por Carlos Chagas
Depois de estar perdendo no primeiro tempo, o presidente Lula virou o jogo e ganhou a partida, nas planícies do Irã. Se vai conquistar o campeonato, fica para depois, mas a vitória foi tão promissora quanto surpreendente.
O país dos aiatolás negou mas acabou aceitando fazer na Turquia a troca de combustível nuclear. Mandará 1.200 quilos de urânio de baixo enriquecimento e receberá, no prazo máximo de um ano, 120 quilos enriquecidos a 20%, sob supervisão da Agência Internacional de Energia Atômica.
Resta saber se a comunidade das potências nucleares abandonará a postura de má-vontade, aceitando o acordo capaz de evitar sanções econômicas já preparadas há meses. Em uma semana o Conselho de Segurança das Nações Unidas decidirá.
Indaga-se qual a tática utilizada pelo presidente brasileiro para dobrar a intransigência do presidente Ahmadinejad. Não terá sido pela promessa de financiar um bilhão de euros para o Irã importar nossos alimentos. Nem soja, nem arroz, nem jaboticabas conseguiriam tanto. Mais provável é que o Lula tenha lembrado ao anfitrião a sombra iminente de uma conflagração que o Brasil não teria condições de evitar. De qualquer forma, registrou-se sucesso onde o fracasso parecia certo, depois de 18 horas de diálogo ininterrupto em Teerã, de domingo para segunda-feira.
Há quem desconfie que os iranianos conseguiram ganhar tempo, persistindo na intenção de fazer a sua bomba atômica, pois mantiveram a disposição de não aceitar que suas usinas nucleares sejam fiscalizadas.
O episódio revela algumas novidades, além da evidência de que o Brasil entrou com sucesso nas negociações do clube das nações influentes do planeta. Não fosse a ação do presidente Lula e o impasse continuaria, próximo até de uma ação militar dos Estados Unidos contra o Irã.
Mas tem mais. Ficou claro que a Turquia, aceitando enriquecer urânio iraniano, também dispõe de condições para fazer sua bomba atômica, ainda que seu governo tenha assinado todos os tratados de não proliferação de armas nucleares e não demonstre estar trabalhando em silêncio.
Também é óbvio que o Irã, podendo dispor de 1.200 quilos de urânio para enviar à Turquia, terá muito mais do que o dobro em seus arsenais.
Outra conclusão a tirar refere-se à postura das potências nucleares: continuarão arreganhando os dentes para o governo de Ahmadinejad, lembrando a fábula do lobo e do cordeiro, ou descobrirão que debaixo da pele deste permanecem garras e presas daquele?
Em suma, tratou-se do mais arriscado lance de nossa política externa, nas últimas décadas. Desde que o general Ernesto Geisel assinou o acordo nuclear com a Alemanha e rompeu tratados militares com os Estados Unidos que não se via coisa igual. E permanece, no fim das contas, aquela velha pergunta: se eles podem, porque não podemos nós?
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