hoje as horas possuem uma aspereza maior que as de costume. um vazio franco e ensurdecedor acorda a memória para as coisas que naufragaram entre as marés que não obedeciam aos ciclos da lua.
meus velhos vícios surgiram como uma tábua de salvação e eu os quero de volta.
os mistérios escondidos nas frestas tornaram-se, ainda mais, indecifráveis. um caminho repleto de maltratos e esquecimentos se apresenta como uma corda que espera o condenado...
talvez apenas falte o suspiro,
talvez apenas falte a dose ínfima e poderosa que arraste, de vez, o esquecimento para o esquecimento.
(penso em Deus e na condição falha de ser feliz).
as pessoas seguem caminhando.
alguém passa em silêncio e fico a meditar na pequenez das pessoas que, apenas, caminham,
na pequenez humana e nada compreensível.
se existisse algo mais, se o tempo fosse um pouco mais sensível...
não quero nada hoje, talvez amanhã.
tenho certeza que amanhã a realidade a de me bater à porta. essa realidade que não é minha, essa realidade que, seguindo por caminhos oblíquos, se formou a minha volta. Ah, eu não a quero, mas onde estão as escolhas... o que de teu, de fato, é teu?
apenas o sonho...
a mecânica de existir precisa de magia.
das sensações do pão quente de manhã, da toalha felpuda e cheirosa, do café fresco... do secreto mundo das orações, do sentido da psicologia e das respostas filosóficas que passeiam pela terapia. nisso tudo, sem os sonhos, só estupidez e fraqueza, ignorância e medo.
para aqueles não sabedores de que destino seguir, alheio a própria condição de sentidores e de pensantes do que lhe pulsa em cada artéria, dá-lhes trabalho. o trabalho é uma válvula para cansar o corpo e torná-lo surdo aos questionamentos da alma, é o mais perfeito adestramento. por certo não tenho nada com o capitalismo, por certo não tenho nada com as doutrinas ou as tendências das grifes e cozinhas.
construo o meu universo longe das conjecturas. apenas nas sensações daquilo que realmente me importa. há alguns caminhos cegos, mas deixo para que os cegos sigam. o mundo é uma grande massa de cegos... talvez seja eu o mais cego, mas ainda vislumbro, algo maior que a rotina pasmacenta. ainda gozo do meu entender, mesmo profano, enquanto outros seguem instintivamente, como raposas e coelhos, a construírem ninhos e a caçar alimentos para dormirem o descanso.
desperto, busco o sonho e a magia que existe em algum lugar de mim.
[Daufen Bach]