Mensagem dá hora

A vida passa rápida.
Viva em paz.
Ame, hoje!
O amanhã pode não vir.

Ariano Suassuna: Amo a vida. Odeio a morte!

A cachorra morreu. Cumpriu sua sentença. Encontrou-se com o último mal irremediável. Aquilo que é a marca de nosso estranho destino sobre a Terra. Aquele fato sem explicação que iguala tudo que é vivo, que só rebanho de condenados. Porque tudo que é vivo, morre...
Chicó em O Auto da Compadecida

IDH: O Brasil continua melhorando

Foi divulgada nesta quinta-feira (24) mais uma edição do Relatório de Desenvovimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). A boa notícia é que o Brasil continua subindo no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). O país chega ao 79° lugar com um índice de 0,744 e passa a média da América do Latina (0,74) e do mundo (0,702).

O Índice de Desenvolvimento Humano é composto por três elementos: saúde, educação e renda. Na saúde, mede-se o índice de longevidade; na educação, são levados em consideração a média de anos de educação de adultos e a expectativa de anos de escolaridade para crianças na idade de iniciar a vida escolar; e , no que tange à renda, mede-se a Renda Nacional Bruta (RNB) per capita. O Brasil está entre as nações com elevado desenvolvimento humano. Quanto mais próximo de 1, mais elevado é o IDH.

Além do aumento do IDH e da elevação do posicionamento no ranking global, o índice de pobreza caiu 22,5% em seis anos. O número de brasileiros com privação de bens caiu de 4% para 3,1% e a proporção de pessoas em situação de pobreza severa passou de 0,7% para 0,5%. Esse quadro coloca o Brasil como um dos países que mais diminuiu o déficit de IDH no mundo, com uma média de crescimento superior à da América Latina, por exemplo. Não há dúvidas que esse é o reflexo da profunda transformação pela qual o país vem passando nos últimos 12 anos de governo de Lula e Dilma.

Em entrevista coletiva, Tereza Campelo (ministra do desenvolvimento sociaol e combate à fome) e Artur Chioro (ministro da saúde) ressaltaram ainda que o crescimento do índice só não foi maior porque os dados considerados pelo PNUD não foram os mais atualizados. De acordo com os dados mais recentes do governo com relação a 2013, o índice passaria para 0,764, e estaríamos em 67º lugar no ranking.

Aecioporto: Quem sai aos seus não degenera, diz o ditado

por Fernando Brito, no Tijolaço

Ficamos sabendo, pelo Estadão, que a pista de terra que antecedeu o aeroporto asfaltado feito com dinheiro público para levar Aécio Neves à sua fazenda, no Município de Cláudio também foi feita com dinheiro público.

Mais precisamente com dinheiro que Tancredo Neves transferiu do governo de Minas para seu cunhado (e prefeito) Múcio Tolentino abrir a pista de terra que havia antes ali.

E que o Ministério Público Estadual em 2001, pedindo o bloqueio de bens  do titio Múcio – inclusive da fazenda do aeroporto desapropriada–, entre outras acusações, por dano ao erário, o que não estaria prescrito.

Será que o netinho –  em 2001 já com 40 anos e novo chefe do clã – não sabia disso, quando mandou desapropriar aquele terreno?

Aécio pode encomendar pareceres jurídicos até de Rui Barbosa, se quiser.

Não há o que esconda que cometeu um ato imoral, como governador.

Mas é pior ainda que o ato de Tancredo, praticado numa época em que se era muito mais leniente com os benefícios pessoais dos atos dos governantes.

É que Tancredo foi muito mais econômico.

Gastou perto de 50 mil dólares para fazer seu aeroporto particular, que é a quanto correspondiam, em 1983, os Cr$ 30 milhões repassados ao tio-avô de Aécio.

Aécio gastou 8 milhões de dólares no seu aeroporto.

O Fiat Elba virou Ferrari.

Leia a matéria do Estadão:

Pista de terra de aeroporto também teve verba pública

Marcelo Portela

Belo Horizonte – O aeroporto da fazenda que pertenceu ao ex-prefeito Múcio Guimarães Tolentino, tio-avô do senador e presidenciável Aécio Neves, já era alvo do Ministério Público muito antes de o tucano destinar R$ 13,9 milhões do governo mineiro para construir ali uma pista de asfalto. Múcio é réu em ação de reparação de danos ao erário por ter usado verba pública, também do governo mineiro, para abrir uma pista de terra batida no local em 1983.

A partir daquele ano o então governador, Tancredo Neves, avô de Aécio, fez repasses para a prefeitura de Cláudio, então dirigida por Múcio, seu cunhado. O dinheiro, cerca de Cr$ 30 milhões, foi usado na fazenda do próprio Múcio para a construção do aeroporto com pista de terra batida.

Em 2009, quando Aécio era o governador, o Estado de Minas voltou a investir na fazenda. Desapropriou o terreno do aeroporto e injetou R$ 13,9 milhões na construção de uma pista de asfalto no local. O aeroporto ainda não tem autorização da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para funcionar, mas, segundo relato de um parente de Aécio, o candidato à Presidência pelo PSDB já pousou e decolou dali várias vezes.

Aécio, suas irmãs e sua mãe também têm uma fazenda em Cláudio. Ela fica a cerca de 6 quilômetros do aeroporto. As chaves de acesso à pista ainda estão nas mãos da família de Múcio, que contesta o valor de R$ 1 milhão oferecido pelo Estado de Minas pela desapropriação da área. Aécio nega que tenha havido irregularidades nas obras, mas ainda não esclareceu se utiliza ou não a pista quando vai a Cláudio.

Ação. A ação civil sobre o repasse de verba pública para a construção da pista de terra foi apresentada pelo Ministério Público Estadual em 2001, pedindo o bloqueio de bens de Múcio – inclusive da fazenda do aeroporto –, a quebra de sigilo bancário e a condenação do ex-prefeito por improbidade, além do ressarcimento de danos. Os pedidos foram atendidos, mas, segundo o Tribunal de Justiça de Minas, a maior parte das acusações já prescreveu. A exceção é a reparação de danos ao erário, pena que ainda pode ser imposta a Múcio.

Segundo o Ministério Público, a obra foi feita sem licitação, por meio do convênio 971/83, firmado entre Tancredo e Múcio. Conforme a promotoria, o "dinheiro estadual para construção do Campo de Aviação veio pela ordem da autoridade de Tancredo de Almeida Neves, governador do Estado neste período", e o convênio, assim como o depósito e a execução da obra, foi feitos "sem participação ou fiscalização da Câmara de Cláudio".

A ação relata que vereadores do município tentaram buscar a documentação relativa ao caso e constataram que os recursos foram pagos à Construtora Brasil S/A, mas não houve prestação de contas dos juros da conta, que não aparecem nos extratos de pagamentos e duplicatas relativos ao convênio.

'Acordo verbal'. O Ministério Público relatou ainda que, ao prestar depoimento sobre o caso, Múcio disse que tinha um "acordo verbal" com Tancredo para que a área do aeroporto fosse posteriormente desapropriada. "Apurou-se, assim, pelas versões de Múcio Guimarães Tolentino, que o campo de aviação foi usado pelo finado Tancredo de Almeida Neves, junto com sua comitiva, e que várias outras pessoas e políticos usaram o campo de aviação", diz trecho da ação civil.

O processo mostra também que vereadores de Cláudio tentaram "negociar amigavelmente" com Múcio para que ele passasse o aeroporto para o município, mas o ex-prefeito se negou.

Múcio não foi localizado para comentar o caso.

Em sua página no Facebook, Aécio negou que a ação contra o tio-avô interfira no processo de desapropriação iniciado por seu governo em 2008. "Uma coisa não tem nada a ver com a outra. A ação civil pública solicita a devolução dos recursos públicos investidos na pista de terra no município. É um processo diferente, que se arrasta já há 13 anos e pode durar ainda muitos mais", escreveu o candidato à Presidência.

Em nota, o governo mineiro disse que, no pedido de desapropriação da área, foi citada a existência da ação contra Múcio. "O imóvel será registrado em nome do Estado, independentemente do andamento da ação."

Papo de homem

A autencidade e o exemplo imperfeito de Oscar Wilde

Dos três elementos de estética de que tratei (expressão, presença e horizonte), ligados aos três critérios éticos (caráter, virtude e felicidade), os primeiros (expressão e caráter) estão conectados com a ideia de autenticidade.

A autenticidade é, portanto, um pré-requisito para a formação das heurísticas da economia da atenção (os critérios e metacritérios que usamos para nos embrenhar no mundo dos fenômenos cognitivos internos e externos).

“Seja você mesmo, os outros já foram cooptados.”

– Oscar Wilde

Um movimento da virada de século XX, o esteticismo, de onde ainda batem hoje as ondas da “arte pela arte” e tantos outros conceitos mais ou menos claramente vinculados com a fonte, teve como grande expoente o gênio da ironia fina aforística, a elusiva wit (traduzida como “espirituosidade”), Oscar Wilde.

Wilde é uma figura interessante para nossa era “pós-pós” como típico da modernidade já se deparando com aspectos e tensões da pós-modernidade. Seu principal romance, O Retrato de Dorian Gray, lida com as questões estéticas da duplicidade, isto é, a falta de autenticidade.

O esteta, na sua qualidade quixotesca, já ridicularizada na época de Wilde, assume seus ideais como valores naturalmente acima e intocáveis pelas configurações sociais. A barganha faustiana aqui segue na mesma velha dicotomia céu/inferno, antevendo o “inferno são os outros”; e, também, “o céu são as minhas prerrogativas”, no caso de Wilde, “meu ideal de beleza”, não corrompido por qualquer moral.

Beleza desvinculada de ética que ganha, hoje, a dimensão além do pertencimento, a preocupação não só com aqueles que escolhemos (como próximos, como queridos), mas principalmente para com aqueles que desprezamos, desconhecemos ou aparentemente não têm “nada a ver conosco” — embora para o esteticista, os mores particulares da classe alta britânica fossem mais o alvo do que essa visão mais atemporal e neutra da ética.

Também por isso, é extremamente complexo entender a vida de Wilde em nosso contexto atual. Eu, como ele mesmo, reconheço sua vida como uma tragédia e consigo admirar a obra, ainda que veja a arte e vida de forma diametralmente oposta a Wilde. Isso pode ser assim porque, a meu ver, um dos aspectos da “arte pela arte” do estetismo curiosamente se “purifica” da ausência explícita de visão ética, por um motivo bastante abstrato: a arte pela arte no seu ápice não venderia ou propagandearia a noção de “arte pela arte”; não ideologizando, deliberadamente evitaria a propaganda, até mesmo de si própria. Exporia o artista nu em sua contradição. Bom, quem dera.

A contradição em Wilde tem a ver com a autenticidade.

A homoafetividade muitas vezes foi (embora seja cada vez menos) uma das maiores fontes de duplicidade, obviamente porque surge em tensão com as expectativas da cultura. Ora, para qualquer tipo de outsider — deliberado ou não –, o inferno é, em grande medida, de fato os outros.

Porém, na cabeça vitoriana, e na cabeça de Wilde, moral e — seria adequado dizer aqui “opção sexual”? A configuração, digamos assim, do foco dos desejos do indivíduo (tendo ela uma dimensão deliberativa ou não) –, enfim, “esse segundo aspecto”, eram naturalmente conflagrados. Afinal, ética e os mores da sociedade britânica, como de praxe, eram aglomerados na perspectiva vitoriana — isto é, não havia noção de mores universais, ou valores éticos além dos costumes (o que etimologicamente soa um contrasenso mesmo).

Em certo sentido, há várias dimensões morais (éticas) na sexualidade: há o consentimento, há consequências biológicas (doenças, prole) e sociais (laços, contratos, expectativas) — mas na nossa cabeça pós-pós, homossexualidade simplesmente não é mais uma questão moral. Isso é coisa de moralidade prescritiva religiosa, tradicional, assim vemos.

Dois adultos consensuais fazem o que querem, tenham o gênero que tiverem: essa é nossa visão ética. Se ambos tiverem tesão, mas acreditarem na Bíblia, azar o deles — não temos nada a ver com as opções míticas das pessoas. Tire as patinhas daí, não venha me julgar de acordo com seus mores mórmons…

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Claro, há quem ainda mantenha que a homoafetividade é uma infração ética de algum tipo (como há gente em religiosidade medieval) — mas há duas categorias aí: os que acham que ela é imoral e são contra ela, e os que acreditam que ela é imoral e são contra noções de moral de qualquer tipo! Assim, teoricamente, era o esteta, o decadente, na era vitoriana. A dimensão moral permanecia, ela só era desafiada.

Pode parecer que tergiverso — podemos ser inautênticos ou dúplices de infinitas formas, e a homossexualidade na época vitoriana é apenas um exemplo dramático, e feito mais dramático ainda em se tratando de alguém tão preocupado com a autenticidade quanto Wilde. Poderíamos estar falando de alguém que segue uma carreira por pressão da família, ou do adolescente que finge gostar da música que o alvo de sua azaração admira.

Ou podemos falar do “desespero contido” das classes médias, do espalhafato do novo rico, da vergonha da pobreza, ou do falso contentamento do “dinheiro velho”… há duplicidade entre amigos, entre colegas e nos casais — e principalmente no Facebook dos momentos bem filtrados, e onde até os gritos por ajuda surgem como ironia.

Em qualquer âmbito, é possível perder o caráter, não estar ciente de si próprio e do outro, e resvalar para uma situação em que é difícil “escolher” (ou se aceitar em) uma forma de aparição.

Porque Oscar Wilde não é visto hoje exatamente como um mártir dos direitos civis homossexuais? Porque ele, por uma série de razões, muitas delas bastante compreensíveis, fracassou profundamente em ser autêntico. Como Dorian Gray, ele levava a vida de um esteta e um criminoso — por mais que nós entendamos que não era abominável em sua homoafetividade, para ele mesmo isso ainda não era claro, como o comportamento dele atesta.

Parte do problema é a confusão, própria da época, entre moralidade e esse sentido de sexualidade, sensualidade, estética, arte. Ora, Wilde e os outros estetas pregavam uma total separação entre ética e estética. O que se queria dizer com isso? Que a arte não servia para nos dizer como agir, não servia a um fim didático, não devia proselitisar, fazer propaganda. O que soa até muito bem. Mas ao que ela serve? Ela serve apenas para provocar sensações, de deleite ou de outros tipos. E talvez aí nisso haja certa limitação.

O seguinte trecho de transcrição do tribunal incriminou Wilde:

Charles Gill (advogado de acusação): O que é o “amor que não ousa dizer o próprio nome”?

Wilde: “O amor que não ousa dizer o próprio nome” neste século é um afeto de um um homem mais velho por um jovem, como o que existia entre Davi e Jonatas, como o que Platão tinha como a própria base da filosofia, e como o que está nos sonetos de Shakespeare e Michelangelo, e aquelas duas cartas de minha autoria, do jeito que são.

Neste século esse amor é incompreendido, tão incompreendido que pode ser descrito como o ‘amor que não ousa dizer o próprio nome’, e devido a ele que estou nessa situação aqui agora. É belo, é refinado, é a forma mais nobre de afeto. Com relação a ele não há nada que não seja natural.

É intelectual, e surge frequentemente entre um homem mais velho e um mais jovem, quando o mais velho tem intelecto, e o mais jovem tem tem toda a alegria, esperança e glamour da vida pela frente. Que ele seja assim, o mundo não entende. O mundo o ridiculariza, e algumas vezes nos coloca no pelourinho por causa dele.”

Sensação ou abstração? A quem pertence o eufemismo? Wilde disse tudo que era necessário para incriminá-lo. Se ele houvesse mentido de forma mais clara, até mesmo isso seria mais autêntico. Ele escolheu uma meia verdade que foi suficiente para a corte: não era nem bem verdade, nem foi prático.

Um mundo ideal como um balão desvinculado de tudo: das ignorâncias, dos sofrimentos, da própria verdade do quarto. Só algo com a aparência de sinceramente belo, mas que não diz nada a não ser o que, alas, a corte queria (e simultaneamente não queria!) ouvir. Pura sensação.

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O esteticismo também está associado, ou até pode ser mesclado com, o decadentismo e o simbolismo. O Retrato de Dorian Gray esfregava homoerotismo na cara do vitoriano — havia certa afetação sensacionalista em tratar do tema de uma forma simultaneamente tão direta e tão velada.

E não estou dizendo que a grande obra era isso, ou que isso sequer diminua seu valor: mas era também isso. Lorde Byron e seus excessos, Baudelaire e suas flores malvadas e paraísos artificiais, Aleister Crowley e o bad boy como sensação dos tabloides: mesma coisa. Esse é o nascimento do outsider como anti-herói, do rockstar.

Parte do estetismo era viver a arte, e isso incluía a afetação de ser uma celebridade, de causar comoção por não estar nem aí para o que os outros pensam, isto é, no fim se encontrando na verdade muito aí para o que os outros pensam.

Wilde foi, portanto, vítima (além de um tempo e espaço particular) do próprio jogo perigoso que jogava. Nunca admitiu (na época, publicamente) a própria homossexualidade como mais que platônica, mas definhou na cadeia por ela. Ora, se queria ser um mártir, começar uma causa que nem mesmo publicamente existia ainda, se é que a figura do gay (ou instância qualquer LGBT) ativista moderno pudesse existir na época, ele não teria cometido perjúrio, apenas escancarado que o amor dele era puro e físico.

Mas não, ele não queria essas coisas, preferiu mentir que praticava a veadagem dos anjos, sem genitais. Confessou amar homens, mas só lá no santuário platônico: não quis entrar nos detalhes da chuca.

Stephen Fry como Oscar Wilde, na cinebiografia “Wilde” (1997). Fry é homossexual, brilhante e autêntico. Seu documentário sobre a própria bipolaridade “Secret Life of the Manic Depressive” é bem interessante
Stephen Fry como Oscar Wilde, na cinebiografia “Wilde” (1997). Fry é homossexual, brilhante e autêntico. Seu documentário sobre a própria bipolaridade “Secret Life of the Manic Depressive” é bem interessante
Talvez isso não fosse uma opção, contemporizo, embora fosse: era só ir viver na França — apenas que a graça, para esse irlandês, era chocar os ingleses. Mas não foi só ele quem sofreu pela dança estética perigosa da ironia de seus escritos e de seus ideais “estéticos” (e desculpas): sua mulher e filhos, e seus parceiros também sofreram degradação social e econômica. E não foi tanto a homossexualidade ou as meias-verdades que causaram o sofrimento: foi essencialmente a húbris, que sustentou toda essa duplicidade.

Em certo sentido, Wilde foi autêntico ao ideal quixotesco do esteticismo: ele simplesmente não acreditava que uma corte fosse escrutinar os detalhes da sodomia em meio ao decadentismo dândi das tiradas sofisticadas, em meio aos tão elevados ideais da arte como valor absoluto (e a palavra “ideal” aqui é até mais-que-platônica, é o ideal dos ideais, a aesthesis desvinculada de causa e efeito, um mundo totalmente a parte das questões humanas e temporais, a não ser para as menosprezar e ridicularizar — húbris ao quadrado).

A duplicidade está em reconhecer a tensão entre o público e o privado e a usá-la para os próprios fins: Wilde confiava que a homoafetividade podia ser pública, se fosse platônica, ainda que não fosse de fato em privado. É uma forma peculiar de “don’t ask, don’t tell”.

Mas o que é ser autêntico a uma fabricação, a um sonho que inevitavelmente acaba por se tornar o que explicitamente evita ser, uma prescrição, uma propaganda? E, pior, qualquer neopentecostal mais literato vai encontrar na vida e na obra de Wilde moralzinha para boi dormir: “olha só no que deu… e ele ainda encontrou Jesus na cadeia.”

Já toquei um pouco no assunto em meus textos sobre teleologia (“Breve ruminação hiperbólica de alguns clichês teleológicos” e “Mais sobre teleologia: o gênio/demônio“, que se conectam aos aspectos de horizonte e felicidade, mencionados no início do texto em relação aos dois grupos de valores tríplices de estética e ética que preconizo), mas a tensão entre o individuo enquanto construto de fora para dentro e enquanto construto de dentro para fora (“nature vs nurture”), exatamente o conflito de Dorian Gray. O cerne do problema wildeano também no tribunal da sua vida cotidiana, é a questão da autenticidade.

Em outras palavras, retomando o daimon socrático e a vocação cristã, o que realmente somos não é totalmente determinado por deliberação e questões internas, mas sim é um reconhecimento da relação destas com as circunstâncias do mundo (representados pelo “chamado” a se ser o que se é, seja por uma entidade externa, no caso do teísmo cristão, seja por o que for o que seja um “daimon”).

Nossa cultura, com uma motivação econômica deturpada, nos doutrina a acreditar que somos seres plenamente deliberativos, isentos. Porém, na verdade somos tão condicionados por hábitos ocultos que não somos sequer capazes de reconhecer o que seria efetiva liberdade — pensamos que somos livres e, assim, não achamos nada de estranho em estarmos algemados.

Em nosso sonho de seres plenamente deliberativos, acreditamos que podemos nos construir como quisermos — “o que você vai ser quando crescer?”, os adultos brincam de nos perguntar, eles mesmos lidando com os papéis que lhes couberam em suas vidas de adultos. E não estamos só falando em carreira, há a cena famosa de Annie Hall em que as crianças falam como adultos descrevendo seu passado: “eu era viciado em heroína, daí fiquei viciado em metadona”.


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O Wilde anacrônico diria “eu era uma sensação, gênio, popular e chique… daí acabei sacaneando todo mundo ao meu redor, apodreci na cadeia e morri doente e pobre em exílio”. Somos o que conseguimos ser, mas em geral nem temos clareza dos nossos potenciais, tanto pelo lado de os idealizarmos quanto por os menosprezar.

Enquanto isso, toda nossa experiência de clicks e compras parece plenamente deliberativa. “Eu dou like no que eu quero” — mas será que é assim?

(E aqui eu abro um parêntese enorme: homossexualidade e deliberação. O progressismo atual é contra a ideia de qualquer grau de deliberação na homoafetividade, mas me parece que isso é assim apenas por que é a forma de combater as ideias abstrusas de naturalismo da ala do teísmo prescritivista homofóbico — ser “criado gay”.

Porém, o quanto há de deliberativo na homossexualidade, fora dessa discussão, é difícil dizer. Em todo mundo possível, eliminando as bobiças da gente do livro tribal dos judeus, não há nada de particularmente positivo ou negativo em algo ter elementos deliberativos, ou mesmo ser “antinatural” — seja lá o que isso quer dizer num mundo não teísta –, porque não há deus a desafiar ou mos tribal universal.

Sem dúvida os defensores das noções de espectro de orientação e gênero hão de convir que há espaço para aqueles que gozam com a artificialidade e em desafiar mores, ou que pelo menos o homoerotismo deliberativo é uma possibilidade. Pela dimensão de contravenção moral decadentista, que talvez Wilde reconhecesse, ela continha deliberação. Mas essa é outra discussão, uma vez que pouco importa se um aspecto ou outro é dado ou deliberado, o que importa é como se pode ser autêntico em meio a isso).

Ao contrário do curioso produto do puritanismo vitoriano, que no seu ápice intelectual sonhava um mundo sem a pressão da sociedade ignorantona, daquela gente simplória e de mau gosto que não entendia nada de “amor grego”, o nosso ápice intelectual sonha uma sociedade auto-organizada, igualitária e acolhedora — espelhando nosso autorreconhecimento como seres isentos e justos, “automaticamente livres”.

Você conhece alguém que não se ache isento e justo? Dá para começar a desconfiar de autenticidade, e entender que há autoengano em massa. Se o autoengano é o que há de prevalente no mundo, daí a autenticidade ser rara.

E o mesmo tipo de tensões vitorianas ainda estão, em certo sentido, presentes: talvez não a “guerra da cultura” (que já foi vencida, por mais que a gente ainda tema a “bancada evangélica”, ou possam haver retrocessos circunstanciais), mas a da construção do eu como fruto de si mesmo e da cultura entrelaçados, e não um tumor na cultura ou a esquizofrenia das pressões da legião.

No seu exemplo mais microscópico, isso se espelha nos extremos da pessoa que fere pelo candor — por não respeitar circunstâncias, e simplesmente “dar a real” avassaladoramente — e da pessoa com a fala totalmente ensebada, que nunca menciona o “elefante na sala”. Há espaço para o candor, e há espaço para o eufemismo e para a fala estratégica: da mesma forma a autenticidade não é o irrascível independente ególatra, e tampouco o almofadinha superajustado.

Há um equilíbrio, um ponto ideal de moderação, entre adaptação, pertencimento e visão estratégica, por um lado, e rompimento, pensamento fora-da-caixa e espontaneidade, por outro.

Figuras trágicas como Wilde ou Sócrates, em suas imperfeições, e em suas amostragens de um período e dos problemas humanos vividos em um período, são importantes por vários motivos. Um deles é o exemplo, óbvio, mas que não é para ser seguido em nenhum tipo de simetria, uma vez que o custo em termos de sofrimento pode ser bastante desnecessário — bem como espelhar e interpretar circunstâncias tão diferentes não ser exatamente fácil.

Eles são ainda mais interessantes como amostras de aspectos da autenticidade, em particular de como é difícil ser autêntico, e que custos se aproximar da (nem vamos dizer conseguir) autenticidade pode acarretar.

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… Eu queria comer do fruto de todas as árvores no jardim do mundo … E assim, na verdade, eu segui, e assim que eu vivi. Meu único erro foi que eu me limitei exclusivamente às árvores do que me pareceu ser o lado ensolarado do jardim, e evitei o outro lado por sua sombra e melancolia.”

Em De Profundis, Oscar Wilde reconhece que tudo que aconteceu com ele não foi culpa de mais ninguém.

EDUARDO PINHEIRO
Diletante extraordinário, ganha a vida como tradutor e professor de inglês. É, quando possível, músico, programador e praticante budista. Amante do debate, se interessa especialmente por linguística, filosofia da mente, teoria do humor, economia da atenção, linguagem indireta, ficção científica e cripto-anarquia.


Luis Nassif: Mercadante analisa o derrotismo da mídia e as chances de Dilma

Na campanha de Dilma Rousseff, a argumentação econômico-financeira está sendo elaborada pelo Ministro-Chefe da Casa Civil economista Aloizio Mercadante.
Aqui vai um resumo de uma conversa de mais uma hora com Mercadante.
A cobertura da Copa
Mercadante invoca a cobertura da Copa pelos jornais para reforçar a tese de que parte da responsabilidade pela quebra das expectativas empresariais decorreu de uma cobertura terrorista da imprensa e do fato de esconder os pontos positivos do país e que, nesse período, a economia se robusteceu.
Pede que se compare a cobertura da mídia pré-Copa e os resultados alcançados.
No Palácio do Planalto foi montada uma super-sala de situação, em que todos as pessoas envolvidas com a Copa acompanhavam o que estava sendo feito em tempo real, através de telões, com imagens monitoradas por GPS.

 Até hoje não há noção clara sobre o que foi o feito de organizar a Copa.
Foram construídas algumas das maiores obras de mobilidade urbana nas principais capitais, como a Transcarioca, no Rio, ou a BRT no Distrito Federal.
Houve um aumento de 69 milhões de passageiros/ano nos aeroportos. No dia da inauguração, o maior destaque da imprensa foi uma goteira em um deles. No dia da inauguração do Itaquerão, o destaque foi a falta de sabonete em um dos banheiros.
A segurança mobilizou 157 mil homens, responsáveis pela escolta de 54 chefes de estado e personalidade em geral e de todas as seleções. Tudo sem um problema relevante.
 Na sala de situação estava a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) monitorando o setor elétrico; a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) monitorando a saúde; a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) monitorando a telefonia; Polícia Federal, Rodoviária, Exército, Aeronáutica, Marinha (patrulhando os estádios em capitais litorâneas) monitorando a segurança. E toda essa gestão sendo feita em tempo real, com imagens em GPS de todas as seleções, imagens aéreas de todas as rotas por onde iria passar.
Todos esses preparativos foram ignorados pela mídia, que criou um clima de terror até começar a Copa. Não reconheceram a competência do Estado brasileiro e projetaram uma imagem falsa de gestão.
É desse paralelo – entre a cobertura da Copa e a cobertura das políticas públicas – que Mercadante se vale para explicar o clima pessimista que se implantou no país.
Da tempestade perfeita à inflação do tomate
Esse mesmo modelo de cobertura distorcida foi aplicada na economia e contribuiu para derrubar o estado de espírito dos empresários.
Nos últimos anos foram criados os seguintes fantasmas:
 1. A “tempestade perfeita”.
Imaginou-se um cenário de alta de juros nos Estados Unidos e de queda nos preços internacionais de commodities que levariam inevitavelmente a uma crise cambial brasileira. O país protegeu-se com reservas de US$ 380 bilhões e, agora, com um acordo de contingência reserva no novo banco dos BRICs. Não houve tempestade alguma
2. O descontrole da inflação. expresso no terrorismo com a chamada inflação do tomate.
Jornais e TV chegaram a produzir matérias comparando o momento atual com o da hiperinflação. Houve problemas de seca, de quebra de safras, choques de commodities mas a inflação continuou dentro da meta. As prévias deste mês mostram a inflação cedendo.
3. Apagão do setor elétrico com a crise hídrica.
Há uma seca corroendo o semiárido nordestino há dois anos e meio. Em cima disso, levantou-se o fantasma do “apagão”. Não levaram em conta que nos últimos onze anos o país construiu 11 mil km de novas linhas de transmissão e ampliou de 80 gwh para 132 gwh a capacidade de geração. Não houve apagão. As térmicas seguraram e , para tanto, houve um aumento de custos. Como o sistema é regulado, as distribuidoras poderão reajustar suas tarifas nas datas definidas em contrato.
4. A crise hídrica de São Paulo criando um novo cenário de imprevisibilidade.
Segundo Mercadante, ao lado dos fatores midiáticos, há elementos reais explicando a crise.
O maior deles seria a segunda etapa da crise mundial, com o PIB norte-americano refluindo, a Europa e a Rússia patinando e a Argentina enfrentando problemas. No fim do ano passado, o próprio Banco Mundial projetava um crescimento dos países desenvolvidos, que acabou não acontecendo.
A retração do crédito, devido ao enquadramento nos acordos de Basileia.
Essa queda ocorreu em todo mundo, prejudicando o desempenho da economia mundial. E obriga a uma discussão interna: qual deverá ser o ritmo de enquadramento dos bancos brasileiros às regras de Basiléia 2?
O que seria um governo Aécio
Segundo Mercadante, haveria duas diferenças essenciais entre o estilo Dilma e o chamado estilo PSDB de administrar a crise.
A primeira, da maneira como ambas as políticas impactariam a população. No governo Dilma o social é o objetivo estratégico, em um governo tucano, não. “A grande diferença é que viemos para distribuir renda, fazer inclusão social e criar um mercado de consumo de massa”., diz ele.
Diferentemente da Europa, que está desmontando o estado de bem estar social, o Brasil está mantendo o nível de quase pleno emprego, renda, crescimento dos salários, maior distribuição da história do Brasil e pela primeira vez os pobres não pagam o custo da crise.
Muitas das medidas fiscais visaram esse mesmo objetivo, diz ele. A desoneração da folha de pagamento foi para preservar o emprego.
Esse é o verdadeiro debate, diz ele. “Se (equipe de Aécio) querem tratamento de choque, digam o que vão fazer. Vamos fazer o debate verdadeiro”.
A diferença entre o tratamento gradualista – do governo Dilma – e o de choque – do governo FHC – está expressa na própria taxa Selic. No governo Dilma, bateu no teto de 11,5%. Em 2002, fim de governo FHC, estava em 45%.
Em 2002 o desemprego saltou para 11,7% e a informalidade para 51,6%; hoje o desemprego está em 4,9% e a formalização em 67,6%.
A segunda diferença está no uso das estatais. Os bancos públicos foram essenciais para ajudar o país a superar a crise de 2008, garantindo o crédito à economia.
Já o principal porta-voz econômico de Aécio, Armínio Fraga, defendeu publicamente a privatização do Banco do Brasil e da Petrobras.
Sabendo das limitações de um Ministro em analisar o trabalho de outro, poupo Mercadante de perguntas sobre os erros da gestão Guido Mantega.
Os desafios da economia
Mercadante reconhece a prioridade de aumentar a competitividade.  Mas diz que o caminho está aberto.
Nas áreas de educação e inovação aponta para a massificaçãoo do ensino superior e do ensino técnico, os 7,5 milhões de matrículas na Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego. Institucional), 1,4 milhão no Prouni (Programa Universidade para Todos), 1,6 milhão no FIES (Financiamento Estudantil), os 85 mil alunos do Ciência Sem Fronteiras.
“Estamos tentando mostrar que é possível compatibilizar responsabilidade fiscal com políticas de renda e inclusão social”, diz ele.
Na infraestrutura, aposta na aceleração dos investimentos a partir de 2015.
O governo brasileiro acaba de receber uma proposta da China, para ima ferrovia ligando o Atlântico ao Pacífico, a Transoceânica, com 5.300 km de extensão, ligando o brasil ao Peru, com túneis de 19 km nos Andes, podendo transportar até 55 milhões de toneladas de grão por ano, reduzindo em 30 dólares por tonelada exportada.
A ferrovia entraria no Peru pelo Acre encontrando a Norte-Sul. O projeto já está em fase de detalhamento.
As eleições e o déficit de informação
Segundo ele, o início do horário gratuito será plenamente favorável a Dilma Rousseff. Os jornais esconderam os principais temas, diz ele. O eleitor não sabe do 1,7 milhão de moradias do Minha Casa Minha Vida.
Chama atenção para dois temas: Pronatec e ENEM. Segundo ele, o ENEM é o segundo tema mais discutido na Internet do país, segundo dados do Google; e o Pronatec é o sétimo. E nenhum dos dois merece acompanhamento da mídia.
Uma evidência disso, segundo ele, estaria no fato de que FHC em 1998 e Lula em 2006 (ambos candidatos à reeleição) chegaram ao início do horário gratuito em posição inferior à da Dilma. O grande salto foi com o início da campanha na televisão aberta.
Nas ultimas eleições Dilma teve 10 minutos diários contra 7 de José  Serra e 1,40 da Marina
Agora tem 11,48, Aécio 4,30 e Eduardo 1,50.
Rebate as supostas popularidades de Eduardo Campos em Pernambuco e Aécio em Minas. Em Pernambuco, Armando Monteiro (da oposição) conta com 43% das intenções de voto; e em Minas Gerais Fernando Pimentel lidera em todas as pesquisas.

Boa tarde!

Porque o bom da vida eh sempre compartilhar momentos bons com quem nos quer bem.
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Melhor ainda compartilhar a vida com quem nos ama tambem.