“Isso aqui não é academia. [...] Vamos parar com esse jogo de intrigas. Faça o seu voto de maneira sóbria!” O comentário do relator Joaquim Barbosa reacendeu o pavio de suas divergências com o colega Ricardo Lewandowski no julgameto do mensalão. “Vossa Excelência está dizendo que meu voto não é sóbrio?”, espantou-se Lewandowski, revisor do processo. “[...] Estou perflexo!”
O tempo fechou durante a leitura do voto de Lewandowski. Dirigindo-se a estudantes de direito que acompanham o julgamento, o revisor realçou a importância da análise do contraditório num processo penal. Barbosa enxergou na observação uma estocada velada. Abespinhado, insinuou que o relator ecoa no plenário do Supremo críticas dos advogados dos réus ao trabalho dele. “Repete o que é dito nos jornais”, alfinetou.
“Leiam o meu voto. Isso é insinuação”, disse Barbosa, algo contrafeito. “Vossa Excelência está dizendo: ‘É assim que se faz’. Vamos parar com esse jogo de intrigas.” Lewandowski cobrou do colega exemplos palpáveis. Barbosa reiterou a insinuação de que o colega o estaria acusando de negligenciar os argumentos da defesa. “Vossa Excelência está tentando mostrar a heterodoxia nas entrelinhas do seu voto. Quer demonstrar que eu não faço uso do contraditório. Temos estilos diferentes. Digo uma coisa em duas, três linhas, não preciso mais do que isso.”
E Lewandowski: “Estou perplexo! Não tenho perdido oportunidade de elogiar a clareza do voto de Vossa Excelência. [...] Sei do esforço que fez para chegar ao ponto que chegamos. Proferiu um belo voto. Há pontos em que nós discordamos. Mas jamais ousaria insinuar que o voto de Vossa Excelência seja incompleto ou de qualquer forma não tenha atendido aos cânones processuais. Está fazendo uma ilação completamente descabida.”
“Lamento”, disse, seco, Barbosa. Lewandowski prosseguiu: “Eu também lamento. Aliás, reafirmo a admiração e o respeito que que tenho pelo trabalho. Não tem nenhuma crítica ao trabalho de Vossa Excelência. [...] Eu é que, em homenagem à juventude que nos brinda com a presença nesse auditório é que quis, com o vezo de professor, [...] reafirmar aos futuros advogados a importância do contraditório no processo penal.”
Munidos de panos quentes, Aytes Britto e Celso de Mello –presidente e decano do Supremo— intervieram para conter o rififi. Barbosa, porém, não se deu por achado: “Todos temos experiência e não necessitamos de lições.” Lewandowski indagou: “Devo, então, saltar [a leitura dos] argumentos da defesa? Voltou a dizer: não tenho nenhuma pretensão de dar lições a quem quer que seja. É apenas um segundo olhar sobre os autos…”
Lewandowski acabara de inocentar a ré Ayanna Tenória, ex-vice-presidente do Banco Rural, da acusação de lavagem de dinheiro. Algo que, a contragosto, Barbosa também fizera na sessão de segunda-feira (10). O curto-circuito ocorreu no instante em que o revisor absolvia também Geiza Dias, ex-funcionária da SMP&B, a agência de publicidade de Marcos Valério.
Para Lewandowski, os dados contidos nos autos ornam com o cenário descrito pela defesa de Geisa. Ela seria mera secretária da agência. Uma funcionária subalterna que não teria conhecimento do esquema de lavagem de dinheiro que ocultou repasses das verbas de má origem do mensalão a políticos indicados por Delúbio soares a Valério. Geisa seria mera “batedora de cheques”, disse Lewandowski, repetindo expressão da defesa.
Após absolver Ayanna e Geisa, Lewandowski lê o pedaço do seu voto em que analisa as condutas de Valério e seus ex-sócios e dos altos gestores do Banco Rural. Pelo rumo da argumentação, deve condenar todos eles.
Ao abrir a sessão, o presidente Ayres Britto enaltecera a presença dos estudantes de direito no plenário. Citou os nomes das faculdades. Deu as boas-vindas aos estudantes e seus professores. Os visitantes não suspeitavam que seriam submetidos a uma lição tão enriquecedora. Aprenderam como não devem proceder os magistrados. Devem estar ruminando uma pergunta: “Por que diabos Barbosa e Lewandowski referem-se um ao outro de Vossa Excelência?”
por Josias de Souza