Dessa crença brotaram os créditos ‘ninja’, concedidos a tomadores sem renda, sem emprego e sem garantias.
O chute no escuro empurrou todos os jogadores ao buraco negro das subprimes, em 2008.
O Santander foi, na Espanha, um dos titãs da ciranda que legou ao país o maior encalhe de imóveis do mundo e um desemprego só inferior ao grego.
Em 2011, atolado em hipotecas micadas, jogou a toalha: anunciou uma moratória de três anos sobre o principal, em troca de receber pelo menos o juro dos mutuários espanhóis empobrecidos.
Em 2012, quando a corda apertava seu pescoço na Europa, o presidente do banco, Emilio Botín, aterrissou no Brasil.
Disse que o país era a sua ‘maior prioridade no mundo’: daqui saíam 30% do lucro global do grupo.
Em setembro de 2013, estava de volta.
Depois de reunir-se com a Presidenta Dilma Rousseff, anunciou: ‘Queremos participar ativamente do milionário Plano de Aceleração do Crescimento e financiar uns US$ 10 bilhões em projetos de infraestrutura . O Brasil tem se consolidado como uma grande potencia
regional e global, com instituições sólidas e um sistema financeiro muito consolidado’ (EL País; 13/09/2013).
Dez meses depois resolveu lançar extratos bancários consorciados a panfletos eleitorais contra o ‘risco Dilma’.
A memória curta do Santander em relação ao país está em linha com a memória curta da mídia conservadora em relação à origem ‘da crise de confiança’ cujo fato gerador não apenas persiste , como ensaia um novo pico explosivo.
Fatos.
Dos mais de US$ 25 trilhões despejados no sistema financeiro dos EUA desde 2009, para mitigar o caixa rentista, apenas 1% ou 2%, no máximo, chegaram aos lares assalariados, na forma de crédito e financiamento.
O que avulta, ao contrário, é uma explosão irracional dos preços da papelaria financeira sem lastro na riqueza real --a mesma doença pré-2008:
Na zona do euro, onde o Santander é a maior instituição bancária, a desproporção entre a valorização dos ativos (títulos, ações etc) e a curva do emprego e do consumo, replica a dança na boca do vulcão.
Estima-se que nos EUA grandes corporações tenham uns US$ 7 trilhões queimando em caixa. Liquidez ociosa à procura de fatias da riqueza real para uma transfusão de lastro.
Com a economia internacional flertando com a estagnação há seis anos, novas bolhas especulativas engordam no caldeirão.
A Facebook, por exemplo, acaba de pagar US$ 19 bilhões (8% de seu próprio valor) por uma startup, a WhatsApp.
Para que o negócio justifique o preço terá que duplicar sua base de usuários para 1 bilhão.
Com o dinheiro barato irrigado pelo Fed, grandes corporações norte-americanas tomam recursos a juro negativo para recomprar as próprias ações.
O artifício permite bombar balanços sem incrementar a produção.
Estima-se que mais de US$ 750 bilhões de dólares foram utilizados nessas operações em 2013.
Outra evidência da fuga para frente do capital fictício é a súbita procura por bônus de economias reconhecidamente cambaleantes.
Casos da Grécia, Espanha e Portugal, por exemplo.
Os lanterninhas do euro lançaram emissões no mercado financeiro este ano e conseguiram captar bilhões a juros baixíssimos.
Rincões cada vez mais improváveis faíscam aos olhos da sofreguidão especulativa.
A última ‘descoberta’, a África, vê pousar fundos primos dos abutres que acossam a Argentina. Tão aventureiros quanto, compram emissões de Estados acuados por guerras e conflitos étnicos.
A ideia é receber pelo menos uma parte da remuneração indexada a juros cinco a seis vezes acima do custo de captação nos EUA; depois cair fora.
É nesse ambiente camarada que o Santander resolveu reforçar a lobotomia em curso no imaginário brasileiro.
Fomentar a crise de confiança é a pedra basilar de um mutirão eleitoral para escancarar as comportas que permitam ao capital ocioso avançar por aqui, como se o país fosse um banco de sangue complacente à transfusão requerida pela especulação global.
Estamos falando de um alvo de cobiça com população equivalente a dos EUA nos anos 70. E uma renda pouco superior a 1/3 daquela dos norte-americanos nos anos 30.
Com uma distinção não negligenciável: a distribuição no caso brasileiro é melhor que a dos EUA então, atropelado por uma taxa de desemprego que chegou a 27% em 1937.
O Brasil vive perto do pleno emprego; tem população predominante em idade produtiva; um potencial de demanda ainda não atendida e recursos estratégicos abundantes, a exemplo do pré-sal.
Nada sugere que estamos diante dos ingredientes de um fracasso, como aquele vaticinado dia e noite pela rede ‘Brasil aos cacos’.
A curetagem conservadora, porém, pode anular a alma de uma nação -- se conseguir convencê-la a rastejar por debaixo de suas possibilidades históricas.