Um canhão no cu

Se percebemos bem – e não é fácil, porque somos um bocado tontos –, a economia financeira está para a economia real assim como o senhor feudal está para o servo, como o amo está para o escravo, como a metrópole está para a colónia, como capitalista manchesteriano está para o operário superexplorado. 

A economia financeira é o inimigo de classe da economia real, com a qual brinca como um porco ocidental com corpo de uma criança num bordel asiático. 

Esse porco filho da puta pode, por exemplo, fazer com que a tua produção de trigo se valorize ou desvalorize dois anos antes de a teres semeado. Na verdade, pode comprar-te, sem que tu saibas da operação, uma colheita inexistente e vendê-la a um terceiro, que a venderá a um quarto e este a um quinto, e pode conseguir, de acordo com os seus interesses, que durante esse processo delirante o preço desse trigo quimérico dispare ou se afunde sem que tu ganhes mais caso suba, ainda que vás à merda se baixar. Se o baixar demasiado, talvez não te compense semear, mas ficarás endividado sem ter o que comer ou beber para o resto da tua vida e podes até ser preso ou condenado à forca por isso, dependendo da região geográfica em que tenhas caído, ainda que não haja nenhuma segura. É disso que trata a economia financeira. 

Para exemplificar, estamos a falar da colheita de um indivíduo, mas o que o porco filho da puta geralmente compra é um país inteiro e ao preço da chuva, um país com todos os cidadãos dentro, digamos que com gente real que se levanta realmente às 6 da manhã e se deita à meia-noite. Um país que, da perspectiva do terrorista financeiro, não é mais do que um tabuleiro de jogos no qual um conjunto de bonecos Playmobil andam de um lado para o outro como se movem os peões no Jogo da Glória. Leia mais>>>

Eleição 2012: candidatos folclóricos

O governo Dilma avança de forma lenta, gradual e firme para políticas voltadas para o crescimento acelerado


Na essência, na sua caracterização mais ampla e geral, o regime de política macroeconômica, que gerou um longo periodo de semiestagnação e que antecedeu o governo Dilma, pode ser definido, fundamentalmente, a partir da sua política monetária. Nessa política, acreditava-se que o elemento dinâmico de economias como a brasileira estava no exterior, nos fluxos de capitais e nos mercados, particularmente, o financeiro. Assim, as reformas institucionais deviam liberalizar a conta de capitais, remover as restrições ao acesso do capital estrangeiro e constituir garantias ao investidor estrangeiro.
Feitas essas reformas, basta controlar a inflação e manter a taxa de juros doméstica acima da internacional que o capital externo fluiria para o Brasil e o mercado financeiro se encarregaria de alocar os recursos eficientemente para investimentos e cresceríamos de acordo com o nosso potencial.
Não foi isso o que aconteceu, a economia tendeu à semiestagnação. Empiricamente, nesse período, não há nenhuma correlação entre a entrada de capitais e taxa de investimento; ao contrário, esta tendeu a se reduzir.
Com o regime de taxa de câmbio rígida, a inflação levou à apreciação da taxa real de câmbio e à consequente crise de balanço de pagamentos de 1999, seguida de forte depreciação. Em seguida, com um câmbio flexível e uma taxa de juros doméstica mais elevada do que a internacional, a taxa de câmbio passa a ser determinada pela entrada de capitais e menos pelas exportações e importações, com tendência persistente de apreciação da cambial, particularmente, a partir de 2004.
Esse regime teve sobre o setor industrial efeitos extremamente perversos. Uma forma típica do empresário sobreviver num regime com tendência persistente à apreciação do câmbio era, primeiro, importar insumos para enfrentar a competição e, com apreciação adicional, importar produto final colocando sua marca, tornando-se um mero distribuidor. Como se importa com prazo de pagamentos, as receitas financeiras complementavam os seus lucros. Eliminavam-se, assim, os principais efeitos dinâmicos da cadeia da indústria: ampliação de investimentos - incorporação de novas tecnologias e ganhos de escala - aumento de produtividade etc.
A presidente Dilma vem, aos poucos, fazendo sucessivas rupturas nesse regime de políticas. Primeiramente, anunciou explicitamente seu objetivo de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de pelo menos 5% ao ano. Em seguida, controlou a despesa do governo para poder baixar a taxa de juros, afrouxando a política monetária.
Mas foi em agosto de 2011 que a política monetária, que vinha ensaiando mudanças, sofreu realmente uma ruptura com o regime anterior, iniciando uma trajetória de queda na taxa de juros sem precedentes no período recente, removendo inclusive o piso de 6% real imposto pela caderneta de poupança.
Mudanças na política de balanço de pagamentos, desde o governo Lula, amadurecem num controle mais efetivo sobre a taxa de câmbio, com a tributação das operações no mercado de câmbio futuro. Caminhamos, assim, para um regime de política monetária com duas metas - taxa de inflação e crescimento e emprego - com dois instrumentos operacionais, controles das taxas de juros e de câmbio e instrumentos adicionais, macroprudenciais, tributação e nova regulação.
Ao lado dessas mudanças nas políticas fiscal, monetária e cambial, as decisões de tomar medidas compensatórias com incentivos fiscais, desonerações tributárias e outras voltadas para melhorar a competividade da nossa indústria revertem o polo de crescimento de fora para dentro do país e tentam deslocar dos serviços e não "tradables" para a indústria e "tradables".
A decisão de recorrer à parceria com o setor privado para ampliar investimentos em infraestrutura e ter um planejamento de longo prazo no setor de logística, com a criação de empresa estatal para contornar a incompetência da burocracia, deverão, por fim, acabar de mudar o regime de política fiscal de instrumento anticíclico para instrumento de crescimento.
Essas mudanças alteram o regime de política macroeconômica ao mesmo tempo em que novas perspectivas de aceleração forte do crescimento se apresentam. Estamos, neste momento, vivendo uma difícil transição, de ter que reverter o processo de substituição da produção nacional por importados, iniciando a recuperação da indústria nacional, isto é, a reindustrialização do Brasil e com ganhos de produtividade. O redistribuidor de importados terá que voltar a ser um industrial.
Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP



Verdade do dia

 


As "luzes" da tucademopiganalhada

O setor de energia é por definição uma área indissociável do planejamento. Os projetos nesse setor são de longa maturação. Construir uma usina obrigatoriamente é algo a ser previsto anos antes; o calendário das obras obedece a estudos estratégicos de evolução da demanda. O planejamento é imperativo em se tratando do principal insumo da sociedade moderna. Sem a garantia deste, os demais perdem potência de uso.

Prescindir do planejamento estatal nessa tarefa é algo só cogitável em uma época em que a mentalidade pública foi esfericamente colonizada pelo espírito imediatista dos ditos mercados autossuficientes. Aqueles que, livres da mão pesada do 'intervencionismo', alocariam os investimentos da forma mais eficiente, ao menor custo.

Um dia, em meados de maio de 2001, esse conto de fadas midiático ortodoxo trombou com o lobo mau, pasme, da escassez de eletricidade num país que tem uma das maiores redes fluviais do mundo: era o 'apagão. A diferença entre a oferta e a demanda sinalizava um déficit de robustos 20%. Duas horas de apagão em cada dez. Um colosso. Leia mais>>>

Frase do dia


Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca".
Darcy Ribeiro