Entrevista

"Democracia tem preço", Candido Vacarreza

Candidato a presidente da Câmara, o líder do governo defende a retomada das reformas constitucionais e afirma que não prosperarão iniciativas contra a liberdade de imprensa
O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza, petista da bancada paulista, é protagonista de um caso incomum de ascensão rápida em Brasília. Recém-eleito para o segundo mandato, ele é sério candidato à presidência da Casa. Seu principal adversário é o líder do PMDB, o potiguar Henrique Alves, que inicia em fevereiro a sua 11ª legislatura. Vaccarezza colheu seu primeiro sucesso como deputado ames mesmo de tomar posse oficialmente na Câmara. Logo depois de ter sido eleito em 2006, ele assumiu a articulação que levou o petista Arlindo Chínaglia (SP) ao comando da Casa. Foi tão exitoso que seus correligionários o apelidaram de “Toureza”. Baiano de nascimento, hoje com 55 anos, Vaccarezza integrou, nos anos 70, os quadros da Ação Popular, uma organização esquerdista na qual havia militado o ex•presidenciável tucano José Serra. Integrante do PT desde a fundação do partido, Vaccarezza estudava medicina quando imigrou para São Paulo em busca de especialização em ginecologia e obstetrícia. Antes de se mudar para Brasília, foi por duas vezes deputado estadual. Pai de três filhos e casado pela terceira vez, o parlamentar, agora, divide uma casa singela no Lago Sul da capital federal com um assessor, vime galinhas caipiras e quatro galinhas-d’angola. Bom garfo, ele diz não ter coragem de transforma-las em refeição. “E como se fossem da família”, explica.
Por que o senhor quer ser candidato à presidência da Câmara dos Deputados?
Além de mim, outros três deputados do PT aparecem como candidatos viáveis. São eles Arlindo Chinaglia e João Paulo Cunha, ambos de São Paulo, e Marcos Maia, do Rio Grande do Sul. Henrique Alves, do Rio Grande do Norte, líder do PMDB, é o único deputado fora dos quadros petistas que ambiciona a presidência da Câmara. Bem, a oposição já sinalizou que quer ver respeitado o princípio da proporcionalidade. Isso significa que o novo presidente da Câmara deverá mesmo ser do PT. Assim, acredito que eu seja hoje o mais representativo do consenso necessário para ocupar o cargo.
Mensaleiros, sanguessugas, desvio de dinheiro de passagens aéreas. É senso comum que a qualidade do Congresso é baixa, e nada indica que vá melhorar. O senhor concorda?
Quero separar os sanguessugas do episódio que ficou conhecido como mensalão. O mensalão envolveu dinheiro de caixa dois, e não recursos públicos. O caso está na Justiça. Minha avaliação é que a pena dos companheiros envolvidos nesse episódio é desproporcional ao tamanho do erro. Quero promover essa discussão. Já o processo dos sanguessugas envolve corrupção e desvio de dinheiro público destinado à compra de ambulâncias. O caso das passagens aéreas também foi ruim, mas tinha origem em prática que remontava à transferência da Câmara do Rio de Janeiro para Brasília, o que ocorreu há cinquenta anos. O presidente (da Câmara) Michel Temer (PMDB-SP) tomou providências para que esses abusos não se repitam. O Congresso não está piorando, e o ano de 2009 prova isso. No auge da crise econômica, o crédito internacional secou. Se não agíssemos rápido, muitas das grandes empresas brasileiras faliriam. O governo editou uma medida provisória que deu 30 bilhões de dólares em garantia a qualquer empréstimo externo. Aprimoramos e votamos r apidamente esse e muitos outros textos relevantes para o país.
O que fazer para recuperar a imagem dos deputados?
A imagem do Congresso é muito pior do que a realidade. Essa distorção pode ser consertada. Para isso, primeiro é preciso que a direção da Casa é não tenha compromisso com o erro. Um deputado que erra deve ser julgado e punido. Depois, não podemos permitir que falhas individuais cometidas por alguns comprometam a instituição do Parlamento. Em seguida, é vital que a Câmara retome seus mais nobres papéis, o de fiscalizador do Executivo, o de fórum de aprimoramento do arcabouço jurídico do país e, claro, o de palco dos grandes e definidores debates nacionais. Trabalho e desafios não faltam, e precisamos dar soluções que impactem positivamente a vida dos brasileiros. A mais óbvia e urgente, a meu ver, é desbastar a selva burocrática e jurídica formada por 183000 normais legais. Muitas são obsoletas, outras tantas redundantes e muitas colidem entre si ou com a Constituição. Nós devemos ao Brasil a solução desse imenso problema. O Parlamento também tem de tomar a iniciativa em outras questões de interesse geral. É o caso da melhoria da qualidade do ensino nas escolas públicas, com o alongamento da carga horária para, pelo menos, sete horas diárias. A Câmara não pode ser obstáculo às reformas tributária, previdenciária, política e trabalhista. Essa última é polêmica, e muita gente resiste até a discuti-Ia, mas sem ela o Brasil não conseguirá criar empregos formais em quantidade compatível com sua grandeza.
Como? Hoje, a folha de pagamento é onerada por obrigações que vão da multa de rescisão de contrato de trabalho às contribuições para o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). São custos tão altos que as empresas pequenas preferem manter os empregados na informalidade. É preciso desonerar a folha, apenas tomando cuidado para não atingir o financiamento do estado.
Esse tema é um tabu para a CUT, a Força Sindical e as outras centrais que apoiaram Dilma. Sei que o movimento sindical é contra qualquer mudança, mas a pauta sindical tem de mudar. O começo pode estar em questões que não apresentem impacto nos direitos trabalhistas. Por exemplo, vários dispositivos da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) são obsoletos. Um deles obriga todas as lojas a ter um banquinho para cada vendedor. Ora, nenhuma tem isso. Também está na lei que o ambiente de trabalho precisa ter, no mínimo, 3 metros de pé-direito. Nos anos 40, ambiente de trabalho era sinônimo de galpão de fábrica. Não é mais. Esses artigos têm de ser revogados. Em compensação, direitos importantes estão fora da CLT. Precisamos também adaptá-la para realidades novas, como a terceirização, que não foi regulamentada.
Um grupo de parlamentares quer que o presidente Lula se empenhe na aprovação da reforma política depois de deixar o governo. Ele fará isso?
O PT e o presidente Lula despenderão um grande esforço para mudar a legislação eleitoral. Queremos que as eleições tenham regras permanentes, e não mutáveis, como ocorreu neste ano. Por erro nosso, do Congresso, ficou estabelecido que, para votar, o cidadão tinha de apresentar um documento com foto, além do título de eleitor. Ora, o indivíduo que tem documento com foto já tem o direito de votar. Também queremos mudar o modelo de financiamento das campanhas eleitorais. Defendemos o financiamento público e a lista fechada de deputados. Com essas duas medidas, a nosso ver, elimina-se o caixa dois. No modelo de lista fechada, o eleitor vota no partido e a agremiação faz a lista dos candidatos que quer ver eleitos. Nesse sistema, os políticos não fazem campanha para si próprios, mas para seu par tido, que também é quem arrecada recursos. Por isso, o caixa dois perde sentido.
Os contribuintes já financiam o fundo partidário e o horário eleitoral no rádio e na TV. É justo que paguem também as campanhas dos parlamentares?
Democracia tem preço. É um sistema que não é perfeito, mas é o menos imperfeito de todos. As pessoas podem não gostar de financiar um deputado, mas é melhor ter um deputado custando o que custa hoje do que não ter um Parlamento. Acho, porém, que essa é uma questão que, depois de analisada pelo Congresso, deveria ser submetida a plebiscito.
O que é preciso fazer para que a reforma da Previdência finalmente deslanche?
O governo federal precisa se empenhar muito e, desta vez, de uma forma correta. Se (o ex-presidente) Fernando Henrique Cardoso tivesse enviado ao Congresso um projeto de reforma previdenciária que valesse apenas para quem ainda fosse entrar no mercado de trabalho, talvez ele tivesse sido aprovado. Nós cometemos o mesmo erro no governo Lula, a o tentar mudar as regras para quem já está no jogo. O nó da Previdência é o futuro. A população brasileira está envelhecendo e tem proporcionalmente cada vez menos gente nova ingressando no mercado de trabalho. Em alguns anos, poderemos ter mais aposentados do que trabalhadores, o que quebrará o sistema. Se mudarmos as regras para os que ainda vão entrar, melhoraremos a situação para o futuro. O problema imediato que ternos de resolver é o fator previdenciário (a fórmula que visou a retardar a aposentadoria, reduzindo o valor do benefício concedido aos mais jovens). Há pressão das centrais sindicais para substituí-lo e, assim, permitir aposentadorias mais precoces? Há. Então, talvez seja preciso encontrar outra equação que não sobrecarregue o INSS. Uma possibilidade é instituir uma idade mínima para a aposentadoria.
Guido Mantega, ministro da Fazenda, tem dito que o próximo ano será marcado pelo ajuste fiscal. Essa pretensão é compatível com o Orçamento que está sendo negociado no Congresso?
É possível que tenhamos de fazer ajustes no Orçamento. O panorama mundial é preocupante. A Europa está em dificuldade, os Estados Unidos emitiram montanhas de dólares para transferir o seu déficit para o resto do mundo e estão em guerra cambial com a China. Não podemos aprovar medidas que ponham em risco as finanças públicas. Os acordos fechados no passado em tomo do salário mínimo têm de ser respeitados. Foi acertado que, até 2023, ele será corrigido pela inflação e receberá um aumento equivalente à variação do produto interno bruto dos dois anos anteriores. Para 2011, isso significaria um mínimo de 540 reais. O mesmo princípio deve ser aplicado às aposentadorias: em 2011, apenas haverá a reposição da inflação.
O Tribunal de Contas da União (TCU), um órgão do Legislativo, foi duramente atacado pelo presidente lula. O governo tem medo de ser fiscalizado?
O TCU tem poderes exagerados. Por exemplo, paralisa uma obra apenas por considerar que ela tenha indícios de superfaturamento. Qual deveria ser o procedimento? Informar o Ministério Público, a Polícia Federal e a Câmara, que investigaria o caso na Comissão de Fiscalização. Se fosse confirmado o superfaturamento, a obra então seria interrompida e os pagamentos suspensos. Hoje, paralisa-se uma obra que custa bilhões de reais ainda na fase da suspeita. Passam-se seis, sete meses com ela parada, o que causa prejuízos enormes para o contribuinte. É preciso rever essa legislação.
Se o senhor for eleito presidente da Câmara e chegar à sua mesa alguma iniciativa que tolha a liberdade de imprensa, o que fará?
Sou contra qualquer medida que agrida a liberdade de imprensa e posso garantir que, com Dilma, não prosperará nenhuma medida nesse sentido. O PT, Dilma e Lula surgiram da luta pela democracia, o que inclui a liberdade de expressão, de opinião, de manifestação e de imprensa. A democracia é intrínseca à nossa concepção política, mesmo com todas as manifestações exageradas de contrariedade da parte de alguns de nossos companheiros.
O PT selará um acordo com o PMDB para fazer um rodízio na presidência da Câmara?
Queremos fazer acordos com todos os partidos, e as negociações começam pelo PMDB, que tem a segunda maior bancada da Casa. A união de PT e PMDB confere estabilidade à Câmara, como ficou provado nesta legislatura. PT e PMDB concordaram em eleger Arlindo Chinaglia para presidir a Casa em 2007 e 2008 e Michel Temer em 2009 e 2010. Como temos a maior bancada, caberá a nós decidir quem será o presidente em 2011 e 2012.
As disputas entre PT e PMDB não desmentem a propalada avassaladora maioria parlamentar com a qual o governo saiu das umas?
Essas disputas são naturais e não constituirão problema, porque Dilma, com a vitória que teve, adquiriu independência para arbitrar sobre todos os partidos da base, inclusive o PT. Nosso partido sabe que quem vai montar o ministério será a presidente, e não nós. Quem decide e executa é quem foi eleito: Dilma. A função dos partidos da base é dar sustentação às decisões dela.

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