Prá desopilar

Congresso é o palco principal para aprovar as medidas reivindicadas pela população

por José Dirceu
O pacto que a presidenta Dilma Rousseff propôs ontem no pronunciamento em rádio e TV passa pelos governadores e prefeitos, mas o Congresso Nacional é o palco principal para aprovar ou não as medidas a fim de enfrentar as demandas sociais por melhores serviços públicos de saúde, educação, transportes, segurança e reforma política.

Na Câmara e no Senado, a orientação dos governadores e mesmo dos prefeitos foi decisiva, por exemplo, para a não aprovação dos 100% dos royalties para a Educação ou para o fim da CPMF, mesmo com a inclusão no projeto da destinação total dos recursos arrecadados para saúde via Estados e municípios.

O mesmo podemos falar sobre os subsídios e renúncia fiscal para beneficiar o preço das tarifas do transporte público. As propostas do governo ficaram paradas ou encontraram a oposição dos governadores, que relutam em abrir mão de ICMS. Isso sem falar que as tarifas e a concessão de transportes são uma atribuição municipal; e o transporte metropolitano é estadual, idem para o metrô.

Já a reforma política não foi e não é aprovada na Câmara dos Deputados por falta de maioria ou porque a maioria não quer ou é contra o financiamento público, única forma de deter o domínio do dinheiro sobre a política. Nem o fim do sistema uninominal, que só existe no Brasil, consegue maioria. Uns querem voto distrital, outros querem voto em lista, mas a maioria não quer mudar nada.

Para começar a mudar o sistema político brasileiro e destinar mais recursos para a saúde e a educação, segurança, saneamento e transportes, é necessário aprovar aquelas propostas e, ao mesmo tempo, fazer uma reforma tributária para inverter o caráter regressivo e injusto da estrutura tributária brasileira, reequilibrando a federação e mudando seu caráter social regressivo.

A presidenta faz o certo, e a expectativa do país é que a sociedade, manifestantes, entidades, igrejas, partidos, sindicatos, movimentos sociais e populares, empresários, governos, partidos e o Congresso Nacional agarrem essa oportunidade e não desprezem o clamor das ruas e da maioria do povo, que tem o direito a uma vida melhor, cada vez melhor.

Fora do Congresso Nacional e do pacto entre os governantes, resta apelar para a soberania popular, numa consulta, um plebiscito ou uma Constituinte, para aprovar as reformas e mudanças reclamadas. Ou as urnas de 2014, o que pode ser tarde demais para as expectativas do que hoje ocupam as ruas.  

A mensagem da presidenta à sociedade foi muito positiva

Os críticos de seu governo prenunciavam o pior: a resposta de Dilma seria populista, seria equivocada, mal direcionada, pura peça de marketing. Enganou-se quem apostou nisso. A resposta procurou cobrir um amplo arco de questões que se passaram nos últimos dias (sem deixar de lado a truculência e as posições autoritárias que surgiram nas manifestações). O conteúdo, em suma, foi o seguinte: mais democracia. 
Se o governo Dilma terá força política para levar a diante a resposta que acaba de oferecer à sociedade brasileira, é assunto para uma análise mais detida. Mas a pessoa Dilma Rousseff pode alegrar-se pela coragem com que enfrentou o momento mais difícil de seu mandato e por ter honrado seu compromisso com a democracia.

Pronunciamento da presidente Dilma Rousseff sobre as manifestações populares

Dilma decifra o enigma

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O discurso da presidente Dilma Rousseff captou perfeitamente o momento histórico, através dos principais fatores que emergiram das manifestações:
  1. A vontade de participar da moçada e da população e o anacronismo do aparato institucional.
  2. A separação nítida entre os anseios legítimos e os aproveitadores.
  3. O fato de, a partir de agora, o cidadão passar a ser o centro das políticas públicas, e não mais os poderes econômicos.
  4. A necessidade de um pacto entre União, estados e municípios para melhoria da mobilidade urbana e dos serviços públicos.
É um início promissor. Se não tivesse decifrado o enigma, teria sido devorada pela esfinge.
Agora, há que se pensar no pós-manifestações.
Dilma anunciou a intenção de alargar os canais de participação popular. E anunciou o plano de mobilidade.
Há que se conferir status nobre ao Ministério das Cidades e colocar, lá, alguém antenado com os novos tempos.
Mas o caminho da mudança é mais amplo.
Cada vez mais, aumentará a intolerância da opinião pública para com os homens públicos omissos, os que jogam unicamente para a plateia, os que não trazem, dentro de si, a chama das mudanças e da iniciativa pública.
Na hora de analisar seu Ministério, a presidente terá que pensar com seriedade esse ponto.  Há uma característica pessoal admirável na cidadã e militante Dilma Rousseff: a solidariedade para com os comandados. Mas, quando o objetivo maior são os resultados nas políticas públicas, essa qualidade vira defeito
Na Coluna Econômica de amanhã (que envio na 6a para os jornais e foi escrita ates do discurso da presidente) tento avançar algumas sugestões.
O ponto mais importante: as redes sociais são, definitivamente, o novo território de discussões políticas, de políticas públicas e do exercício da cidadania. É o ágora grego.
Portanto, a interlocução do governo com os jovens militantes e com a população em geral não pode se restringir a uma audiência presencial. Tem que se colocar o governo inteiro no rumo das redes sociais, definindo modelos de atuação para o novo mundo, organizando as informações públicas, ampliando a Lei da Transparência, definindo uma metodologia mais de acordo com a linguagem das redes para disseminar dados públicos e recolher impressões e opiniões.

Deixa eu ver se entendi. A direita sozinha não consegue mobilizar? É isso?

O movimento Passe Livre acaba de dizer ao jornal nacional (para desespero da globo) que não chamará outras manifestações, pois o foco era realmente as tarifas do transporte público. Disse também que o movimento é apartidário mas não anti partidário. Hoje não estamos vendo manifestações pelo Brasil. Primeiro temos admitir que o pessoal deste movimento é politizado e não manipulável. Temos que respeitar estes jovens. Estamos juntos e vamos dialogar permanentemente. Meus parabéns. 

Deixa eu ver se entendi. A direita sozinha não consegue mobilizar? É isso? 

O movimento Passe Livre se retirou da onda golpista e agora a imprensa tem que mostrar as manifestações de ontem. Os garotinhos da elite não saem sozinhos? O movimento Passe livre é de esquerda, ruim para eles. Então eles dependem da esquerda para sair às ruas? Legal. Temos que retomar algumas bandeiras junto com este movimento. Reforma agrária sem reembolso  taxação das grandes fortunas, imposto progressivo, reforma urbana, lei contra a homofobia, aprovação entusiasmada da Pec 37.

Tecendo o amanhã

Um galo sozinho não tece um amanhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que o amanhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(o manhã) que plana livre de armação.
O amanhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
João Cabral de Melo Neto