Dois aspectos chamam a atenção na notícia vazada pela Polícia Federal de que o ex-ministro Antônio Palocci fechou acordo de delação premiada.
Uma delas é a data em que a informação foi vazada, imediatamente após a decisão da segunda turma do Supremo Tribunal Federal de tirar de Moro a delação da Odebrecht referente a Lula.
Cheira à contra-ataque, retaliação à decisão da corte em Brasília.
Outro aspecto que chama a atenção é que o acordo de delação premida está sendo costurado pela Polícia Federal, não pelo Ministério Público Federal.
Até então, a força-tarefa coordenada por Deltan Dallagnol era a responsável por todos os acordos de delação premiada homologados pelo juiz Sergio Moro em Curitiba.
“Coincidência ou não… não me lembro de nenhum delator fechando acordo em Curitiba depois da minha entrevista ao jornal El Pais em julho do ano passado”, anotou Rodrigo Tacla Durán através do Twitter.
Tacla Durán é o advogado que denunciou à imprensa e à CPI da JBS um amigo de Sergio Moro, Carlos Zucolotto Júnior, também advogado, como intermediário numa negociação para vender facilidades em um acordo de delação premiada.
Pagando 5 milhões de dólares por fora, Tacla teria expressiva redução da pena e ficaria com 5 milhões de dólares de uma conta dele em Cingapura, bloqueada por Moro.
Tacla Durán não aceitou e, refugiado na Espanha, onde tem cidadania, resistiu ao pedido de prisão de Moro, e a justiça do reino espanhol negou a extradição.
Tacla Durán vive livremente na Espanha, onde tem empresa e de onde costuma publicar tuítes que minam a credibilidade da outrora chamada República de Curitiba.
O último deles é sobre a delação premiada de Palocci. Por que a Polícia Federal está à frente desse acordo?
Tacla Durán suspeita que é em razão das denúncias que fez, que tornou o MPF de Curitiba suspeito.
“Coincidência que agora é só por esse caminho (Polícia Federal) que delator fecha acordo em Curitiba?”, provocou o ex-advogado da Odebrecht, também através do Twitter.
Na denuncia sobre a indústria da delação premiada, feita em 2017, Tacla Durán juntou cópia periciada da conversa que teve com Carlos Zucolotto Júnior, em 2016, por aplicativo de celular. Vale a pena recordar a conversa:
Zucolotto: Amigo, tem como melhorar esta primeira… Não muito, mas sim um pouco.
Rodrigo Durán: Não entendo.
Zucolotto: Há uma forma de melhorar esta primeira proposta… Não muito. Está interessado?
Rodrigo Durán: Como seria?
Zucolotto: Meu amigo consegue que DD entre na negociação.
Rodrigo Durán: Correto. E o que que se pode melhorar?
Zucolotto: Vou pedir para mudar a prisão para prisão domiciliar e diminuir a multa, ok?
Rodrigo Durán: Para quanto?
Zucolotto: A ideia é diminuir para um terço do que foi pedido. E você pagaria um terço para poder resolver.
Rodrigo Durán: Ok. Pago a você os honorários?
Zucolotto: Sim, mas por fora, porque tenho que cuidar das pessoas que ajudaram com isso. Fazemos como sempre. A maior parte você me paga por fora.
Rodrigo Durán: Ok.
O que reforçou a denuncia de Tacla Durán à época é a cópia de um e-mail do Ministério Público Federal, enviada depois da conversa com Zucolotto, em que os termos acordados pelos dois aparecem na minuta do acordo.
Depois da denúncia do ex-advogado da Odebrecht, nenhum outro acordo costurado pelo Ministério Público Federal foi divulgado, mas a delação premiada continuou na berlinda.
Em depoimento em março deste ano, prestado na Vara de Moro, o ex-executivo da Odebrecht Rogério Araújo, delator da Lava Jato, foi confrontado com a pergunta se ainda recebia valores da empresa.
Um advogado pergunta:
“O senhor ainda recebe esses valores?”
O ex-executivo confirma que recebe valores mensalmente, embora tenha saído da empresa em junho de 2015.
O advogado quer saber a título de que ainda recebe dinheiro da empresa.
Moro interfere:
“Foi rescisão contratual, doutor”.
Rogério repete:
“Foi rescisão contratual”.
Outro advogado tenta buscar esclarecimento:
“O senhor falou duas coisas. O senhor falou que tinha recebido a título de rescisão contratual e de que também existiria um programa…”
O procurador da república corta:
“Doutor, ele falou que esse programa aí foi no contexto da rescisão”.
O advogado insiste com o depoimento:
“O senhor pode esclarecer?”
O procurador, embora não estivesse com a palavra, corta mais uma vez:
“Ele já falou, doutor”.
O depoimento se tornou importante porque revela o vínculo que delatores ainda mantém com a Odebrecht. Era essa a resposta que os advogados buscavam de Rogério Azevedo e, ao que parece, era essa resposta que o procurador e Moro queriam evitar que Rogério Azevedo desse.
Por que tanta preocupação da Lava Jato?
Porque a lei que incorporou o instrumento da colaboração ao direito brasileiro determina que as delações só valem se forem espontâneas.
Quando um delator recebe vantagem para colaborar com a justiça, essa colaboração deixa de ser espontânea.
E o executivo questionado, Rogério, faz parte de um grupo de 78 executivos da empresa que fecharam o acordo de delação premiada ao mesmo tempo.
Não é crível que todos tenham tomado a decisão ao mesmo tempo.
Que todos tenham tomado essa decisão espontaneamente.
E não foi mesmo espontâneo, conforme ouvi de Rodrigo Tacla Durán:
“A verdade é que a Odebrecht decidiu colaborar conjuntamente com a Justiça para tentar livrar Marcelo Odebrecht da cadeia e salvar a empresa, e houve várias reuniões que definiram essa estratégia. Eu estava presente em uma delas. Foi no Hotel Intercontinental, em Madri”, recordou Rodrigo Tacla Durán.
A empresa ofereceu bônus e salário durante quinze anos para quem prestasse depoimento à Justiça na condição de colaborador.
Não houve, portanto, espontaneidade e o depoimento passou a ser interessante financeiramente, não só como instrumento para reduzir pena.
Em uma situação assim, o delator diz tudo o que seus interrogadores querem ouvir.
E é nesse ponto que se volta para a delação de Palocci.
A estratégia de que a delação pode ser, acima de tudo, um bom negócio está presente também nas negociações com Antonio Palocci.
A diferença é que, na negociação, saíram os procuradores da república (um tanto queimados) como negociadores e entraram os policiais federais.
Em comum, permaneceu Moro, que sempre dá a última palavra com a homologação.
E que Palocci vai ganhar?
A liberdade certamente, mas não só.
Palocci teve mais de R$ 60 milhões bloqueados por decisão de Moro. E, nos bastidores da Justiça Federal em Curitiba, garante-se que Palocci terá R$ 30 milhões desbloqueados por Moro, caso a colaboração do ex-ministro seja aceita.
Os termos do acordo de delação premiada de Palocci permanecem sob sigilo, só será revelado se e quando a delação for homologada.
Mas esta é a informação que recebi de uma pessoa com fonte na Polícia Federal. Repetindo: Palocci terá R$ 30 milhões desbloqueados caso sua delação seja aceita.
Como acontece nesses casos, parte desses R$ 30 milhões irá para seu advogado, Adriano Bretas, mas Palocci manterá uma bolada com ele.
Irá para casa, mas, para isso, terá que continuar dizendo o que os investigadores querem — Lula, claro, no centro de tudo.
Palocci viverá sem honra, mas com muito dinheiro no banco.
.x.x.x.x.
A delação foi homologada pelo relator da Lava Jato no Tribunal Regional Federal da 4a. Região, João Pedro Gebran Neto, em junho de 2018, não pelo juiz Sergio Moro.
Publicado originalmente no DCM - Diário do Centro do Mundo -, em 20 de Abril de 2018 e republicado hoje 28 de Novembro, depois que o trf-4 liberou Antonio Palocci para casa
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