O fato relevante

Nestas eleições um fato novo está acontecendo. Fato verdadeiramente relevante. Mas que não precisa ser publicado na grande imprensa. Aliás, o fato relevante consiste exatamente nisto: o povo já não se guia pelos “fatos relevantes” publicados pela mídia. A grande imprensa perdeu o poder de criar a “opinião pública”. A “opinião pública” não coincide mais com a “opinião publicada”.
O povo encontrou outros caminhos para chegar às suas próprias opiniões, e traduzi-las em suas opções eleitorais. Já houve eleições que mudaram de rumo por causa do impacto produzido pela divulgação de “fatos relevantes”, tidos assim porque assim divulgados pela grande imprensa. Agora, a grande imprensa fica falando sozinha, enquanto o povo vai tomando suas decisões. Bem que ela insiste em lançar fatos novos, na evidente tentativa de influenciar os eleitores, e mudar o rumo das eleições. Mas não encontram mais eco. São como foguetes pífios, que explodem sem produzir ruído.
A reiterada publicação de fatos, que ainda continua, já não encontra sua justificativa nas reações suscitadas, que inexistem. Assim, as publicações necessitam se apoiar mutuamente, uma confirmando o que divulga a outra, mostrando-se interdependentes mais que duas irmãs siamesas, tal a impressão que deixam, por exemplo, determinado jornal e determinada revista. Esta autonomia frente à grande imprensa, se traduz também em liberdade diante das recomendações de ordem autoritária.
Elas também já não influenciam. Ao contrário, parecem produzir efeito contrário. Quando mais o bispo insiste, mais o povo vota contra a opinião do bispo. Este também é um “fato relevante”, às avessas. Não pela intervenção da Igreja no processo eleitoral. Mas pela constatação de que o povo dispensa suas recomendações, e faz questão de usar sua liberdade. Este “fato relevante” antecede o próprio resultado eleitoral, e pode se tornar ponto de partida para um processo político muito promissor. O povo brasileiro mostra que já aprendeu a formar sua opinião a partir de “fatos concretos”, que ele experimenta no dia a dia, dos quais ele próprio é sujeito.
Já passou o tempo das falácias divulgadas pela imprensa, onde o povo era reduzido a mero espectador. Em tempos de eleições, como agora, fica mais fácil o povo identificar em determinadas candidaturas a concretização da nova situação que passou a viver nos últimos anos. Mas para consolidar esta mudança, e atingir um patamar de maior responsabilidade política, certamente será necessário trabalhar estes espaços novos de autonomia e de participação, que o povo começou a experimentar.
Temos aí o ponto de partida para engatar bem a proposta de uma urgente reforma política, e também de outras reformas estruturais, indispensáveis para superar os gargalos que impedem a implementação de um processo democrático amplo e eficaz. O fato novo, a boa notícia, não consiste só em saber quem estará na Presidência da República, nos Governos Estaduais, e nos parlamentos nacionais e estaduais. A boa notícia é que o povo se mostra disposto a tomar posição e assumir o seu destino de maneira soberana e responsável.
por D. Demétrio Valentini, bispo de Jales


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