de Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
Existem ideias ambíguas na política. Todo mundo concorda que são relevantes, mas ninguém as aplica. Embora importantíssimas no discurso, querem dizer muito pouco na prática.
Um bom exemplo disso é a noção de “plano de governo”. Todos os personagens do processo eleitoral – eleitores, candidatos, magistrados, a imprensa – proclamam sua centralidade. Nenhum, no entanto, mostra que acredita mesmo nela através de condutas concretas.
A importância retórica dos planos de governo faz parte do senso comum do eleitor. Pobre ou rico, educado ou inculto, jovem ou maduro, todos afirmam que escolhem seus candidatos depois de “ouvir suas propostas”. Não são apenas as pessoas de alta escolaridade que dizem fazer assim, por ser isso o “correto” e o que se espera de cidadãos conscientes. Inversamente ao que apregoam os que insistem em ver o eleitor popular como ingênuo e tolo, mesmo os mais humildes têm esse discurso.
Na hora H, porém, as coisas mudam. Será que existe um eleitor tão desprovido de sentimentos que toma suas decisões de voto em função da comparação fria das propostas? Será que existem, na vida real, pessoas tão informadas que conseguem diferenciar boas e más sugestões para cada política? Será que, se existem, são em número que afete o resultado de uma eleição?
Isso para não dizer que é grande a proporção de pessoas que chega à reta final da eleição com ideias amadurecidas, antes que os candidatos tenham sequer apresentado seus planos. São os eleitores que possuem “lado”, identidades políticas e partidárias. Para esses, a decisão sobre em quem votar está tomada de véspera, pouco interessando se seu candidato tem ou deixa de ter a melhor proposta para o emprego, a segurança ou a saúde pública.
Agora, por exemplo. Terá alguém informação sobre o que Dilma ou Serra propõem para cada setor? Que sabe o que pretendem? No entanto, nas pesquisas, mais da metade dos eleitores já possui candidato na pergunta espontânea, o que costuma ser uma boa indicação do voto consolidado.
O curioso é que o desinteresse caminha de braços dados com a indefinição, e esta procura se justificar pelo desconhecimento das “propostas dos candidatos”. Ou seja, quem mais diz que as precisa conhecer são os que menos se expõem à comunicação das campanhas e os mais propensos a continuar a ignorá-las até o dia da eleição.
Resumindo: os interessados não precisam de “planos de governo” para se decidir e os desinteressados não vão nunca saber quais são.
Se, do lado dos eleitores, na prática, as “propostas” contam pouco, do lado dos candidatos as coisas não são diferentes. Cientes de que as pessoas dizem que são importantes apenas da boca para fora, eles costumam tratá-las como uma obrigação incômoda, um ritual inevitável, mas de pequena utilidade.
Quando começa a propaganda eleitoral na televisão, os “planos de governo” só servem para uma coisa: viram calhamaços (normalmente bem encadernados) que os candidatos exibem como prova de que “têm (muitas) propostas”. O que está lá dentro, ninguém sabe.
Para consumo externo e utilização pelas equipes de marketing, as filigranas e detalhes são irrelevantes. O que se quer são três, quatro, no máximo, cinco “ideias força”, que possam ser repetidas à exaustão. Na ausência delas, os marqueteiros, simplesmente, as inventam. Quem não se lembra do “fura-fila” de Celso Pitta, criação da fértil imaginação de Duda Mendonça? Não fazia parte das propostas do futuro prefeito de São Paulo, surgiu na campanha, mas foi fundamental para que vencesse.
Desimportantes para eleitores e políticos, os planos de governo entraram, este ano, na lista de exigências que os candidatos têm que satisfazer para obter registro na Justiça Eleitoral. É mais uma idiossincrasia da legislação brasileira, tão pródiga em inovações despropositadas e faz parte de nossa tradição cartorialista, para a qual a palavra escrita tem uma espécie de imponência. Como se os candidatos se sentissem obrigados a cumpri-los apenas por que foram arquivados na burocracia de algum tribunal!
O triste, para os “planos”, é que nem a Justiça os leva a sério. Dilma e Serra juntaram o que estava em cima de suas mesas, sem sequer se dar ao trabalho de ler o que enviavam para cumprir o rito. Em lá chegando, ganharam um carimbo e ficou tudo por isso mesmo, apesar dos protestos da imprensa.
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