Carta aberta as pessoas privilegiadas
Menos de si
José Angelo gaiarsa fala de um conceito muito importante: o de que a pele é o limite físico do eu. uma metáfora real, física e eficiente dos limites do eu psíquico.
Por sermos tão fracos quanto ao conhecimento de nossa própria pele - por uma falta absoluta e cultural de toques e carícias - , não temos plena consciência desse limite. tanto física quanto psiquicamente.
Um parêntese meu: somos a única espécie que acaricia animais de outras espécies sistematicamente. não é comum na natureza um urso acariciando um antílope, por exemplo. comportamento social e neurótico fruto de nossa carência de toque certamente. no entanto, somos cheios de dedos quanto a algo tão simples quanto ao abraçar os outros.
Como consequência de não saber o limite do eu, voltando às palavras do gaiarsa, é comum que facilmente saiamos de nós mesmos.
É daí que vem a expressão "sair de si".
Se eu não sei onde eu começo e onde eu acabo, saio de mim e projeto meus sentimentos, desejos, medos e expectativas - coisas que pertencem só a mim e dizem respeito só a mim e a mais ninguém - nos outros.
Ultimamente, quando alguém tenta interferir em algum aspecto de minha vida ou sempre que eu sou convidado a interferir no modo de agir de outro (sempre que tenho a felicidade de estar atento quanto a isso), mostro a pele de minha mão.
- Está vendo isto aqui? isto aqui é minha pele. pra dentro dela, sou eu. Pra fora dela, é outra coisa.
|
A "Sustentabilidade" de Baybayrina é devastadora
Lembra a fábula de Esopo, "As Árvores e o Machado":
"Um lenhador foi até a floresta pedir às árvores que lhe dessem um cabo para seu machado. As árvores acharam que não custava nada atender ao pedido do lenhador e na mesma hora resolveram fazer o que ele queria. Ficou decidido que o freixo, que era uma árvore comum e modesta, daria o que era necessário. Mas, assim que recebeu o que tinha pedido, o lenhador começou a atacar com seu machado tudo o que encontrava pela frente na floresta, derrubando as mais belas árvores. O carvalho, que só se deu conta da tragédia quando já era tarde demais para fazer alguma coisa, cochichou para o cedro:
"Foi um erro atender ao primeiro pedido que ele fez. Por que fomos sacrificar nosso humilde vizinho? Se não tivéssemos feito isso, quem sabe viveríamos muitos e muitos anos!"
A moral da história não poderia ser mais sinistra:
"Quem trai os amigos pode estar cavando a própria cova".
Fábio Cristovão - Cabral e Paes são 2 palhaços.
As cenas de sexo do filme, reais, cruas e comoventes, chocaram muita gente. Você se surpreendeu com o escândalo?
- Chéreau: Fiquei, sim, chocado pela reação das pessoas que se chocaram. Acho bastante puro que os dois personagens se deem mutuamente amor. Isso é belo de ver. Não acho isso particularmente excitante. Acho que emociona, o que não é a mesma coisa. Em momentos em que as pessoas veem sexo chocante, como, por exemplo, quando ela o chupa - o que é chamado por essa palavra horrível: "felação" - vejo, ao contrário, a mais bela prova de amor. Os críticos dizem: "Ela faz uma felação nele". Mas nem todas as mulheres fazem isso num homem. Se não se é uma prostituta e se faz, é porque se ama realmente esse homem, é um verdadeiro ato de amor. Na mesma cena, ele quer fazê-la gozar, e ela recusa, diz que não é preciso. Isso também não se vê com frequência. Isso não é sexo; é amor. O mal-entendido está no fato de que os jornalistas viram pornografia nas partes em que mais vejo o amor, no filme. O mal-entendido é total. As descrições que foram feitas do filme não são fiéis. Elas refletem, infelizmente, as fantasias das pessoas que escreveram sobre o filme. Trata-se, talvez, de um mal-entendido obrigatório. O filme é novo no sentido de que não é casto e também não é pornô. Talvez esteja numa categoria um pouco inabitual. Mas não é um filme escandaloso. É uma pena tudo isso, mas não me tira o sono. Não me preocupo, porque meus filmes se valorizam com o tempo. Terei uma carreira póstuma magnífica.
- Patrice Chéreau sobre seu filme Intimidade. do livro de Fernando Eichenberg/Entre Aspas.
Realidade e enigma
São muitas as razões pelas quais eu sempre inseri o fantástico em meus filmes: a primeira é que eu creio profundamente em um mundo não paralelo, mas onipresente: somos cegos em relação ao mundo em que vivemos, que é quase fantástico. Não gosto de empregar certas palavras como “espírito”, “deus”, porque acho que as realidades às quais elas se referem são intraduzíveis em palavras. Sempre fico embaraçado quando se trata de empregar essas palavras, mas é verdade que eu tenho esse lado e em todos os meus filmes, se não há um elemento fantástico, há pelo menos um elemento enigmático, como se a gente nunca pudesse estar seguro de nada, e que, fundamentalmente, nunca soubesse o que é realidade.