Não dá para ficar de fora, nem apenas nos instalarmos na periferia da questão que eletriza o planeta, mesmo abandonando por um dia a praia da política brasileira. Falamos das causas reais da renúncia do Papa Bento XVI, começando a ser expostas por Sua Santidade, em pessoa, e desdobradas cada dia mais na imprensa mundial. O singular chefe da cristandade denunciou profunda divisão na Igreja, falou da hipocrisia de muitos de seus responsáveis e deixou clara a cisão que em outros tempos se transformaria num cisma.
No fundo, apesar das sutilezas tão comuns a essa milenar instituição, estava Joseph Ratzinger aferrado ao conservadorismo confundido com dogmas do passado. Insurgia-se contra defesa da saúde, contra a camisinha. E também contra o aborto, até em situações de risco de vida. Rejeitava a quebra do anti-natural celibato, ou seja, o casamento de padres, assim como a união entre homossexuais, a ordenação de mulheres e outras barreiras que a Humanidade hoje majoritariamente rejeita. Mas do alto de sua experiência, via crescer a tendência de boa parte do clero, inclusive cardeais, pela revisão desses postulados que a vida moderna repudia. Claro que em meio a essa divergência principal situavam-se motivações inerentes ao ser humano, como a luta pelo poder, a necessidade de abrir espaços, a vaidade, o açodamento, o apego a tradições e o culto ao sobrenatural.
Se foi pela impossibilidade de conter a maré reformista ou, no reverso da medalha, para fazê-la refluir através de um gesto espetaculoso, tanto faz. A verdade é que Bento XVI renunciou, certamente esperando que seu sucessor obtenha a vitória onde ele fracassou. Também por motivos naturais, do alto de seus 85 anos e da fragilidade de sua saúde física e mental.