O filme “A Vila” não é lá grande coisa, mas seu cenário é cheio de metáforas: um lugarejo de onde ninguém ousa sair por medo de monstros que habitariam a floresta que o cerca. Alguém disse que os monstros existem, mas eles nunca foram vistos e ninguém tem coragem de procurar a verdade.
Há exatos três meses, em 12 de junho, o maior jornal do país publicou uma notícia que, embora não citasse nenhuma fonte, era taxativa: um “grupo de inteligência” do comitê eleitoral de Dilma Rousseff usara dados fiscais sigilosos do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, na montagem de um dossiê contra José Serra. Descobriu-se depois que outros sigilos teriam sido quebrados – da filha de Serra, do genro dele, de mais dois tucanos de alta plumagem – e ficou estabelecido a partir daí, como fato incontestável, que todos os dados acabaram fazendo parte do mesmo dossiê.
Assim como as feras da floresta de “A Vila”, os monstros que habitariam o submundo da campanha de Dilma nunca foram vistos em ação. Não há provas de que algum crime tenha sido cometido. Não há sequer indícios de que alguma ação clandestina tenha sido praticada. E praticamente ninguém teve coragem de procurar a verdade.
Até que…
A própria Folha de S. Paulo, autora da denúncia, publicou ontem, sexta-feira, uma notícia que desmente, uma por uma, suas acusações.
Depois de 90 dias em que tratou todas as contestações de Dilma e do PT com arrogância, a Folha confessa, em texto sem assinatura, produzido pela sucursal de Brasília: o comitê de Dilma não produziu um dossiê; apenas teve acesso a um dossiê feito pelo PT de São Paulo há cinco anos. Trata-se, na verdade, de uma papelada de cem páginas escrita pelo partido para solicitar que o Ministério Público e a Procuradoria da República investigassem possíveis irregularidades em privatizações tucanas, que poderiam ter beneficiado José Serra, sua filha e seu genro.
A Folha informa que o material que teria sido produzido pelo suposto “grupo de inteligência” da campanha de Dilma “é idêntico ao que o partido havia encaminhado cinco anos antes ao MP”. O jornal ainda confessa que as cem páginas produzidas pelo PT paulista resultam “de pesquisa em cartórios de registros de documentos, na Junta Comercial de São Paulo e em sites na internet”. E mais: reconhece que “não há nesse lote de papéis indício de quebra de sigilo bancário ou fiscal”.
Não há monstros na floresta. Apenas mentira e medo para assustar os moradores da vila.
A Folha não se retrata. Limita-se a noticiar “naturalmente” que mentiu. Durante 90 dias todos os grandes jornais e revistas adotaram as acusações da Folha como postulado e ponto de partida para a cobertura dos vazamentos de dados da Receita. Nos últimos 20 dias, praticamente não se falou em outra coisa, inclusive no Jornal Nacional, que tem dedicado blocos inteiros ao assunto.
Alguém vai pagar por isso?
No momento, quem paga é o eleitor, privado de informações isentas da imprensa. No dia 3 de outubro, a conta pode ser jogada na mesa da oposição. E a vila toda poderá, enfim, passear livremente na floresta. Sem medo.
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