Tradução de Caia Fittipaldi
O Sul emergente já aparecera antes, em cena que provocou frisson e alarido no palco internacional, em domínios do meio ambiente e do comércio. Essa semana, inaugura nova etapa, importante sinal de o quanto aumenta o poder desses países.
Ei-los ativos em terreno que, até agora, permanecia como quase-monopólio das tradicionais “grandes potências”: a proliferação nuclear no Oriente Médio – ou, em resumo, a relação de forças numa região-chave para Europa e Estados Unidos.
Os livros de História guardarão a data – 2ª-feira, 17 de maio –, em que Brasil e Turquia apresentaram à ONU acordo negociado com Teerã, sobre uma das facetas da questão nuclear iraniana.
Pense-se o que se pensar sobre o texto que resultou dessa mediação turco-brasileira, a própria mediação, em estratégia de mostrar fato consumado – não foi mediação solicitada –, muda consideravelmente o quadro mundial. Ela quebra de facto o domínio até agora reservado aos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU: China, EUA, França, Grã-Bretanha e Rússia.
Endereçada exatamente a esses, a mensagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan é clara: nem pensem, em 2010, em porem-se a reinar só vocês, sobre uma ordem internacional na qual o peso das nações evolui a favor de países como os nossos (o Sul emergente estende-se do Egito à África do Sul, da Nigéria à Indonésia).
AMBIÇÕES POLÍTICAS LEGÍTIMAS
Para os que ainda não entenderam: Brasil e Turquia, segunda-feira passada, puseram os pontos nos “is”. São membros, sim, do grupo dito “5 +1”, ou “os Cinco” que, na ONU, discute a questão nuclear iraniana.
O grupo é constituído dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança acima citados, mais a Alemanha. Os cinco países acusam o Irã de descumprir compromissos internacionais e de ignorar várias Resoluções da ONU. Suspeitam que Teerã mantenha um programa de enriquecimento de urânio que parece ter uma única finalidade: militar.
As ambições políticas dos países do Sul são legítimas. Têm de ser acolhidas positivamente. Mas, no caso do dossiê iraniano, a desconfiança dos Cinco tem fundamento. Evidentemente, todos saudaram a iniciativa turco-brasileira como “um passo na direção certa”.
Simultaneamente, para marcar a desconfiança quanto à substância do acordo anunciado em Teerã, os Cinco já avisaram, na 3ª-feira, que manterão a pressão sobre o Irã. Trabalham agora num projeto de Resolução que prevê novas sanções contra a República Islâmica.
Têm razão. O documento turco-brasileiro propõe que uma parte – apenas uma parte – do urânio iraniano seja armazenada no exterior, em troca de combustível enriquecido só aproveitável para uso civil. Assim, não se impede o Irã de produzir o urânio mais potente de que carece para produzir arma nuclear.
Os iranianos já disseram, ontem: não pensam em suspender seu próprio programa de enriquecimento de urânio… Têm razão, pois, os Cinco, que exigem mais.
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