Todos os observadores da política nacional concordam em considerar que a oposição deverá se reinventar após às eleições.
A reflexão sobre o futuro da oposição faz sentido, na medida em que ninguém considera factível ela sair vitoriosa após o pleito de outubro.
A maioria dos analistas, porém, focam mais nas prováveis lideranças que emergirão da oposição e poucos atentam para às bases políticas dessa reestruturação.
Bolívar Lamounier, um dos “pensadores” ligados aos tucanos, afirma hoje que o centro político sumiu e acusa o PT de ter instalado o confronto (entrevista no Estadão). Se essa visão dos fatos prevalecer no balanço que a oposição fará de sua provável derrota, seguramente que ficará longe “o entendimento da política como uma arena de diálogo, debates sobre as diferenças, onde o outro é apenas um adversário que pensa diferente, não um inimigo a liquidar”.
Esse desejo, expressado por Lamounier, é a cortina de fumaça com a qual José Serra se proclamou candidato. Ele faz parte do discurso oficial da oposição, mas encobre uma prática radicalmente contrária.
A campanha eleitoral serviu para por a nu essa contradição. A escolha do candidato pela oposição, já embutia o mesmo método expresso nessa contradição.
Como já diz alguém, na prática, a teoria é outra.
O que os eleitores se aprestam a sancionar abrumadoramente é a duplicidade da oposição. O candidato é a encarnação dessa duplicidade e sua campanha eleitoral foi a apoteose dessa dupla linguagem.
Sejamos claros, a vitória da candidata do governo estava inscrita como muito provável, perante os bons resultados do governo percebidos pela nação, quase que unanime. Um presidente com 80% de ótimo e bom e só 4% de ruim ou péssimo, não é produto de marketing e sim de resultados concretos constatados na vida de cada um. Ainda mais quando o país é testemunha da oposição descarada que vários médios de comunicação realizaram contra o governo, sem qualquer restrição a suas pregações.
Mas a oposição transformou o favoritismo da candidata do governo em tsunami em favor de Dilma, tentando incarnar ao mesmo tempo uma coisa e seu contrário. Procurou um estelionato eleitoral e perante o manifesto fracasso da tentativa, partiu para o confronto mostrando seu verdadeiro visagem de ódio e intolerância. Criou ela mesma o pior cenário, onde ficou exposta sua nudez ideológica, programática e ética.
Até seus apoiadores mais contumazes reconheceram de público que a tentativa de travestimento ficou escancarada.
Mino Carta diz que Serra virou bode expiatório. Eu diria que ele foi o demiurgo do fracasso. Ele configurou a oposição a sua imagem e semelhança. Melhor dito, ele foi o escolhido por representar de forma mais concentrada e acabada no que se configurou como o espaço político da oposição. Uma força de direita, fantasiada de centro.
Quem melhor que Serra para encarar essa fantasia, a mesma, diga-se de passagem, que presidiu a vitória de FHC em 1994.
Como diz alguém, a história se repete duas vezes, mas a segunda como farsa.
O remake abortou.
Em favor da primeira versão que obteve êxito de público e crítica, tínhamos o fato indiscutível de uma formação política surgida no campo do centro-esquerda, o PSDB. A ilusão, para alguns, que uma socialdemocracia podia existir ao margem do movimento operário e encarnar o progresso, em um país de desigualdade tão marcante. Essa primeira experiência foi até certo ponto conclusiva, o PSDB passando a encarnar a representação da burguesia paulista aliada ao coronelismo político. A experiência ficou marcada pelas privatizações, os escândalos e a estagnação. Um governo de direita, com discurso neo-liberal, afirmando ser a representação do centro político e até certo ponto tendo conseguido ocupar esse espaço.
Estava presente, ao mesmo tempo, um travestimento político provocado pelas relações de forças eleitorais no país. A direita podia estar governando, era com um discurso de centro e até de centro-esquerda que ela se apresentava aos eleitores. Essa ambiguidade era um manto protetor para encobrir a realidade, e quando se está no poder pode funcionar até certo ponto.
Quando se procura representar uma alternativa de oposição, a persistência desse jogo ambíguo só teria êxito se o espaço do centro estiver vazio ou se o governo tivesse fracassado aos olhos da maioria do país.
Ambas às condições inexistem. O governo do PT ocupou o espaço do centro e obteve um grande êxito na implantação de uma política social-democrática, conforme a verdadeira natureza do principal partido no poder, o PT.
A oposição agiu durante os oito anos amparada em um udenismo de fachada, que ocultava a ausência de rumo, de programa e de propostas. O udenismo é sempre um instrumento da direita para acoplar os sentimentos de setores médios, ao mantenimento do status quo da desigualdade e dos privilégios de uma minoria dominante. No caso, servia essencialmente para diferir qualquer definição maior, na espera do fim de uma parentese. Esse parentese não aconteceu.
Ironia do destino, aqueles que pretendiam acabar com a raça do PT, os que queriam dar uma surra no presidente, os que representavam a gestão ética frente aos desmandos, lutam para não serem engolidos pelo buraco negro que age sobre a oposição. São os Bornhausen, Virgílios e Arrudas da vida.
Inconformados com os resultados da própria política, pretendem que seu declínio representaria a vitória da mexicanização e o fim do pluripartidarismo e de toda oposição. Pretensiosos até na derrota, se arrogam para si mesmos o certificado de democracia, do qual excluem ditatorialmente todos os outros.
Mas nem toda a oposição embarcou nessa canoa furada. Não são todos os que hoje representam o amplo leque opositor, que parecem dispostos a sucumbir juntos com José Serra e prosseguir na linha de radicalismo e golpismo. Uma parte da oposição parece estar aguardando a abertura das urnas para proclamar uma especie de aggiornamento. Um setor continuará a se abrigar no guarda-chuvas do udenismo e a tratar o governo e particularmente o PT, como inimigos a serem esmagados e presos.
Essa diferenciação é o ponto de partida sadio de uma recomposição política. Ela parece inscrita nos próximos passos da oposição. A vitória de Dilma será, paradoxalmente, a melhor contribuição para o surgimento de uma oposição responsável, necessária para a construção de um Brasil moderno.
Se Serra conseguir levar para o segundo turno as eleições, na base do “terrorismo” udenista, estaremos ao contrário dando sobrevida ao impasse oposicionista.
A vitória de Dilma no primeiro turno permitirá mas facilmente à oposição fazer a limpeza necessária e renovar seu programa e sua prática política. Um segundo turno adiará uma redefinição necessária.
Uma parte do eleitorado da oposição já indica nas pesquisas que entendeu a necessidade de “sancionar” o rumo de seus lideres, mas ainda guarda confiança na capacidade da oposição para se reinventar. O favoritismo de Dilma em Estados como São Paulo, Minas e até Paraná, mostra isto. Os dirigentes da oposição que expressem esse movimento e o canalizem para uma oposição construtiva estarão preservando o futuro e contribuindo para o aprimoramento da democracia brasileira.
Brasil urgente precisa de uma oposição coerente, tanto quanto de um governo de continuidade e eficiente.
Desse ponto de vista, votar Dilma no primeiro turno é duplamente útil.
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