Paulo Nogueira: O ataque de Augusto Nunes a Lula é pedagógico

Um texto de Augusto Nunes na Veja ilustra a necessidade torrencial de discutir os limites da mídia no Brasil.
Todo país socialmente avançado tem regras e limites em nome do interesse público.
Para recordar, a Inglaterra, berço da liberdade de imprensa, recentemente promoveu esta mesma discussão depois que um jornal de Rupert Murdoch foi pilhado invadindo a caixa postal do celular de uma garota de 13 anos sequestrada e morta.
Um juiz – o discreto, sereno e brilhante Brian Leveson, que ao contrário dos nossos guarda uma distância intransponível da mídia e dos políticos – comandou os debates, travados sob o seguinte consenso: a mídia existe para servir a sociedade e não o oposto. E não está acima da lei e nem de regras.
texto de Augusto Nunes me chegou por duas fontes, o que mostra o quanto ele incomodou quem não é fanático de direita.
Numa tentativa bisonha de humor, ele compila títulos de um livro com o qual Lula se candidataria à ABL. Os nomes são sugestões de leitores, e ali você pode ver o nível mental de quem lê Nunes.
Lula é chamado de bêbado, ladrão, molusco, burro, afanador, cachaceiro, larápio e cachaceiro, entre outras coisas.
É um texto que jamais seria publicado na Inglaterra por duas razões. A primeira é cultural: há décadas já não se aceita entre os ingleses este tipo de jornalismo insultuoso e boçal. A segunda é jurídica: a Justiça condenaria rapidamente o autor e imporia uma multa exemplar não só a ele, autor, mas ao veículo que publicou a infâmia.
Não se trata, como cinicamente se poderia argumentar, de censura. Mas de proteção à sociedade contra excessos da mídia.
Em outra circunstância, se alguém quisesse escrever o que quisesse do próprio Augusto Nunes, ele também estaria protegido. Esta a beleza da proteção.
Liberdade de expressão não significa licença para publicar tudo. Um juiz americano mostrou isso de uma forma didática ao falar na hipótese de alguém que chegasse a um auditório lotado e gritasse “fogo”.
Pessoas poderiam morrer no caos resultante do pânico. A liberdade de expressão não poderia ser invocada por quem falasse em fogo.
Murdoch foi obrigado a se submeter a duas sabatinas em que o juiz Leveson questionou o tipo de jornalismo feito em seus jornais
Murdoch foi obrigado a se submeter a duas sabatinas em que o juiz Leveson questionou o tipo de jornalismo feito em seus jornais
A desproteção à sociedade no Brasil é tamanha que, num caso clássico, diretores da Petrobras tiveram que processar Paulo Francis pela justiça americana depois de repetidas vezes serem chamados de corruptos.
Para sorte dos diretores da Petrobras, as acusações de Francis foram feitas em solo americano, no Manhatan Connection. A ação seguiu seu curso – sem que ninguém conseguisse interferir, o que fatalmente teria ocorrido sob a justiça brasileira. (Serra e FHC se mobilizaram a favor de Francis.)
Tudo que a justiça americana pediu a Francis foram provas. Ele não tinha. Diante da possibilidade de uma multa que o quebraria, ele se aterrorizou e morreu do coração.
No Brasil, Ayres Britto – autor de um absurdo prefácio num livro de Merval – acabou com a Lei da Imprensa quando era do STF, e deixou a sociedade sem sequer direito de resposta e exposta a arbitrariedades e a agressões de quem tem muito poder e pouco escrúpulo em usá-lo.
Para as empresas de mídia, foi mais uma vantagem entre tantas outras. Para a sociedade, foi um recuo pavoroso: ela foi posta em situação subalterna perante a imprensa.
O bom jornalista Flávio Gomes, no Twitter, afirmou que Lula deveria processar Nunes.
Isso se ele pudesse processar nos Estados Unidos, e não no Brasil. Aqui seria simplesmente inútil: o processo seria usado freneticamente como prova de intolerância de Lula à “imprensa livre”, aspas e gargalhada.
E não daria em nada.
Melhor respirar fundo e seguir em frente, para Lula ou para quem enfrente tanta infâmia.
Mas isso não elimina o fato de que o texto é uma prova do primitivismo da mídia brasileira e da legislação que deveria colocar limites claros e intransponíveis.
Não fazer nada em relação a isso – debater limites como a Inglaterra —  é um caso de lesa pátria.

Veja e Augusto Nunes provam quanto a sociedade está indefesa diante de agressões

Exatamente 11.206 leitores participaram da enquete que elegeu o título do livro que Lula deveria escrever para conseguir uma vaga na Academia Brasileira de Letras e, sempre na esteira de Fernando Henrique Cardoso, virar imortal de fardão. Com 6.078 votos (54% do total), o vencedor foi Rose e Eu: Casais inteligentes enriquecem juntos. Seguiram-se Beber, falar e tapear (2.806 votos), Cinquenta contos do vigário (1.362), A verdadeira história do Mensalão (834) e O assalto ao trem-bala (135). Paralelamente, o timaço de comentaristas esbanjou criatividade em mais de 200 sugestões publicadas no post que apresentou a enquete. Confira a lista de 55 títulos selecionados pela coluna e escolha o seu preferido. Ou sugira outros.
50 tonéis de pinga
A mão que balança o copo
A Megera Cor de Rose
A mudinha e o falastrão
A Terra é quadrada
A Volta ao Mundo em Oito Anos
ABC do Mensalão
Ali Babá e os 40 ministros
Ali Babão e os 40 mensaleiros
Ali Mollusco e seus 40.000 ladrões
Amor nos tempos do Collor
As Viagens de Lúliver
Assalto ao Banco Central
Cem Anos Só de Ladrão
Como parar de trabalhar aos 29 anos e ficar milionário
Crime sem castigo
Curçu di aufabetisassão di adultus – Si eu aprendi, vosseis pódi tamém
Dom Casburro
Dom Corlulone
Ensaio sobre a roubalheira
Ensaio sobre a Segueira
Éramos 6 – 6mil creches, 6 mil casas, 6 mil médicos cubanos
Eu não sabia
Eu sei o que você bebeu no verão passado
Guia politicamente incorreto da honestidade
Lulice no País das Falcatruas
Meu filho é um fenômeno
Meu filho, meu tesouro
Mil e uma noites com Rose
Minhas MÉmórias
O afanador nos campos de centeio
O Amante de Lady Roseville
O Bebum de Rosemary
O bleph
O Cachaceiro Viajante
O Discurso que Errei
O Grande Golpe
O homem que não sabia de nada
O homem que sabia de menos
O incrível exército de Lula Mensaleone
O menino do MEP
O nome da Rose
O planeta dos larápios
O santo poder da bala Juquinha
O triste fim de Lulacarpo Silvaresma
O velho e o bar
O vendedor de ilusões
Pai Milionário, filho biliardário
PT Rico. País Pobre
Sarney e Eu
Sem corrupção não há solução
Só sei que nada sei
Trair e roubar é só começar
Vim, vi e sumi
Vim, vi, venci e sumi

O extremismo dos médicos


O mais equipado posto de saúde é apenas um hotel de luxo sem a presença de um médico. Uma simples garagem pode ser um consultório razoável se contar com um médico para atender quem precisa de seus serviços.

No início deste ano, centenas de prefeitos – quase a metade dos municípios do país – tiveram um encontro em Brasília com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha. O boletim da Frente Nacional dos Prefeitos resumiu o espírito do encontro na manchete da edição de maio:

“Prefeitos cobram do ministro da Saúde ações para a contratação de médicos estrangeiros”

Não é só. Um abaixo assinado de apoio à contratação de médicos recebeu o autógrafo de 2.500 prefeitos, que governam quase a metade das cidades brasileiras – e só não evoluiu para um número maior porque a Frente concluiu que já havia atingido um número suficiente para uma demonstração de força.

Não é surpresa, assim, que a cerimônia de lançamento do programa Mais Médicos, ocorrida no Palácio do Planalto, ontem, já tenha entrado para a história do governo Dilma Rousseff como um episódio relevante de seu mandato. O Palácio do Planalto estava cheio e em boa temperatura. Os aplausos que acompanharam diversos discursos não eram 100% ensaiados nem pura bajulação, como sempre ocorre nessas horas. Refletiam uma preocupação dos prefeitos do país, responsáveis -- na ponta -- pelo funcionamento de um sistema de saúde pública conhecido por ótimas intenções mas resultados nada empolgantes. Para quem ainda não entendeu como a política funciona na vida real, ali estava a demonstração dos vasos comunicantes entre as várias esferas da administração pública, indispensáveis para que um projeto de interesse universal e alcance amplo possa dar certo. Quem rastrear a história do Bolsa Família irá descobrir que este imenso programa de distribuição de renda só deixou o plano das utopias e entrou na vida real de 12 milhões de famílias depois que foi assumido pelas prefeituras.

Este antecedente indica que o Mais Médicos pode funcionar, pois responde a uma necessidade real, mas não é garantia de nada. O apoio dos prefeitos é um ótimo ponto de partida, mas o Planalto terá de aprovar sua medida provisória no Congresso, derrotando diversos adversários do plano, tanto aqueles que respondem a razões políticas e ideológicas, como aqueles que já procuram pescar nas correntezas ainda turvas da sucessão presidencial – e tentarão criar dificuldades para o governo de qualquer maneira.

Mas a necessidade óbvia de atender à saúde da população mais pobre pode criar condições para um debate bem sucedido, capaz de deixar claro para os adversários que o desgaste pela oposição ao projeto causará um prejuízo nada compensador aos olhos da maioria do eleitorado. 

Não tenho formação nem condições de entrar num debate detalhado sobre as mudanças anunciadas pelo governo, ontem. Como linha geral, elas representam uma tentativa de dar novas prioridades na formação e tratamento dos médicos brasileiros. Além de poucos médicos em relação ao número de brasileiros, o Brasil tem médicos formados de acordo com as conveniências do mercado privado de saúde, que procura especialidades mais rentáveis e mais promissoras para suas respectivas carreiras – mas que nem sempre são aquelas que atendem às necessidades da maioria da população.

Chamado a administrar imensos recursos públicos envolvidos na formação de um médico – o cálculo é de R$ 800.000 per capta – o governo coloca-se no direito de definir para onde vai encaminhar seus doutores e suas prioridades. Você acha errado?

Eu não acho. Em nosso sistema, os governantes são eleitos justamente para fazer isso.

O errado seria manter aquilo que está aí.

A crítica das entidades médicas ao projeto já passou de uma postura racional. O centro de suas críticas se concentra na contratação de médicos estrangeiros, o que só seria um argumento a ser ouvido a sério se nossos doutores estivessem brigando por postos de trabalho para si ou para outros profissionais – brasileiros -- fora do mercado. Poderiam ser acusados de corporativismo. Mas não. Eles não querem as vagas que o governo oferece e também não querem que elas sejam ocupadas por médicos estrangeiros.

O resultado prático de sua postura é impedir que milhões de brasileiros tenham acesso ao atendimento – mesmo precário, em muitos casos – que poderiam receber. 

É uma atitude nociva, do ponto de vista social, e errada, como opção política. Eu vivia na França quando a extrema direita de Jean Marie Le Pen fez sua aparição na cena política. Seu movimento tinha um conteúdo racista e violento, mas é bom reconhecer que o discurso não excluía o estrangeiro. Dizia, apenas, que os franceses deveriam ter prioridade sobre os estrangeiros. Não se proibia argelinos nem marroquinos de ocupar empregos que os franceses não desejavam – em linhas de montagem na indústria, por exemplo – nem se queria impedir que tivessem acesso ao serviço social. A bandeira do Front National era pela preferência. Ele dizia: “os franceses em primeiro lugar.”

Nossos médicos têm uma postura mais extrema. Dizem “nunca” para os estrangeiros, exigindo que sejam aprovados num tipo de exame, Revalida, que contém dificuldades jamais oferecidas aos médicos brasileiros para formar-se no país.

O argumento de que não basta contratar médicos - é preciso investir em infraestrutura, medicamentos e outras melhorias - fala de uma questão real, mas de modo falacioso.

Se todos esses investimentos são bem-vindos e necessários, é óbvio que não se pode resolver todos os problemas criado por um histórico de passividade e abandono como se fosse possível tirar um coelho da cartola.

É absurdo negar que a simples presença de um médico numa localidade onde não existe um único profissional de saúde já faça uma diferença decisiva, como reconhece qualquer cidadão que já andou pelo interior do país. O mais equipado posto de saúde é apenas um hotel de luxo sem a presença de um médico. Uma simples garagem pode ser um consultório razoável se contar com um médico para atender quem precisa de seus serviços.

O debate começou. 

Paulo Moreira Leite

Centelha: Não sei se a Dilma poderia ter tido mais habilidade política

[...] se deveria ter maturado melhor sua Medida Provisória, criado um grupo de trabalho cheio de notáveis para construir uma proposta etc. O certo é que as ruas têm pressa. 
Betinho uma vez falou que a fome não pode esperar. E a apendicite supurada, a eclâmpsia, a pneumonia dupla, etc.... Essas podem?
Com toda a brigalhada que a MP Mais Médicos produziu, quanta coisa veio à tona! Discutiu-se o modelo de saúde pública da Inglaterra e o de Cuba; descobriu-se que na Inglaterra o formando de Medicina é "obrigado", tadinho, a trabalhar no National Health Service; compararam-se números de médicos por habitante, investimento percentual do PIB, ou em dólar per capita, no Brasil, nos países desenvolvidos, e em desenvolvimento. Divulgou-se que um em cada cinco municípios brasileiros, aproximadamente, tem zero médico para atender seus doentes. Verificou-se que há menos médicos estrangeiros atendendo no Brasil que em todos os outros países do mundo, exceto talvez a Coreia do Norte. Aventou-se a hipótese de que haja muitos desvios de recursos públicos que o Governo Federal destina a Estados e Municípios. Circularam inúmeros depoimentos sobre a penúria extrema de recursos dos hospitais e postos de saúde pública nos grotões, e até nos grandes centros. Alguém lembrou a extinção da CPMF. Ah, e descobrimos que os médicos brasileiros são visceralmente contrários à contratação de médicos estrangeiros, nem que seja para trabalhar onde eles próprios não querem ir.
Algumas reflexões dispersas:
1 - Médicos brasileiros dificilmente irão trabalhar de livre e espontânea vontade em Conceição do Deusmelivre, cidade imaginária de 5 mil habitantes situada a 600 quilômetros da metrópole mais próxima. Isso, mesmo que lá exista um hospital de primeiro mundo com todo o equipamento possível. Conceição do Deusmelivre, recapitulemos, não tem shopping, não tem bons restaurantes, não tem Internet, nem cinema, nem teatro, nem salão de beleza. Os médicos brasileiros só irão trabalhar lá se puderem ficar por no máximo uns 2 anos, ganhando muuuuito bem, e de quebra recebendo bônus suculentos para concursos públicos disputadíssimos.
2 - Médicos estrangeiros talvez simplesmente não queiram ficar, também. Alguém já pensou nisso? Os cubanos, pode ser que topem. Portugueses e espanhóis... duvido.
3 - Se os formandos brasileiros forem obrigados a completar sua graduação trabalhando em Conceição do Deusmelivre (dois anos! ou quem sabe só um ano! a negociação está aberta...),  eles poderão: a) fazer a clínica possível nas condições existentes por lá; b) aprender alguma coisa de Medicina preventiva e de Família; c) relatar, como parte de sua rotina de trabalho, à CGU e outros órgãos competentes, as condições do equipamento de saúde pública disponíveis em Conceição do Deusmelivre, bem como sinais de desvios de verbas (facilmente perceptíveis nos sinais exteriores de riqueza ostentados por políticos locais). Pode ser interessante; d) tecer algum laço de solidariedade com os moradores de Conceição do Deusmelivre - brasileiros que esses estudantes, por sua posição social, muito provavelmente desconhecem: não fazem a menor ideia de como vivem, ou se fazem, não estão nem aí...   

Sonegação da Globo: Pig silencia

Tem recebido pouca atenção – na verdade, nenhuma – na grande imprensa a história do processo da Receita Federal contra a Rede Globo por sonegação. Mas blogs e internautas têm dado grande repercussão ao caso, trazendo novas informações e revelações quase diariamente.


O caso foi revelado pelo blog O Cafezinho. Mesmo com o silêncio da imprensa, toda essa movimentação nas redes obrigou a Rede Globo a divulgar uma nota sobre o assunto, negando as acusações que vem recebendo.



A história tem episódios muito curiosos e ainda nebulosos. Para começar a entender a história, sugiro a leitura do post “A mecânica de um crime imperfeito”, que o Tijolaço levou ao ar hoje. Lá, está a cronologia dos principais acontecimentos em torno do processo.



O caso inclui ainda o gravíssimo desaparecimento do processo na Receita Federal. Uma funcionária da própria Receita foi condenada pelo crime. Mas até agora não se esclareceu a mando de quem ela agiu. E os papéis continuam desaparecidos. O blogueiro Rodrigo Vianna conta o que se sabe até agora desse episódio.



Viomundo também traz detalhes sobre o desaparecimento dos documentos. 

Diante da repercussão, o Ministério Público soltou uma nota sobre o assunto. Mas a nota abriu mais uma série de dúvidas. Veja aqui quais são elas.


E também merece leitura atenta o material que o Cafezinho publicou com as primeiras páginas dos documentos referentes ao processo. O blog conseguiu isso por meio de uma fonte. Segundo o blog, nos documentos, aparecem alguns novos nomes usados pela Globo para realizar a fraude detectada pela Receita Federal nas Ilhas Virgens Britânicas. Um deles é Globo Overseas Investment.
José Dirceu

Tramoia de "300 picaretas" ameaça o plebiscito

Por Breno Altman, especial para o 247
A decisão do colégio de líderes da Câmara dos Deputados, anulando a possibilidade de convocação de consulta popular imediata sobre reforma política, faz de célebre música dos Paralamas o hino do momento. “Luiz Inácio falou, Luiz Inácio avisou, são trezentos picaretas com anel de doutor”, diz a letra famosa. Formou-se, afinal, maioria conservadora entre os parlamentares para impedir que o povo enterre um sistema político apodrecido e antidemocrático.
O fato é relevante para entender o que se passa com o país. Eleita através de mecanismos que se apoiam no poder econômico e nas relações clientelistas, a maioria dos deputados não representa partidos ou programas. Compõe-se de porta-vozes de grupos que financiam suas campanhas, além de dedicarem o principal de suas energias para garantir a renovação de mandatos. De quebra, uns e outros não perdem a oportunidade para colocar algum no bolso.
Afirma-se, em tese corretamente, que o parlamento expressa a vontade média e heterogênea da cidadania. Essa assertiva, porém, tem pouca validade quando os filtros estruturais do sistema estão construídos para diluir o enfrentamento político-ideológico, transformar os partidos em colchas de retalho, estabelecer o mandato como instrumento de lobby e amarrar os eleitores com as cordas dos benefícios paroquiais.
Não é à toa que, apesar do eleitorado ter conduzido um partido de esquerda ao governo federal por três vezes consecutivas, os ventos de mudança não afetaram seriamente a correlação de forças nas duas casas do Congresso. Ainda sobrevive, nessa instituição, um bloco político majoritário que funciona como esteio parlamentar da plutocracia.
A administração petista, com erros e acertos, há dez anos trata de negociar, no interior da ordem estabelecida, a formação de alianças que permitam a implantação de seu programa reformador. Muito se avançou, aos trancos e barrancos, mas quaisquer mudanças estruturais são barradas pelas fileiras predominantes do conservadorismo e da fisiologia.
Os exemplos são muitos. O imposto sobre grandes fortunas, na última tentativa de implementá-lo, naufragou com menos de 150 votos a favor, em 2003. Não se aprova a emenda contra trabalho escravo. O marco regulatório da internet está parado há dois anos e corre-se o risco de ser aprovada a criminalização de conteúdos sem determinação judicial.
Pressionado pelas ruas, o Senado aprovou a demagogia de considerar corrupção um crime hediondo, mas derrubou projeto que diminuía o número de suplentes e impedia que parentes ocupassem a vaga do titular. Pura hipocrisia. Um símbolo de que, de todas as reformas de base necessárias, a que mais resistência encontra no parlamento é a política.
Agora foi a gota d’água. A resolução capitaneada por Henrique Eduardo Alves e Eduardo Cunha, caciques do PMDB, partido da base aliada, empareda o governo entre as ruas e o Congresso. A estratégia de construir governabilidade sem mudar as instituições está se exaurindo, e leva junto boa parte da popularidade acumulada nos anos anteriores.
Se a presidente, o PT e a esquerda não forem capazes de romper o cerco, repactuando com os movimentos sociais e pressionando o parlamento de fora para dentro, será real e imediato o perigo de definhamento do projeto político guindado ao Planalto no alvorecer do século.
Há uma ruptura entre a vontade popular e o sistema político, manifestada claramente nas jornadas de junho e nas pesquisas subsequentes. A aceitação sem luta do cambalacho contra o plebiscito, sem explicitar aos cidadãos qual é e onde está o ovo da serpente, eventualmente constituiria erro de proporções avassaladoras.
Amanhã, dia 11 de julho, as greves e mobilizações pela pauta dos trabalhadores e pelo plebiscito serão ensaio decisivo para o grave momento que se vive. Não deveria ser, no entanto, um instante fugaz. As forças progressistas dependem de uma escalada das ruas para disputar hegemonia e abrir processo constituinte que aprofunde a democracia, varrendo a resistência dos trezentos picaretas sobre os quais Luiz Inácio avisou.

Dilma anunciou transferência de 3 bilhões para os municípios

A presidenta Dilma Rousseff anunciou hoje quarta-feira (10), durante discurso na XVI Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios, que o governo federal vai transferir R$ 3 bilhões aos municípios para que possam prestar serviços de melhor qualidade à população. Os recursos serão liberados em duas parcelas: a primeira, em agosto deste ano, e a segunda, em abril de 2014. A presidenta disse aos prefeitos que o governo federal é parceiro dos municípios para encarar os problemas e buscar soluções.
“Primeiro, eu quero afirmar para vocês mais uma vez que o governo federal é parceiro para enfrentar problemas e encontrar soluções. É nesse quadro de parceria, de busca de soluções e de sensibilidade para a situação que muitas prefeituras vivem que eu quero fazer alguns anúncios. O primeiro anúncio diz respeito a uma questão que é muito importante para vocês, principalmente nesse momento em que seremos exigidos a melhorar os serviços públicos do país. Nós sabemos que saúde e educação é investimento, mas é custeio. Por isso, o governo federal vai transferir R$ 3 bilhões como ajuda aos municípios”, anunciou.
Na área da saúde, Dilma anunciou mais R$ 600 milhões por ano para o Piso de Atenção Básica (PAB) e reafirmou a importância do Pacto pela Saúde, que levará mais médicos para as periferias das grandes cidades e os pequenos municípios, além de disponibilizar recursos para a construção, reforma e compra de equipamentos para postos de saúde, Unidades de Pronto Atendimento e hospitais. Dilma pediu aos prefeitos que sejam parceiros do programa para que governo federal e municípios possam juntos melhorar progressivamente o atendimento à população.
Serão repassados, de acordo com a presidenta, R$ 4 mil mensais a mais para a manutenção de postos de saúde e custeio das equipes de saúde nos municípios. Caso a equipe seja composta por profissionais de saúde bucal, haverá um acréscimo no repasse de R$ 2 mil a R$ 3,9 mil.
Dilma anunciou ainda mudanças no Minha Casa, Minha Vida para que todas as cidades com menos de 50 mil habitantes possam participar do programa e oferecer moradia aos seus habitantes.
“Todos os municípios abaixo de 50 mil habitantes podem acessar o programa Minha Casa, Minha Vida e oferecer a população da sua cidade o sonho de realizar a casa própria. (…) Nós não vamos mais deixar que haja seleção. Todos os municípios podem executar o programa Minha Casa, Minha Vida. Num primeiro momento, tem 135 mil moradias disponíveis, com valor que chega a R$ 4,7 bilhões”, afirmou Dilma.