Lula se foi – da mesma forma que Fernando Henrique Cardoso oito anos antes – sem que o dia a dia dos brasileiros tivesse alterações relevantes. Da mesma forma os mercados financeiros – aqui e no exterior – sequer notaram esta mudança de comando político. Certamente contribui para esta transição exemplar o fato que vivemos um momento de forte crescimento econômico, em um ambiente de distribuição de renda mais profundo do que em outras épocas, e muito otimismo do setor empresarial. Como resultado desta conjugação favorável, a presidente herdou de seu antecessor uma taxa de desemprego inferior a 6,5% da população ativa, situação nova na historia recente do país.
Além da estabilidade política, o Brasil é visto hoje como um dos países de maior potencial de crescimento nos próximos anos. A combinação de uma economia vigorosa e eficiente, com uma democracia que funciona é uma situação que poucos países no mundo emergente podem apresentar. Esta é uma das razões porque o Brasil ficou – pela primeira vez em sua história – entre as dez economias que mais receberam investimentos estrangeiros em 2010.
Mas para o analista que procura discutir o futuro e não relembrar o passado, o grande desafio de agora é refletir sobre os próximos passos para perenizar este desenvolvimento econômico, político e social nos próximos anos. Para não ser ambicioso demais, vou me concentrar no desafio a ser enfrentado pela presidente Dilma Rousseff.
A inflação está começando a dar sinais de que – se não combatida de frente e de forma correta – pode sair do controle ao longo de 2011. A estabilidade da moeda tem sido – como a maioria dos brasileiros concorda – uma das âncoras principais do crescimento dos últimos dezesseis anos. A presidente sabe disto – certamente este foi um dos conselhos que recebeu de Lula antes de tomar posse – e é provável que vá lutar para que voltemos ao chamado centro da meta fixada pelo Banco Central no prazo mais curto possível. Para sermos realistas, isto poderá aconter ao longo de 2012.
Mas apenas a decisão política de enfrentar a inflação não é suficiente para o sucesso desta sua empreitada. Será necessário um diagnóstico correto e a utilização de instrumentos eficientes. E neste ponto tenho dúvidas que gostaria de dividir com o leitor. O pensamento econômico de Dilma Rousseff foi moldado pelos economistas ligados ao PT. E uma das idéias chaves deste grupo é que a inflação se combate principalmente com medidas de aumento da oferta de bens e serviços. As restrições à demanda, que reduzem o crescimento econômico corrente, devem ser evitadas a qualquer custo.
Já vivemos este dilema na parte final do primeiro governo Lula. O aumento vigoroso das importações, em um momento em que a moeda brasileira se valorizava, equilibrou as pressões de demanda. Esta arbitragem natural de mercado – importação de bens tradables mais baratos – em um cenário de confiança na taxa de cambio criou rapidamente um novo canal de oferta. Esta conjugação de fatores – maiores importações com o real se valorizando nos mercados de cambio – permitiu que a inflação ao consumidor ficasse confortavelmente na banda estabelecida pelo Banco Central, apesar das pressões de demanda.
Entre 2006 e 2009 a taxa média de aumento de preços dos bens industriais importados foi negativa por conta do crescimento das importações. Com isto a inflação maior no setor de serviços e no de preços administrados ficou mascarada. Além disto, este aumento exógeno da oferta não exigiu investimentos e que – na fase de sua realização – representam uma pressão adicional sobre a demanda interna.
Este é, aliás, outra falha importante no raciocínio do grupo de economistas ligados ao PT. Não consideram que existe um intervalo de tempo – 1 a 2 anos, pelo menos – entre a decisão de investimento e sua maturação. Neste período os investimentos pressionam a demanda sem criar aumento na capacidade de oferta de bens e serviços.
Agora, com o governo tentando forçar a desvalorização do real – pois enfrenta a perda de competitividade – e o início no exterior de um período de recuperação dos preços industriais, a mágica que funcionou no passado recente perdeu sua força. Nos últimos meses de 2010 o aumento dos preços dos bens tradables no mercado interno já está ao redor de 2% ao ano. Além disto, os preços das principais commodities – em reais – também apresentam taxas elevadas de aumento. No passado a valorização do real amortecia este movimento.
Além disto, neste inicio do governo Dilma as pressões salariais por conta do desemprego muito baixo potencializam estes movimentos de alta de preços. Mais uma vez uma falha– a chamada Curva de Philips seria uma falácia segundo o pensamento economico do PT – faz com que não se preste a atenção devida a esta nova situação da dinâmica dos preços que vivemos hoje. Um bom sinal é a meta de crescimento fixada pelo ministro da Fazenda para os próximos dois anos, de 5,5% ao ano. Isto só será possível se a inflação superar com folga o limite superior da meta de inflação.
Outro instrumento efetivo para lidar com o superaquecimento da demanda – a redução dos gastos do governo – também não é bem visto em Brasília. Os cortes no orçamento que são viáveis em função dos compromissos já assumidos pelo governo são – na minha opinião - insuficientes para afetar, na proporção necessária ao combate da inflação, a demanda agregada da economia brasileira.
Neste quadro que se abre, apenas a elevação dos juros em níveis substanciais pode, ao longo dos próximos dois anos, trazer de volta a inflação para o centro da meta. E não me parece que os 200 pontos de alta da SELIC hoje considerados pelo mercado serão suficientes para garantir o sucesso da atuação de nossa autoridade monetária. O governo poderá tentar também usar medidas de contenção de crédito mais agressivas, com eficácia e impacto difíceis de mensurar.
O aumento da incerteza a respeito da política econômica do governo tem contribuído nos últimos meses para reduzir o otimismo dos investidores externos com o Brasil. a BOVESPA é uma prova deste novo humor.
Luiz Carlos Mendonça de Barros