você está torcendo contra o Brasil. Como o sujeito já te chamou de comunista, nazista, socialista, petista e não consegue levar a conversa à frente, chama o interlocutor de pessimista. Eis o ponto em que você vai achar ser mais produtivo conversar com o carinha que apanhou da polícia, acreditou em mamadeira de piroca e mesmo assim votou no Coiso.
Armando Rodrigues Coelho Neto – jornalista e advogado, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.
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