Eugênia Lopes – O Restadão
Convidado para ser um dos coordenadores da campanha da Dilma à Presidência da República, o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) considera uma “calhordice” a mistificação religiosa em torno do debate do aborto. Apesar de ter sido afastado da corrida presidencial por decisão do PSB, em acordo com o Planalto, Ciro garante não ter guardado ressentimento. “Eu sou um dos eleitores que potencialmente poderia ter votado na Marina por tudo que aconteceu. Não votei porque sou militante, meu partido tomou alinhamento”, afirma.
A Marina Silva surpreendeu ao obter 20 milhões de voto, acabando com eleição plebiscitária desejada pelo presidente Lula. Em sua opinião, de onde vieram esses votos?
A substância desse voto é ideológica, é progressista, é um voto exigente, que vota comigo. Eu disse várias vezes: se eu não for candidato, a Marina vai ficar com os meus votos. Ela ficou com parte importante deles, que é essa classe média, com escolarização alta, que percebe que o PT e o PSDB são iguais nas mazelas. São pessoas que não aceitam a redução da política a esse falso maniqueísmo. Percebem a contradição de um PSDB, que prometeu uma coisa e fez outra. E também que percebem a contradição de um PT que falava pela goela num moralismo exacerbado e agora, de vez em quando, manda uma notícia de um escândalo.
E esse voto vai para onde?
Vai para a Dilma. Não tenho a menor dúvida disso.
Não vai para o Serra?
Parte vai, mas a substância vai para Dilma. Se fosse para o Serra, teria ido no primeiro turno. As pesquisas que vão sair agora vão revelar uns 10 pontos de revanche da Dilma sobre o Serra.
O salto alto na campanha da Dilma atrapalhou sua eleição no primeiro turno?
Não é salto alto. Todos os institutos de pesquisa ficaram dizendo que a Dilma ganhou. E aí a gente faz realmente o quê? Eu digo na parte dos profissionais. O que acontece é o seguinte: toca a bola no meio de campo para não errar. Não responde ao ataque, não reconhece o crescimento da Marina. Não houve erro. Como se faz, se estão com 51% em um instituto, 52% em outro? Eu inovo, eu caio na provocação? Eu respondo aos boatos sujos, imundos, que dominaram a internet?
O senhor está se referindo a questão do aborto?
O pior é trazer para a luta política brasileira um homem como o Serra, qualificado, preparado, experiente, homem de valor, e o PSDB trazer em socorro de sua débâcle eleitoral a calhordice da mistificação religiosa. É grave para o País. O Brasil tem uma tradição que o mundo inteiro admira, que é a tolerância religiosa, é o Estado laico. Aí a imundície está tomando conta, essa coisa do ódio religioso, da intolerância trazida para a política.
A disseminação, principalmente na internet, de que Dilma seria favorável ao aborto atrapalhou a sua eleição em primeiro turno? Não acho. A Dilma falou com muita clareza que não é a favor do aborto. A questão é posta em si em termos calhordas, desonestos. Ninguém é a favor do aborto. Isso é um assunto da intimidade da mulher, da família, de seu conjunto de valores morais, éticos, religiosos e uma ação de saúde. Essa é a única discussão possível. O presidente da República tem zero poder nesse assunto. Só quem pode regulamentar esse assunto é monopolisticamente o Congresso.
Mas o assunto ficou…
A mãe da liberdade de imprensa é o Estado republicano laico. Os aiatolás, os talibãs e os seus afins não permitem a liberdade de imprensa, não permitem que as mulheres tenham liberdade. É isso que estamos querendo trazer para o Brasil? É violar essa conquista centenária do povo brasileiro, por oportunismo? Por que o PSDB, que nasceu para ajudar a modernidade do País, resolveu agora advogar o Estado teocrático? O Serra tem de dizer que, na República que ele advoga, primeiro falam os aiatolás, e aí os políticos resolvem o que os aiatolás querem que seja feito.
O senhor acha que o fato de o Lula ter feito criticas à imprensa influenciou negativamente na eleição de Dilma?
Aquilo foi gol contra. A imprensa como entidade é tão essencial à democracia como o ar que a gente respira. Isso não quer dizer que você não possa fazer um debate com o mérito deste ou daquele editorial. Eu, por exemplo, tenho grandes problemas com facções da imprensa conservadora brasileira. Mas amo e protejo os seus direitos. Quando o Getúlio Vargas se suicidou havia contra ele uma campanha violentíssima na grande mídia. Mas ele preferiu se matar do que atentar contra a liberdade da imprensa.
Mas por que o Lula tem esse tipo de comportamento de sempre querer cercear a imprensa?
O Lula nasceu e cresceu mal acostumado com as redações todas favoráveis a ele. E assume a Presidência e meio que replica as práticas conservadoras de manter esse imenso volume de dinheiro público financiando a grande mídia. Creio que ele esperava uma certa reciprocidade. Já devia ter aprendido que isso não vai existir jamais. Eu distingo uma linha editorial do Estado, que é um jornal sério, conservador, que tem seu lado, que tem seus valores. Eu respeito isso mais profundamente do que dois terços dos meus aliados. Respeito o jornal, a posição, a opinião, como respeito Aloysio Nunes Ferreira. Viva São Paulo, que elegeu Aloysio Nunes Ferreira.
Foi melhor do que eleger o Netinho?
Não vou dizer de quem ele é melhor. Vou dizer: viva São Paulo que elegeu Aloysio Nunes Ferreira. É um cara da política, de a gente discutir posições, um cara que tem uma linha. Dou muito mais valor ao Aloysio Nunes Ferreira do que dois terços dos meus aliados de hoje.
Que aliados? O PMDB?
Você que está falando.
O senhor é um dos coordenadores da campanha. O que deve mudar na propaganda eleitoral?
O programa eleitoral tem necessariamente de mudar porque agora ele terá uma dinâmica bipolar, todos os dias e dez minutos iguais. Você tem de politizar muito mais. Agora sim é um plebiscito. Temos de mostrar que há um projeto, que pegou o desemprego em 15% e está com 8%, que pegou a inflação em 24% e está em 5%. É um projeto que pegou o salário mínimo em US$ 76 e agora está quase US$ 300. Então é projeto contra a tentativa de volta daquele outro projeto. O único brasileiro que tem saudade do Fernando Henrique é o Serra.
Pouco antes de sua candidatura pelo PSB ser abortada, o sr. foi irônico e se referiu ao presidente Lula como o “santo Lula”.
Minha frase inteira é a seguinte: o Lula é um extraordinário líder político, mas não é um santo. Muitas vezes, acho que os bajuladores do Lula o tratam não como se ele fosse um extraordinário líder político, mas um santo a quem não deve se dar uma opinião negativa. Eu sou leal, parceiro, amigo do Lula há mil anos. Disso ninguém duvida. Agora, a forma de ser leal e amigo não é ficar bajulando, dizendo que está tudo maravilhoso. É dizer o que você pensa com franqueza. Ainda que você também possa estar errado. Quantas vezes eu já não errei?
O senhor ficou magoado com o fato de ter barrada sua candidatura à Presidência?
Mágoa não é a palavra. Fiquei triste para valer porque achei uma violência. Eu poderia ter votado na Marina por simpatia pessoal. Eu sou um dos eleitores que potencialmente poderia ter votado na Marina por tudo que aconteceu. Não votei porque sou militante, filiado a um partido, meu partido tomou alinhamento. Eu acho que o Serra é o atraso. Acho que essa aliança do PT com tudo que tem aí é uma contradição, tem muito problema, tem fadiga de material. Eu hospedaria o meu voto com muita tranquilidade no primeiro turno na Marina certo de que ela não ganharia. Ato contínuo eu votaria na Dilma, sem dúvida. Eu seria esse típico eleitor. As pessoas vão pensar um pouco.
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